Os mitos que sustentam a ignorância ágil

Fabio Jascone
Senior Sistemas
Published in
5 min readJul 4, 2017

É comum ouvir que agilidade é bagunça, entrega-se o que quer quando quer.

Quem desconhece — não faz questão de conhecer — e pensa de forma linear com o mindset enraizado em solo da era industrial no quintal de Henry Ford, realmente tem dificuldades ou resistência para entender os motivos por trás dos benefícios da metodologia ágil.

Revolução Industrial — fonte: Google imagens

Para contextualizar, em um processo linear ou sequencial inicia-se uma nova fase somente após o término da anterior. Há uma longa distância entre o levantamento de requisitos e a entrega ao cliente, com pouquíssima margem para mudanças e alto risco de não atender as necessidades que o cliente nem lembra mais quais eram. O gerenciamento está mais no controle e no cumprimento do prazo a qualquer custo do que na entrega em si.

A metodologia ágil consiste em ciclos curtos e feedback constante do cliente. Além disso, promove a integração e colaboração de todos os envolvidos. O gerenciamento é no fluxo, não na atividade. E o foco está na entrega de valor.

Jeff Sutherland, um dos criadores do Scrum, em seu livro A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo diz que…

Processos ruins estão tão enraizados em nossa forma de pensar que, como alternativa, precisamos de um processo o mais leve possível e com maior impacto no trabalho. O que o Scrum faz é se concentrar na tentativa de eliminar os desperdícios.

O pior não é falta de conhecimento ou a resistência, mas os impactos catastróficos causados por decisões tomadas sem fundamentação teórica, ausência de experiência ou ainda com base em informações superficiais e tendenciosas.

A influência desse comportamento pode levar ao uso indevido das práticas ágeis, descaracterizando a metodologia e sabotando inconscientemente seus resultados. E quanto mais enérgicas são essas pessoas ou mais alto seu nível hierárquico, mais influência ela exerce. Cuidado!

Para exemplificar podemos comparar a aplicação de um método ágil a uma receita culinária. Qual o resultado esperado ao seguir a receita pela metade ou utilizar ingredientes diferentes daqueles mínimos obrigatórios? Assim é praticar agilidade.

Antes de qualquer coisa deve-se ter como referência o Manifesto Ágil. Quem for aplicar agilidade sem conhecer seus valores e princípios precisará contar com a sorte antes de obter êxito. Voltando ao exemplo, é como fazer a refeição sem experiência na cozinha ou sem seguir os princípios básicos da culinária, na tentativa e erro até dar certo ou acabarem os recursos. E depois não adianta reclamar do gosto amargo e culpar a panela!

MITO #1 — Vou fazer mais rápido!

Definitivamente não! Evite falar isso, nem pense. Não! Nem pense.

Agilidade não significa “fazer mais rápido”, mas sim evitar o desperdício de fazer mais do que o necessário, em outras palavras “fazer certo na primeira vez” buscando assertividade através do envolvimento de todos e no feedback constante do cliente ou seu representante.

O “fazer” somente não garante o valor da entrega.

E como entregar mais rápido? Principalmente gerenciando o fluxo, não a atividade isoladamente. E eliminando o desperdício com o que não vai gerar valor para o cliente. Não construa aquilo que não irá vender!

Um exemplo simples para diferenciar o “fazer” do “entregar” é você no alto de um prédio em chamas, precisa chegar ao chão o mais rápido possível, como fazer? Pular pela janela (fazer) ou descer por uma rota segura (entregar)?

MITO #2 — Vou fazer somente a metade!

Fazer pela metade não é fazer. Um carro pela metade só serve para desperdiçar recursos que poderiam ter sido usados para criar algo de valor ou economizar dinheiro. Qualquer coisa que esteja “em processo” custa dinheiro e energia, sem entregar nada. — Jeff Sutherland

Priorizar o que tem mais valor para o cliente não pode ser entendido como “entregar pela metade”. Quando falamos de software é possível quebrar uma funcionalidade em várias entregas e priorizar aquilo que é essencial e deve ser feito primeiro.

No exemplo do carro, na citação acima, se a expectativa do cliente é “locomover-se dentro da cidade” podemos entregar um carro sem vidro elétrico num primeiro momento, mas não sem as rodas ou sem o volante. Ainda neste exemplo, podemos considerar entregar qualquer meio de transporte, não necessariamente um carro. Será que o cliente aceita andar de bicicleta?

Um estudo realizado pela Standish Group chegou a conclusão de que cerca de 45% das funcionalidades de um software nunca são utilizadas. Há então um grande desperdício de tempo no desenvolvimento dessas funcionalidades e é aqui que a metodologia ágil contribui fortemente com sua abordagem incremental e iterativa, com a estratégia de construir somente aquilo que fará sentido para o cliente.

Fonte: Standish Group

MITO #3 — Não tem documentação!

Tem, mas somente daquilo que faz sentido ter. Tudo que é documentado deve fazer sentido para o cliente ou para o time.

A documentação que não existe é aquela substituída pela comunicação e interação entre as pessoas do time, que inclusive se torna muito mais efetiva do que ler e interpretar uma especificação de requisitos escrita por alguém que não se sabe quem.

Não há necessidade de especificar nos mínimos detalhes uma funcionalidade como se não conhecesse a equipe que irá executar o trabalho. Quem encomenda (Product Owner) e quem constrói (Dev Team) fazem parte do mesmo time (Scrum Team) e compartilham as mesmas responsabilidades.

A interação deve ser constante, assim como o feedback com relação àquilo que está sendo entregue.

Software em funcionamento mais que documentação abrangente. — Manifesto Ágil

MITO #4 — Não tem métricas nem controle!

Métricas, sim. Punitivas, não!

As métricas precisam fazer sentido principalmente para acompanhar a evolução do time e refletir o quanto estão atingindo os seus resultados.

Medir e acompanhar faz parte do processo de inspeção e adaptação, dois dos três pilares do Scrum. Por isso é importante desenhar métricas de resultado, que venham a partir dos feedbacks dos clientes, e usar métricas intermediárias para acompanhar a evolução do trabalho do time rumo ao cumprimento de seus objetivos.

É importante que a cada sprint — ou iteração — o próprio time perceba onde pode melhorar. Há um momento de “lições aprendidas” específico para isso, realizado obrigatoriamente ao término de cada sprint.

Métricas de resultado promovem o engajamento dos times, que naturalmente buscam evolução e melhoria contínua, resultando em aumento da produtividade, previsibilidade e qualidade das entregas. Isso faz estreitar a relação de confiança permitindo mais autonomia e também responsabilidade. Temos então times comprometidos, focados e auto-organizados!

MITO #5 — Agilidade é coisa de Startup!

Sim. É também, mas não somente.

Este talvez seja o mito mais top trends dos usados como desculpa pelos céticos, conservadores e resistentes por agilidade. É possível aplicar um método ágil em praticamente qualquer porte de empresa, talvez qualquer área. O Scrum é uma abordagem, mas há também o método Kanban que pode ser aplicado sozinho ou junto com o Scrum.

Em empresas com muitos times podemos aplicar o Scrum e escalar com um framework específico como o Nexus ou o SAFe. Depende muito do contexto e do que se deseja resolver.

É importante ter em mente que agilidade não resolve todos os problemas do mundo, não é bala de prata, varinha de Fênix ou chapéu de Presto. Agilidade apenas simplifica problemas complexos!

É isso!

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Obrigado!

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