A síndrome do desejo arredio [dos homens heteros]
Quando ela quer, ele não quer
Alguns homens que experimentam dificuldades para manter a ereção podem observar algo curioso: que quando a mulher não quer, a ereção vem e, quando ela quer, a ereção ou não aparece ou não se mantém.
O desejo fica parecendo aquele cachorro vira-lata tímido que chega perto quando ninguém dá bola, mas que se assusta quando é chamado. É a síndrome do desejo arredio – que não existe como categoria científica, mas a gente pode botar um nome.
O que acontece nestes casos é que o desejo cede à preocupações que tiram a atenção do quão aquela mulher é atraente, do quanto tal ângulo dela é excitante, do quanto da vontade de fazer isso ou aquilo outro com ela. Diante do desejo manifestado pela mulher, ao invés de chegar o tesão de que agora dá pra aproveitar, chega uma apreensão na forma mais ou menos dessa pergunta: “e se eu não der conta?”. Dar conta do que? Aí varia. Pode ser dar conta de satisfazê-la, de ser homem, de dar no couro. Mas o centro dessas respostas é sempre o mesmo: dar conta de conseguir a tal ereção.
O desejo, em algumas situações, precisa de uma certa passividade e uma receptividade de outro lado – para o sujeito comum, é mais fácil ser espontâneo perto da timidez alheia do que de uma dominância. Para quem tem a síndrome do desejo arredio (será esse um bom nome?), a possibilidade de se excitar com a fêmea ao lado fica mais plena nos momentos em que nada indica que haverá sexo. É quando se pode reconhecer nessa mulher seus movimentos delicados, suas curvas, a maneira como balança quando passa de lá e pra cá, como geme e suspira numa massagem ao fim de um dia e seu cheiro envolvente. E o corpo reage quase sem querer ao reconhece-la desta maneira.
Em algumas circunstâncias, uma singeleza não sexual, mas receptiva, da outra pessoa, pode dar espaço para observar, se acostumar, querer um pouquinho até que o desejo se desenrolar e virar uma excitação que se pode pegar na mão. Não é a toa que uma certa dose de enrolação pode, para algumas pessoas, resultar num aumento de excitação que torna o sexo muito mais prazeroso do que se tivesse acontecido mais depressa. É o tempo em que um corpo fica na presença de outros sem ter que transar. E é isso mesmo, sem ter que transar. Porque quando ainda não houve tempo ou sossego para que a aproximação se torne uma urgência, perde-se a espontaneidade da transa. Aí vira um script externo que torna a ereção uma obrigação.
Porém, não vivemos em um mundo em que espiamos os outros por buracos de fechadura ou pela fresta da janelas. Não vivemos comodamente poupados de lidar com os olhares, reações e vontades alheias, como se estivéssemos absolutamente no controle da própria situação. É necessário, ao lidar com uma mulher disponível, considerar o desejo dela. Mas isso pode ser feito mantendo a dedicação ao próprio desejo. É como em uma negociação: quando se presta atenção só ao que o outro quer, fica-se à mercê; quando se presta só atenção ao que se quer há o risco de cometer indelicadezas; quando se presta atenção ao que se quer e se considera o outro, há uma possibilidade maior de fazer um acordo bom para os dois lados.
Mas, voltando a ereção, ela não é algo que se faz ou que se consegue. O que faz e mantém uma ereção é estar sossegado a ponto de ser convidado pela presença da mulher para deliciar os sentidos e o espírito. E isso exige ser, em algum lugar de si mesmo, o cara que espia a mulher passando, completamente à vontade para sentir o que vier.