Câmara, pra que te quero? (parte 1)
Uma das vocações do Serenata é descobrir inconsistências na cota parlamentar e, então, solicitar informações. Para quem não se lembra, nós já chegamos a fazer 600 pedidos de informação em uma semana. Respaldados pela LAI, pedimos informações para transformar isso em participação popular, a partir da Rosie, do Jarbas e das nossas ferramentas de comunicação.
Há algumas semanas, identificamos alguns reembolsos sem descrições ou com descrições generalistas, como “refeição” ou “almoço”, o que é proibido pelo Ato da Mesa que rege a cota. A existência de reembolsos assim não é nenhum surpresa e nem é raridade. Pegamos 14 deles para questionar.
Abre parênteses. Sim, aqui vale fazermos um destaque.
O 3º parágrafo do Art. 4º da norma é categórico quanto a descrições evasivas nos documentos elegíveis a reembolso:
O documento a que se refere o parágrafo anterior deverá estar isento de rasuras, acréscimos, emendas ou entrelinhas, além de datado e discriminado por item de serviço prestado ou material fornecido, não se admitindo generalizações ou abreviaturas que impossibilitem a identificação da despesa.
A sensação que nos dá é de que os reembolsos efetuados pela CEAP são automáticos, sendo o Ato da Mesa um texto acessório. Afinal, qual seria outra justificativa para a Câmara indenizar documentos que vão contra o que está definido pela regra?
Acreditamos que alguns casos cabem maiores investigações e uma análise profunda, e por vezes até ultrapassam os limites da rápida auditoria humana. O caso das descrições nos recibos não é um deles.
Nesse ponto, podemos observar que esse texto não teria sido escrito se a própria norma, assinada em 2009 pelo presidente da Câmara, fosse cumprida pelos parlamentares.
Fecha parênteses.
Desconsiderando esse pequeno detalhe de descumprimento da norma, acreditamos ser cabível no mínimo solicitar maiores informações sobre os 14 reembolsos com descrições genéricas. Com isso, enviamos um e-mail para a Câmara pedindo esclarecimento em torno da situação.
A Câmara nos respondeu que não cobrava mais os deputados individualmente, como acontecia quando o Serenata nasceu. Deveríamos ir na página oficial de cada um dos deputados no site da Casa e buscar por formas de contato.
Nós somos resilientes. Quem trabalha com transparência precisa ser. E por isso fomos em busca dos contatos. Dos parlamentares mapeados, apenas 8 estão em exercício (já voltamos neles). Então precisamos retomar o contato com a Câmara em busca de informações sobre os ex-parlamentares. E a resposta mais uma vez seguiu os moldes das notas fiscais: completamente evasiva. A Casa nos indicou que no site oficial também há o contato de antigos parlamentares. O problema é que, como não são mais parlamentares em exercício, também não existe mais um contato oficial.
Basicamente, para solicitar informações de ex-deputados, é cada um por si. Se não há e-mail oficial, você escolhe se vai atrás do deputado pessoalmente, procura um conhecido ou recorre às redes sociais. Só não é possível contar com a Câmara. A partir do momento que o deputado não está mais em exercício, não há maneira oficial de questioná-lo a respeito do que foi feito durante o mandato.
Já falei que somos resilientes? Entramos com recurso. Recebemos a mesma resposta pela segunda vez. Entramos com o segundo recurso e estamos aguardando resposta.
No caso dos deputados com mandato nessa legislatura
Quanto aos deputados que estão em exercício no momento. Nós enviamos e-mails para cada um deles. Até agora, nenhum deles nos respondeu. Nem mesmo para solicitar um tempo para analisar a questão, ou para se justificar. Não houve contato por parte dos deputados.
Agora, responda-nos com sinceridade: sabendo que os 8 parlamentares em exercício contactados pelo Serenata não deram nenhum retorno às solicitações, você acredita que aqueles que não estão mais em exercício responderão de alguma forma?
E não só os 8 em questão, mas considerando os 513 deputados. Você acredita que um parlamentar que descumpre o Ato da Mesa de sua Casa, assinado por outros deputados, vai responder ao pedido de um cidadão feito por e-mail?
Essas duas perguntas são bem fáceis de responder. A pergunta difícil vem agora:
Se não é capaz de fazer cumprir seu próprio Ato da Mesa, nem para ser ponte entre cidadãos e parlamentares, para que serve a administração da Câmara dos Deputados?