Pequeno casulo

Laura Rodrigues
maria da ilha
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2 min readJan 14, 2021

Queria que o mundo me amasse e acolhesse como qualquer outra criança. O mundo não pôde. Exigir isso era demais. Tentei pedir igualdade ao mundo, mas ninguém me escutou. Então passei a pensar naquilo que me faria humana: sonhava com o dia em que teria a pele branca. Como devota que eu era, ainda com pouca idade, conversei com Deus em minhas orações noturnas: “pai, eu quero ser igual aos meus colegas”, mas nada mudou. Eu continuei a mesma ao amanhecer. Novamente a noite chegou, e de novo eu pedi: “Deus, limpa o meu corpo de toda a sujeira, por favor, eu quero ser branca”, mas nada mudou. Eu continuei a mesma ao amanhecer. Novamente a noite caiu, e de novo eu implorei: “Deus, eu quero aqueles cabelos loiros e ondulados que sempre vejo na TV, por favor, me faça branca”, mas nada mudou. Eu continuei a mesma ao amanhecer. Já cansada daquelas súplicas intermináveis, incapaz de me tornar branca, pedi a Deus que me levasse daquele mundo que não me queria, mas nada aconteceu. Eu continuei viva ao amanhecer. Ao que parece, Deus também me rejeitou.

Naquele momento, em um ato tão próprio da minha existência, passei a morar em um pequeno casulo. Era tão apertado e gelado, tão sufocante e assustador, que aos poucos deixei de sentir partes do meu corpo. Não conseguia identificar os meus dedos, pés, mãos, tronco, não era capaz de sentir nada. Depois da morte do corpo, morreu o espírito. Não sentia felicidade ou tristeza, nem amor ou ódio. Eu estava ali, e isso bastava. Com o tempo, o casulo diminuía e me esmagava lá dentro. Ciente do destino arrebatante, esperava o vencimento do meu prazo de validade, quando provavelmente me tornaria uma massa disforme, quando felizmente perderia a consciência. Não lembro de quanto tempo ali me deixei estar. O tempo corre diferente para aqueles que se encontram presos. Esperei muito, mas ninguém notou a solidão. Ninguém conseguiu me encontrar no casulo.

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