Como é ser o cara que não bebe

Já adianto: não é tão legal se as pessoas se preocuparem mais com a sua escolha do que com as delas

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
4 min readJul 8, 2013

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Em 2014 se completam 10 anos desde que decidi não beber mais. De 2004 pra cá, parti do radicalismo chato ao ponto em que estou hoje: o moderado, que divide uma garrafa de vinho com a namorada e se permite à embriaguez num evento caseiro, mas que mesmo assim prefere ficar sóbrio. Mas depois de todos esses anos eu comecei a me encher com o que as pessoas pensam sobre a minha decisão.

Eu tinha 17 anos quando parei com o álcool, que devo ter conhecido com uns 13, 14 - pouco antes da maconha, que já larguei também. Nunca fui ao extremo com bebida e não sei, por exemplo, qual o gosto de vômito por exagero e nem a sensação da amnésia, porque não precisei esperar pela minha primeira PT, eu simplesmente escolhi não tê-la.

Bebia como qualquer adolescente da minha época: mal, bastante, sem cair. Nas festinhas de rua eram sempre garrafas de vinho Chapinha, de menta e de Baianinha rosa. Nos bares, acompanhando o bilhar de ficha, pinga com mel, bombeirinho ou canelinha. Nas baladas não tomava nada, porque só tinha dinheiro da entrada. E eu nunca bebia essa parada ruim chamada cerveja. Era quase impossível ficarmos bêbados demais, já que a grana era sempre curtíssima.

Mas eu via muita gente ficar ruim, geralmente os mais velhos, pessoas que saíam do estado “legal” e partiam a um que variava entre “zumbi”, “valente”, “chorão” e “desmaiado”. Dentro dessas variáveis já vi nego se perder na rua; apanhar de muita gente ao mesmo tempo; ligar pra ex-namorada dizendo o que não devia; e… dormir. Um conhecido chegou a um nível tão sério que certa vez, durante nossa partida semanal de futebol, ele teve de sair porque o nariz começou a sangrar por um princípio de cirrose ou algo do tipo, só que esse sujeito bebia álcool Zulu com Coca-Cola. Por quê?

E aí: por quê? Pra quê?

Com exceção de um tio meu que, na tristeza de ver mulher e filhos irem embora, acabou morrendo por causa da bebida, não conheci ninguém que realmente precise do álcool pra se manter. (Na verdade, conheci quando trabalhei em metalúrgica, mas não era tão próximo.) Todos os outros bebem por diversão - o que de forma alguma soa errado, cada um se diverte como quer, seja saindo do estado normal com bebida, drogas ou o êxtase natural do corpo mesmo. Foda-se o que se faz para ficar bem, eu realmente não ligo. Só que os outros ligam. E me enchem o saco.

Sou obrigado a dizer que não bebo quando alguém me oferece algo e, assim que o faço, passo exatamente pelo mesmo processo: careta seguida de “por quê?” e, depois, de “mas você nunca bebeu?”. Tenho consciência de que sou o diferente (leia-se estranho) e não ligo de responder, rola até um script: “porque não gosto”, “bebia, sim, na adolescência, mas resolvi parar”, seguido por uma tentativa de mudança de assunto.

Quando não consigo mudar, tenho de dizer que sempre achei cerveja ruim e, em quase todos os casos, ouço que isso é normal, que dificilmente você acha cerveja gostosa no começo, mas depois se acostuma. Espera, você quer dizer que é normal se forçar a fazer algo desagradável porque todo mundo diz que é? Normal pra você, não pra mim. Aí vem o papinho de que sem bebida não tem graça, o que eu acho uma afirmação absurda. Muita gente fica em casa quando não pode beber porque tem certeza absoluta de que não vai se divertir, sendo que me vê fazer isso há anos.

Mesmo quando é notável que estou me divertindo, tem quem insista que eu me divertiria mais se estivesse bebendo, sob justificativa de que eu não estou acompanhando a vibe dos demais. Isso é bem engraçado porque, na verdade, mais do que seguir vibes alheias, eu sou o único ali com condições reais de saber o que se passa no ambiente. Fora isso, sou quem pode dirigir pra casa em segurança e quem não será enrolado pelo caixa que fechar minha comanda…

É de se entender que algumas pessoas dependem de álcool pra se soltar, e mais do que justificável que outras tantas usem pra relaxar. Eu respeito esse direito, por isso, seria legal se respeitassem o meu também.

Todos os meus amigos bebem, não tenho preconceito.

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