UX e a Teoria do Cérebro Trino de MacLean

Gabriel de Freitas
Senior Sistemas
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10 min readSep 1, 2022

Um fato é que somos seres emocionais e toda tomada de decisão tem origem em um evento emocional. E cada vez mais estamos aptos a desenvolver produtos e soluções mais agradáveis para nossos clientes, entendendo o comportamento humano e as emoções neste processo.

Esse artigo foi estruturado para trazer alguns insights sobre a estrutura apresentada por McLean e compartilhar com UX Designers, Researchers, Gerentes de Produtos, PO’s e Profissionais de áreas próximas que tenham interesse no tema.

Nosso foco é sobre a teoria de McLean elaborada em 1970, mas Don Norman também possui uma interpretação muito completa do que vamos ver aqui em seu livro “Emotional Design”. Estruturando essa divisão que iremos falar aqui, conforme imagem abaixo:

Mas afinal, o que é o Triune Brain Model e qual papel do UX nesse tema?

Paul MacLean escreveu um livro chamado The Triune Brain in Evolution. Nesta obra o autor fala sobre como nosso cérebro evoluiu ao longo do tempo, como as informações são processadas e quais suas principais divisões que trazem características e gatilhos mentais específicos para cada uma das três partes que são:

  1. Reptilian Brain (Basal Ganglia) — Mais voltado para cognição, assim como o estágio Visceral na visão de Don Norman.
  2. Paleomammalian Brain (Limbic System) — Mais voltado para emoções e sistema sensorial assim como no estágio Comportamental de Norman.
  3. Neomammalian Brain (Neocortex) — Mais voltado para análise e racionalização, que no livro “Emotional Design” é chamado de Reflectivo.

Em resumo, esse conceito ajuda entender o processamento neural das informações, o que é grande aliado de UX Researchers e UX Designers nas análises antropológicas, validações de hipóteses, ideação, construção de soluções e análise de usabilidade para tornar os produtos e serviços cada vez mais aderentes, assertivos e agradáveis de se utilizar.

E assim podemos conduzir o usuário para uma tomada de decisão que satisfaça suas expectativas e potencialize resultados de negócio.

Basal Ganglia (Cognitivo) Visceral

Aqui é onde conseguimos a atenção do usuário. O Basal Ganglia (ou o chamado cérebro reptiliano), é responsável por nossos instintos primitivos, impulsos e respostas automáticas. Segundo a teoria de Mclean o Basal Ganglia foi desenvolvido primeiro no processo evolutivo, por isso é o menos consciente da tríade e grande responsável pela sobrevivência humana durante sua evolução.

(Origem da imagem: Interaction Design Foundation)

Conhecendo suas principais características, temos grandes oportunidades de ajudar nossos usuários prevendo as possíveis respostas emocionais nesta parte do Triune Brain Model, tais como:

Familiaridade — Nos primórdios essa função do cérebro ajudava identificar o que era familiar (seguro) e o que não era familiar (situação potencialmente perigosa), acionando instintos para se afastar, evitar proximidade ou atacar.

A principal missão aqui é reduzir o sentimento de suspeita com nossos produtos e serviços, conduzindo nossa comunicação e posicionamento como algo “familiar” para nosso público-alvo, daí a importância da antropologia e análise de dados para entendermos profundamente para quem estamos desenvolvendo nossas soluções e serviços, e despertar emoções positivas. Em resumo, aqui o grande desafio é criar conexão. Etapa crucial para estabelecer uma porta de entrada e iniciar uma familiaridade real.

Atratividade — Segundo a teoria da tríade cerebral, o basal ganglia também era responsável pela reprodução da espécie. Com isso as reações instintivas relacionadas à reprodução e o apelo sexual são naturais. É muito comum ver lojas, páginas no instagram, revistas, comerciais e etc… Usando o apelo sexual para conversão de vendas, e sim, funciona.

Mas a ideia aqui sobre atratividade é ajudar a prender a atenção do usuário de forma inteligente para tomada de decisão. Nesse aspecto também falamos de cores, imagens, vídeos, contraste e etc… Para que a mensagem seja entregue muito antes de que o usuário tome consciência. Uma grande aliada aqui é o uso da Gestalt (mas é assunto para outro artigo, hehe).

Segurança — Não vivemos em eras onde dependíamos fundamentalmente dos nossos instintos para sobreviver, contudo ainda temos essa herança neural que ao buscar manter nossa sobrevivência pode despertar comportamentos de dominância, agressividade e proteção territorial. Como principal resultado o cérebro identifica automaticamente se aquela situação é favorável ou não a sua segurança. Nós como Designers precisamos passar essa informação de forma correta, afim de despertar emoções que tranquilizem o usuário nesse aspecto, deixando-o mais confortável para tomada de ação ao criar um cenário de segurança.

