Câmara, pra que te quero? (parte 1)

Pedro
Operação Serenata de Amor
4 min readMay 16, 2019

Uma das vocações do Serenata é descobrir inconsistências na cota parlamentar e, então, solicitar informações. Para quem não se lembra, nós já chegamos a fazer 600 pedidos de informação em uma semana. Respaldados pela LAI, pedimos informações para transformar isso em participação popular, a partir da Rosie, do Jarbas e das nossas ferramentas de comunicação.

Há algumas semanas, identificamos alguns reembolsos sem descrições ou com descrições generalistas, como “refeição” ou “almoço”, o que é proibido pelo Ato da Mesa que rege a cota. A existência de reembolsos assim não é nenhum surpresa e nem é raridade. Pegamos 14 deles para questionar.

créditos: Giphy.com

Abre parênteses. Sim, aqui vale fazermos um destaque.

O 3º parágrafo do Art. 4º da norma é categórico quanto a descrições evasivas nos documentos elegíveis a reembolso:

O documento a que se refere o parágrafo anterior deverá estar isento de rasuras, acréscimos, emendas ou entrelinhas, além de datado e discriminado por item de serviço prestado ou material fornecido, não se admitindo generalizações ou abreviaturas que impossibilitem a identificação da despesa.

A sensação que nos dá é de que os reembolsos efetuados pela CEAP são automáticos, sendo o Ato da Mesa um texto acessório. Afinal, qual seria outra justificativa para a Câmara indenizar documentos que vão contra o que está definido pela regra?

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Acreditamos que alguns casos cabem maiores investigações e uma análise profunda, e por vezes até ultrapassam os limites da rápida auditoria humana. O caso das descrições nos recibos não é um deles.

Nesse ponto, podemos observar que esse texto não teria sido escrito se a própria norma, assinada em 2009 pelo presidente da Câmara, fosse cumprida pelos parlamentares.

Fecha parênteses.

Créditos: Giphy.com

Desconsiderando esse pequeno detalhe de descumprimento da norma, acreditamos ser cabível no mínimo solicitar maiores informações sobre os 14 reembolsos com descrições genéricas. Com isso, enviamos um e-mail para a Câmara pedindo esclarecimento em torno da situação.

A Câmara nos respondeu que não cobrava mais os deputados individualmente, como acontecia quando o Serenata nasceu. Deveríamos ir na página oficial de cada um dos deputados no site da Casa e buscar por formas de contato.

Nós somos resilientes. Quem trabalha com transparência precisa ser. E por isso fomos em busca dos contatos. Dos parlamentares mapeados, apenas 8 estão em exercício (já voltamos neles). Então precisamos retomar o contato com a Câmara em busca de informações sobre os ex-parlamentares. E a resposta mais uma vez seguiu os moldes das notas fiscais: completamente evasiva. A Casa nos indicou que no site oficial também há o contato de antigos parlamentares. O problema é que, como não são mais parlamentares em exercício, também não existe mais um contato oficial.

Basicamente, para solicitar informações de ex-deputados, é cada um por si. Se não há e-mail oficial, você escolhe se vai atrás do deputado pessoalmente, procura um conhecido ou recorre às redes sociais. Só não é possível contar com a Câmara. A partir do momento que o deputado não está mais em exercício, não há maneira oficial de questioná-lo a respeito do que foi feito durante o mandato.

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Já falei que somos resilientes? Entramos com recurso. Recebemos a mesma resposta pela segunda vez. Entramos com o segundo recurso e estamos aguardando resposta.

No caso dos deputados com mandato nessa legislatura

Quanto aos deputados que estão em exercício no momento. Nós enviamos e-mails para cada um deles. Até agora, nenhum deles nos respondeu. Nem mesmo para solicitar um tempo para analisar a questão, ou para se justificar. Não houve contato por parte dos deputados.

Alguns dos reembolsos com a descrição generalizada que identificamos

Agora, responda-nos com sinceridade: sabendo que os 8 parlamentares em exercício contactados pelo Serenata não deram nenhum retorno às solicitações, você acredita que aqueles que não estão mais em exercício responderão de alguma forma?

E não só os 8 em questão, mas considerando os 513 deputados. Você acredita que um parlamentar que descumpre o Ato da Mesa de sua Casa, assinado por outros deputados, vai responder ao pedido de um cidadão feito por e-mail?

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Essas duas perguntas são bem fáceis de responder. A pergunta difícil vem agora:

Se não é capaz de fazer cumprir seu próprio Ato da Mesa, nem para ser ponte entre cidadãos e parlamentares, para que serve a administração da Câmara dos Deputados?

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