Pelas (boas) conversas

Leca
Senta e escreve
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3 min readJan 11, 2018
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Encontre alguém que converse com você e não te use apenas como plateia para um monólogo em busca de validação.

Alguém que te faça as perguntas certas (mesmo que você não tenha as respostas), que te provoque e jogue uma luz completamente nova sobre situações que antes desse papo pareciam tão comuns, tão banais.

Eu sei que é difícil. E eu sei que demora. Eu ando procurando por essas pessoas há mais de vinte anos e as que encontrei conto usando apenas uma mão. Mas ainda assim, trabalhe para encontrá-las. E faça isso por um fator: tempo.

Afinal, quanto mais o tempo passa, menos dele você tem. Já viu criança se preocupar com horário? Não, isso é coisa para adulto. Talvez seja o tamanho da imaginação delas que influencia a quantidade de tempo que elas acreditam ter. E conforme mais realista nós ficamos, mais conscientes do pouco que nos resta nos tornamos.

E para contrastar, todas as coisas parecem evoluir na direção exata para roubar o seu tempo. Já reparou na quantidade de atividades que estão surgindo dentro dos shoppings? É simulador de realidade virtual, escape room, tudo para que você gaste com eles além do seu dinheiro, também o seu tempo.

E conversas quase sempre são sobre tempo. Já sentou em uma mesa de bar em que o principal assunto eram viagens? Séries? Trabalho? Era, na verdade, sobre a forma com que o tempo das pessoas tem sido gasto que vocês estavam falando.

Então, acompanhe: você está gastando tempo em uma conversa sobre a forma como outras pessoas (ou você mesmo) vêm gastando o seu tempo. Não parece um desperdício de tempo?

É claro, é sempre bom poder pegar recomendações de séries ou saber de algo muito legal que seu amigo fez em Paris, para, quem sabe, você poder fazer também na próxima vez em que for pra lá. Não significa que essas conversas não tenham o seu valor.

Mas, vez ou outra, vale a pena encontrar alguém que, durante uma conversa, te jogue na contramão e te faça refletir e falar sobre outras coisas, só para variar.

Falar sobre como você se sente, sem parecer terapia. Falar sobre o universo e o rumo que as coisas ao nosso redor estão tomando. Falar sobre sentimentos, sem parecer uma DR. Falar sobre nada pode ser maravilhoso também. Especialmente quando esse nada é capaz de dizer tanto a respeito de alguém. Essas conversas, geralmente, são as que se tornam memoráveis.

E é muito bom também quando, no meio de uma conversa, alguém diz “lembro de uma coisa que você falou uma vez” e puxa aquilo para o presente.

É em momentos assim que eu sinto que eu existo. E, talvez, seja por isso também que eu escrevo.

Boas conversas geralmente são mais do que apenas escutar. São sobre notar o outro.

E talvez eu deva parecer meio obsessiva para quem não me conhece, mas, não consigo não manter contato visual enquanto converso. Acredito que os olhos da pessoa complementam a história que a voz está transmitindo. Sabe aquela coisa do corpo falar? Então. Se você reparar, vai ver que os olhos gritam. A forma como eles se mexem (ou não) enquanto a pessoa fala, diz muito sobre aquilo que está sendo dito. Se a língua é ardilosa em mentir, os olhos são sempre os primeiros a se entregarem.

Uma boa conversa fica com a gente por muito tempo. Rende continuações, aprendizados, autoconhecimento.

Uma boa conversa é capaz de te salvar alguns trocados de terapia. Ou até mesmo te fazer trocar de terapeuta.

Uma boa conversa é difícil de encontrar.

E quando ela aparece, você pode até não perceber de imediato. Você só se dá conta depois que percebe que o mundo lá fora é capaz de esperar. Que ninguém vai morrer se você não checar seu telefone. Que cinco minutos a mais no seu horário de almoço farão melhor a você do que chegar pontualmente no horário de bater o ponto.

A prioridade durante uma boa conversa é sempre o encontro. Porque você sabe que não vai sair igual depois dele. É como viajar pagando a passagem apenas com o seu tempo.

Uma boa conversa é capaz até de restaurar a fé na humanidade e nos fazer entender porque é que a gente veio ao mundo junto com outras 7 bilhões de pessoas.

Pelas (boas) conversas.

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Leca
Senta e escreve

Project Manager. Planner. Writer. Reader. Traveler. Brazilian. Feminist. Coffee drinker. Wife. Cat lady. So many labels, so little time. Come say hello.