Ex: Um banco quer reduzir custos com atendimento via telefone fornecendo um canal para atendimento no seu app. Como convencer um público idoso que realizar suas tarefas via aplicativo é seguro?

Para desenvolver esse cenário, provavelmente você terá que fornecer informações que possam ser processadas automaticamente dizendo que aquela atividade é segura. Uma opção é ao acessar o app, mensagens relacionadas a transação segura, iconografia com cadeados, efeitos sonoros de cadeado e camadas de senhas podem trazer esse sentimento à tona. Mas é claro que toda hipótese precisa ser testada, documentada e analisada de forma constante até chegar no resultado esperado.

Limbic System — (Emocional) Behavioral

O sistema límbico nada mais é do que uma estrutura interconectada do cérebro que é responsável pelas nossas experiências emocionais. E de fato, é o que nos faz agir. Segundo a teoria de McLean, que possui uma visão evolucionária do desenvolvimento do cérebro humano, o sistema límbico é também conhecido como Paleomammalian (que se refere aos mamíferos) desenvolvido nos primórdios da evolução humana. Suas principais características estão relacionadas a motivação, emoção, memória, aprendizado e apego emocional.

(Origem da imagem: Interaction Design Foundation)

Sabemos que dentro desses aspectos temos um mundo de opções para levar em conta quando estamos observando a jornada do usuário e suas tasks, para conduzi-lo da melhor forma a tomar ações mais assertivas que tragam resultados positivos para eles. Abaixo segue algumas considerações fundamentais para o fortalecimento de uma conexão e como podemos apoiar nesses pilares para tomada de decisão:

Emoções positivas e negativas — O sistema límbico é responsável despertar os sentimentos positivos e negativos de acordo com os sentidos trazem de informação para a Amygdala, que irá discernir se é bom ou ruim, seguro ou perigoso, amigo ou inimigo.

Negativo — Conhecer esse comportamento pode nos ajudar a desenvolver soluções para eventuais problemas na jornada do usuário que facilite o entendimento do cenário e conduza-o para a tomada de ação correta. Ex: “O usuário precisa fazer o upload de um arquivo em pdf que se encontra em sua área de trabalho. Ao pesquisar ele seleciona o arquivo no formato errado.”

Nesta situação podemos usar de artefatos de feedback que demonstrem que existe algum problema, e para ajudar na tomada de ação, podemos usar abordagens que despertem o sentimento negativo como “alerta vermelho” para que ele preste atenção nesta mensagem com um sentimento aderente a tarefa.

Positivo — Como potencializar a experiência despertando bons sentimentos que reforcem a conexão necessária para tomada de decisão? A ideia é justamente aproveitar todo processo sensorial para oferecer uma recompensa e reforçar a experiência positiva, liberando dopamina que ajudará a fortificar a conexão entre cliente e produto. Ex: Uma empresa de petshop está percebendo uma redução nas solicitações de banho e tosa. Para resolver essa situação decide oferecer um banho grátis para os cliente após a terceira compra.

Apesar de ser uma ação muito comum entre comerciantes, a sensação de recompensa reforça o laço entre a empresa de banho e seu cliente final. É claro que existirão diversas abordagens que podem apoiar esse reforço positivo como gamification, programas de fidelidade e etc… Mas a ideia é buscar alternativas disponíveis para cada cenário, testar e mensurar os resultados obtidos.

Conexão emocional — Empresas como Apple, Tesla, Coca-Cola, Amazon são especialistas em criar esse tipo de conexão mais profunda de forma que seus clientes mais leais nem questionam a qualidade e o custo benefício. É tão profundo que a experiência é armazenada na memória de longo prazo. E para isso é preciso construir uma experiência emocional por meio de diversos métodos, técnicas e abordagens, respondendo à cada interação emocional entre usuário e produto de forma direcionada.

Neocortex — (Racional) Reflective

É hora do julgamento! Sim, aqui é a mente do usuário agindo como se fosse seus pais dizendo não! Ou ponderando suas ações, é a fase final da tomada de ação e o responsável racional. Aqui a impulsividade não tem vez, mas é uma luta constante entre as duas partes. O cérebro racional de McLean, que também pode ser comparado ao refletive processing concept do Don Norman no seu livro “Design of Everyday Things” é a parte consciente da tríade responsável pela abstração no nível lógico. É também o que distingue o ser humano de qualquer outro animal, sendo a parte desenvolvida mais recentemente na evolução humana.

(Origem da imagem: http://www.msrblog.com/science/biology/neocortex.html)

Mas afinal, o que nos faz tomar uma decisão? Abaixo temos 6 fatores que nos ajudam na tomada de decisão:

Reciprocidade — Quando você recebe algo e sente que deve retribuir. Nestes cenários o cliente recebeu algo além do esperado e está mais propício a retribuir, dando um feedaback positivo, comprando algo a mais ou até mesmo dando uma gorjeta por ter recebido um belo atendimento.

