Trabalho doméstico e as expectativas da classe senhorial

Laura Rodrigues
maria da ilha
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2 min readApr 13, 2020

“Empregada doméstica estava indo para Disney, uma festa danada”. Essa frase foi dita por Paulo Guedes, ministro da economia, ao tratar do aumento do preço do dólar.

Não pensem que a escolha em iniciar o texto com essa manifestação foi feita ao acaso. Apesar do espanto causado pela frase do ministro, seu conteúdo é velho. As expectativas senhoriais em relação à classe de empregadas domésticas podem ser observadas em outros períodos da história brasileira. Por conta disso, a partir de uma perspectiva histórica, pretendo dar elementos que permitam uma análise aprofundada dessa relação de trabalho. Posso dizer que esse é só o começo de um série de publicações que abordarão a relação entre mulheres negras, trabalho e classe. Espero que gostem!

Guiados pelo olhar da historiadora Sandra Lauderdale Graham, voltemos ao final do século XIX. Em seu livro Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro (1860–1910), a autora descreve um pouco do cotidiano das criadas e as relações dessas com os espaços privados e públicos. Reconhecendo a importância de Graham para esse debate, utilizei sua obra para a construção desse texto. Nosso objetivo é entender um pouco mais o exercício do controle pelos senhores e os direitos costumeiros decorrentes da ideia de proteção e obediência daquele período.

Comum era a tentativa de domínio sobre o corpo e o comportamento daquelas que eram vistas como criadas. O controle não se limitava ao trabalho, expandindo-se sobre toda a vida pessoal dos escravos e das pessoas libertas. Assim, mesmo ao adquirir a tão difícil liberdade, de algum modo, o liberto estava sob responsabilidade de ex-senhores. De acordo com Sandra Graham, esse poder de intervir na vida de uma doméstica persistiu após a emancipação. Nesse sentido, apesar de ter afrouxado a autoridade senhorial, a abolição não representou uma mudança radical na vida doméstica urbana.

Com outros moldes, persistiram também as ideias de proteção e obediência construídas durante o período escravocrata. Perpassadas pela questão racial e econômica, essas expectativas, que nem sempre foram explícitas, ditaram uma série de direitos costumeiros, obrigações e lugares sociais a cada classe. Enquanto os patrões deveriam prover os cuidados básicos para a subsistência, às domésticas cabiam os deveres de obediência, de gratidão e o respeito ao lugar de subalternidade designado. A quebra desses valores era vista como um perigo a ordem estabelecida.

Tudo isso passou pela minha cabeça ao ler a frase do Paulo Guedes. Considerado o “sensato” e o “racional” do governo Bolsonaro, o Ministro da Economia verbalizou as novas expectativas senhoriais. Um novo que já nasceu velho, diga-se de passagem.

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