Maio Roxo — relatos de uma enfermidade crônica

Quando se convive com uma doença autoimune, é possível que você tenha que aceitar ter atrelados ao seu corpo plástico, cola e cinta, para sustentar partes desse corpo que estão fora, quando para a maioria das pessoas elas se mantêm dentro. Corpo fora, corpo dentro. Mente fora, mente dentro. Plástico e cinta fora, olhares fora, olhares dentro.

Hoje tem início o Maio Roxo, mês de conscientização sobre as DII — Doenças Inflamatórias Intestinais.

Para quem convive com uma delas, ou qualquer outra enfermidade autoimune, todos os dias são dias de conscientização. De dentro pra fora. Do que o corpo demanda, e a cabeça nem sempre entende. Do que os outros veem, e o “eu” não sabe explicar. Corpo dentro, corpo fora. Mente fora, mente dentro. Olhares. Vida. Fora. E dentro.

Conviver com uma enfermidade autoimune é entender que seu corpo se transforma rápido quando se usa corticóides, por exemplo. Às vezes mais rápido do que seu cérebro acompanha. Essas duas fotos são para mim um exemplo disso, mesmo que não pareça aos olhos dos demais.

E mesmo que as pessoas digam que “você parece ótima”, leva tempo até que você se acostume às suas novas feições. Isso não é pecado, não é errado, não é menos corajoso. É apenas como as coisas são processadas por você.

Eu me aceito como sou e transito por minhas transformações da maneira como elas vêm: com fluidez e respeito, mas também ansiedade e insatisfação. É no dia a dia que vou reconhecendo a nova versão física de mim mesma, e às vezes me assusto com a versão anterior. Ou com a nova. Porque somos complexos dessa maneira. Não há certo, nem errado. Apenas aquilo que se apresenta para mim hoje.

Eu comecei a sentir dores, mas achei que fosse “uma bobagem”. Sanguinho aqui, cólica ali. Demorei quase um mês pra procurar um médico. E diante das informações que passei e dos exames que ele fez na mesma hora, já rolou um diagnóstico. Colite. “Mas talvez seja outra doença inflamatória intestinal. Vamos seguir investigando.”

Fiquei chocada. Achei que não estivesse entendendo o alemão do médico. Tão jovem? Uma doença que dura pra sempre? Sem cura? E será que vai ficar doendo toda hora? Um possível efeito colateral do Roacutan? Oi?
Tive medo. Muito medo. Ia seguir investigando a interferência do Roacutan, mas fui ficando tão doente, que sequer dei conta de olhar com cuidado a relação para processar o laboratório. Atores de Hollywood fizeram isso por mim. Sabia?

Mas quer que eu te diga uma coisa? O dia de um diagnóstico é puro nonsense mesmo. Você está ali “distraída” e tum! Você quer desfazer aquele momento. Eu pelo menos queria. Voltar para o ponto em que não entrei na sala. Quando eu saí do consultório, queria desfazer toda a minha manhã. Voltar. Ter controle (há!). Experimentar meu corpo como ele era há poucos meses daquele dia terrível de neve na janela. Eu que sempre amei o frio.

E foram vários dias anestesiada. O que seria de mim? Por que eu estava vivendo aquela história? Errei muito na vida? (Quantos clichês passearam nessa cabeça, hein?).

Eu estava preocupada com o que eu NÃO PODERIA mais fazer. Com o que o diagnóstico tiraria de mim. Ora ora… pois o diagnóstico era o que eu tinha e a vida continuava ali! E sabe o que é curioso? A gente segue fazendo. Vai trabalhar, se reúne com amigos, fica em casa. Ri. Chora. Comemora aniversários.
Nessa foto? Um camping pós diagnóstico, no meio da dor, de idas doloridas ao banheiro.
Porque um diagnóstico pode te deixar confusa, tonta, perdida, mas a vida está ali, se movendo com você. E o diagnóstico é só uma parte disso. E a doença com a qual se convive é só uma parte da vida, no meio da sua complexidade. Não é?

Jana Viscardi
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4 min
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