Escassez — As pessoas sempre desejam mais aquilo que está para se acabar, a exemplo disso temos a última bolacha do pacote hehe. Mas brincadeiras a parte é uma forma de despertar na pessoa de forma racional um pensamento relacionado à escassez, gerando um gatilho mental que ajudará em uma compra, agendamento ou até mesmo em uma aquisição promocional que está sendo ofertada por tempo limitado.

Autoridade — A construção de uma autoridade é fundamental na tomada de decisão, um processo racional passa por algumas etapas e entre elas a validação da credibilidade que estará totalmente relacionada a sensação de segurança que já virá como primeira impressão das outras duas partes da tríade.

Consistência — A consistência é o que validará toda autoridade, fortificará o relacionamento e será fundamental para que haja reciprocidade. Atender expectativas é o básico, mas o quanto antes for possível fazer pequenas entregas consistentes melhor, isso ajuda a ganhar volume na percepção de entrega de valor e consequentemente mais influência.

Gosto/Relacionamento — O relacionamento é fundamental na tomada de ação, vendedores procuram usar técnicas de raport e empatia para que criem uma conexão verdadeira. O mesmo acontece com produtos, marcas e serviços, mas de um jeito diferente. Para isso, é preciso entender profundamente quem é o cliente para começar a se posicionar de forma que ele sinta essa “amizade”, ou para que ele seja percebido como parte de um grupo seleto de pessoas que possuem aquele determinado estilo de vida. Nesse caso ele faz uma compra ou contrata um serviço porque ele gosta de como a “marca fala com ele” por meio do posicionamento, princípios, tom e voz da marca.

Consenso — Podemos falar que é boca a boca. Quando estamos para tomar uma ação, é muito comum perguntar para alguém que já fez isso antes, e provavelmente a opinião daquela ou de mais pessoas serão levadas em conta. Isso porque somos movidos ao senso comum. Ex: Quando um assunto do qual você não tem propriedade é lançado no ar e a maioria das pessoas concorda com X, dificilmente você dirá Y, se não houver embasamento para tal. E passará a acreditar em X dali em diante, visto que é o consenso da maioria até que você reúna experiências e insumos o suficiente para mudar de opinião.

Processamento lógico para tomada de ação

(Origem da imagem: Miro.com — área de princing )

No exemplo acima temos como trigger o fornecimento de informações chave que vão ajudar o usuário a comprar. Seu cérebro racional irá apurar sua bagagem prévia de pesquisas, avaliações de orçamentos, features e custo benefício para cruzar essas informações e te ajudar na tomada de decisão.

(Origem da imagem: kinghost.com.br — área de princing)

Neste outro exemplo apoiamos o usuário com a escolha, mostrando o plano mais comprado como sugestão. Nesse sentido o usuário vai processar os prós e contras, e de forma paralela o Sistema Límbico envia mensagens do tipo: “Olha, tem um plano justamente para o que você precisa! Pode valer a pena”, essa informação chega para o Neocortex, que racionaliza as opções para tomada de decisão passando pelos 6 fatores na velocidade da luz, até que uma ação seja tomada.

Conclusão sobre o Triune Brain Model e sua aplicação na experiência do usuário

Maravilha, já sabemos que conhecer os 3 tipos de componentes neurais da teoria de McLean podem ajudar o time de UX a criar melhores arquiteturas de informações, conduzir pesquisas cada vez mais assertivas e ajudar as empresas a desenvolver soluções que realmente façam sentido para o usuário e sua jornada.

Milad Fakurian

Precisamos ir além da teoria do Triune Brain Model, entendendo o contexto do usuário para traçar uma estratégia adequada. Saiu na Harvard Business Review uma pesquisa que mostra que 70% dos compradores que estão em smartphones na jornada de compras levam apenas algumas horas para fechar, enquanto a jornada por desktop pode levar semanas. Quando não, pode-se iniciar no desktop durante semanas e finalizar no celular. Nossa preocupação deve ser justamente fornecer as informações certas, no momento certo e em um formato adequado, para que exista uma tomada de ação que traga valor real para o usuário/cliente.

As teorias de nada adiantam se não tivermos claro na nossa mente qual são as etapas, pontos de contato, tecnologias, emoções e dores que permeiam a jornada do usuário. Só desta forma é possível tirar proveito da neurociência para construir produtos e soluções que os usuários e clientes irão realmente amar.

Mais conteúdos sobre o tema:

https://www.hbr.org/2012/05/to-keep-your-customers...

https://www.interaction-design.org/literature/article/the-concept-of-the-triune-brain

https://www.amazon.com.br/Triune-Brain-Evolution-Paleocerebral-Functions/dp/0306431688

http://www.msrblog.com/science/biology/neocortex.html

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Gabriel de Freitas
Senior Sistemas

Entusiasta do pensamento Lean e Agile UX, Gabriel de Freitas é Facilitador de Design Thinking, Service Blueprinting e Consultor UX.