O polêmico Caderno Rosa de Hilda Hilst

Por Alex Costa

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3 min readFeb 20, 2018

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Nota do editor: Hoje, nossa seção “Sala de Visitas” recebe Alex Costa e sua experiência de leitura com O Caderno Rosa de Lori Lamby, o segundo texto de nossa série “A Caminho da FLIP”. Alex foi um dos mais lindos encontros que tive na graduação em Letras, na Universidade Estadual do Ceará. Exímio contista, professor, pesquisador em Literatura e amigo, Costa guarda com Hilst a impaciência para cerimônias e pudores e certo talento para posicionamentos polêmicos. Ambos assinam o que escrevem e ambos não podiam faltar ao Ser Linguagem.

O Caderno Rosa de Lory Lamby, Hilda Hilst. Massao Ohno, 1990. 128 p.

❝Eu tenho oito anos. Eu vou contar tudo do jeito que eu sei porque mamãe e papai me falaram para eu contar do jeito que eu sei. E depois eu falo do começo da história❞ (p. 07).

Alex Costa dedicou-se ao estudo da relação entre Literatura, Pornografia e Erotismo ainda na graduação e pontuou vários eventos da área com apresentações que tiveram O Caderno Rosa de Lori Lamby como foco. Imagem: Arquivo pessoal de Alex.

Se eu disser meramente que Hilda Hilst tem uma das mais polêmicas escritas da literatura brasileira, ainda é pouco, quase nada. Imaginem vocês uma mulher que, após se dedicar por quarenta anos a uma escrita “séria” [termo utilizado pela própria escritora], decide se aventurar a escrever erotismo, pornografia, putaria, bandalheira, dentro de um país que sempre reservou à discussão e ao diálogo do corpo e da sexualidade um lugar escuro em uma zona de tolerância. É nesse contexto que a paulista Hilda Hilst se sobressai e nos presenteia, em 1990, com “O Caderno Rosa de Lori Lamby”.

Lori Lamby é, como enfatizado em inúmeras entrevistas por Hilda, uma banana que foi entregue ao mercado editorial brasileiro. Após se dedicar por quarenta anos à escrita do teatro, prosa e poesia, escritos impregnados de metafísica e verborragia, exausta de muito produzir e pouco ser levada a sério (ser lida), Hilda decide lançar, dentro do mercado editorial nacional, uma bomba literária cujos estilhaços ecoam até hoje.

Leitura de trecho d’O Caderno Rosa.

Lori é uma garotinha de oito anos que tem seu corpo prostituído com mediação dos pais e registra todas as suas experiências sexuais em seu mimoso Caderno Rosa, seu modelo de diário pornográfico. Chocante para os dias de hoje, não? Sim. Tente, agora, fechar seus olhos e imaginar a recepção que esta obra teve em plena década de 1990. O discurso de Lori Lamby é, decerto, o aspecto mais impactante da obra. A voz pueril impregna na mente a verossimilhança existente na obra. Costumo comparar Hilda Hilst, autora à qual tenho dedicado parte dos meus estudos em literatura, a Lúcifer ao decidir se rebelar no paraíso. A santa que levantou a saia. É necessário reconhecer que Lori Lamby foi e ainda é um soco no estômago. Ácido, talvez perigoso, mas, sobretudo, corajoso.

Em uma época de censura a exposições em museus, apedrejamento de curadores e má interpretação de obras de arte, Hilda Hilst é a escritora homenageada na maior festa literária do país (FLIP — 2018). No país em que avança um conservadorismo irracional e burro e que não cansa de tentar abocanhar a arte e rasga-la ao meio, Hilda Hilst e a genialidade de sua obra se fazem, acima de tudo, NECESSÁRIAS!

Convido todos a lerem Hilda, nas ruas, no ônibus, no metrô, nos banheiros, anywhere. Não somente Lori Lamby, mas de igual modo “Contos de Escárnio e Textos Grotescos” ou “Cartas de um Sedutor” ou ainda a maravilhosa poesia pornográfica de “Bucólicas”. Se “a cadela do fascismo está sempre no cio”, como disse Brecht, acrescento que “Hilda Hilst e sua obra está sempre engatilhada e pronta para meter”.

Hilda Hilst em seu escritório da Casa do Sol, Campinas-SP, Brasil. Outubro de 1998. Fotografia de Yuri Vieira.

Alex Costa. Natural de Fortaleza/CE. Formado em Letras/Português pela Universidade Estadual do Ceará. Amante fiel da literatura — em especial a brasileira. Apaixonado pelas mulheres das nossas Letras, entre elas, uma em especial: Ana Miranda. Pretensões para o futuro? Terminar o primeiro romance que começou a escrever — enquanto isso, tome-lhe casos e contos! Também participa com colaborações literárias em sites e blogs que oferecem espaço para expor um pouco da arte que tanto ama.

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