Artista, Arquiteto, Carpinteiro e Juiz: os quatro papéis que vão te ajudar a escrever melhor

Marcela Palmieri
SiDi Design
Published in
6 min readMar 22, 2024
Composição pela autora com ilustrações Icons8

Na minha experiência como revisora, vejo que muitas pessoas ficam particularmente preocupadas com a ortografia, a gramática e a pontuação dos seus textos — e talvez isso faça parte de um “terror ortográfico” sofrido nos tempos da escola –, mas acabam descuidando de questões que deveriam anteceder essa preocupação, como argumentação, lógica, estrutura, estilo, coerência e coesão.

Descobri a técnica dos quatro papéis de escrita durante a preparação de uma dinâmica de cocriação de conteúdo que realizei no ano passado junto a uma colega do SiDi. Naquele momento, não foi possível compartilhar essa informação com os participantes da dinâmica, devido ao curto espaço de tempo disponível. Assim, decidi transformar esse conteúdo em um artigo, para servir de apoio a qualquer um que esteja precisando de ajuda para “desbloquear” suas habilidades de escrita.

A técnica dos papéis de escrita ainda é pouco citada em textos em português, mas não é recente. Surgiu em um ensaio de Betty S. Flowers, então professora de inglês na Universidade do Texas, chamado “Madman, Architect, Carpenter, Judge: Roles and the writing process” de 1981, que vem sendo citado em várias publicações desde então. Esta é a introdução desse ensaio:

“Qual é a parte mais difícil de escrever?”, perguntei no primeiro dia de aula.

“É começar”, grunhiu um dos alunos.

“Não, não é começar”, corrigiu uma voz do fundo da sala. “O mais difícil é continuar depois que você começa. Eu sempre consigo escrever uma ou duas frases, mas depois empaco.”

“Por quê?”, questionei.

“Não sei. Eu continuo escrevendo e, de repente, percebo que está horrível e rasgo a folha. Então, eu começo de novo e, duas frases depois, acontece a mesma coisa.”

“Vou sugerir algo que pode lhe ajudar”, respondo. Virando para a lousa, escrevo quatro palavras: “louco”, “arquiteto”, “carpinteiro” e “juiz”. (FLOWERS, 1981)

Acredito que todos já vivenciamos uma situação semelhante a essa dos alunos em algum momento das nossas vidas. A dificuldade de começar a escrever um texto ou de continuar a escrevê-lo. Segundo Betty Flowers, isso acontece porque energias conflitantes estão competindo uma contra a outra durante o seu processo de escrita. E precisamos aprender a canalizar essas energias, ou arquétipos, para nosso benefício.

A seguir, apresento os quatro arquétipos do processo de escrita listados pela professora, com descrições das suas personalidades:

O Louco ou O Artista

Pense num artista com sua mente explodindo de ideias. Ele quer externá-las todas o mais rápido possível, ele não para e pensa se sua obra está ficando boa, ele não olha para trás. Não há método. Ele segue o fluxo da sua energia e se deixa levar pelo entusiasmo ou pela raiva. Ele consegue escrever 20 páginas em uma hora. Ele é criativo, entusiasmado e hiperfocado.

O Arquiteto

Esse personagem vem para criar a estrutura, a base sobre a qual o seu texto vai ser erguido. Ele seleciona as ideias mais relevantes e valiosas do Artista, ele não tem pena de descartar as ideias que não trazem suporte para o objetivo do texto. Ele mapeia os argumentos e pensa a nível do parágrafo, reorganizando os argumentos do Artista para gerar uma base sólida na qual o texto poderá se sustentar. Ele é organizado, coerente e sistemático.

O Carpinteiro

Aqui o trabalho fica mais minucioso. O Carpinteiro vem para serrar, aparafusar e lixar as frases que precisam de ajustes. O seu foco é dentro de cada frase. A frase faz sentido? Ela está clara, coesa e coerente? Ele trabalha para assegurar que uma frase esteja conectada à próxima e que o texto siga uma sequência lógica. Ele é lógico, empenhado e meticuloso.

O Juiz

O último arquétipo da nossa jornada de escrita é o Juiz. Quando chega a sua hora, ele vem para checar todos os detalhes que constroem um texto: ortografia, gramática, pontuação, tom de voz. O Juiz corrige todos esses detalhes conforme for necessário e, além disso, faz uma análise geral do texto e dos argumentos. Às vezes, ele pode assustar um pouco com seus julgamentos. O juiz não tem energia criativa. Ele é analítico, crítico e minucioso.

Dicas

Lembrando do jovem estudante com dificuldades de escrita no exemplo, o que ocorre naquele caso é que o Juiz acabou chegando ao processo de escrita antes da hora devida, que seria somente ao final. Isso é um obstáculo comum para muitas pessoas quando escrevem. A energia crítica do Juiz quer começar a julgar e analisar um texto que sequer teve a oportunidade de ser ideado, estruturado e organizado. Então, lembre-se, não deixe o Juiz chegar à cena antes da hora.

Outro ponto de atenção é que o Artista pode querer voltar ao processo quando seu momento já passou. Se a energia do Artista ressurgir com frequência, você vai querer incluir mais e mais ideias e o seu texto pode ficar muito longo e pouco conciso, ou talvez você nunca consiga terminá-lo. É importante tomar cuidado para que isso tampouco aconteça.

Vestindo os chapéus

Outra dica é pensar nesses quatro arquétipos como chapéus diferentes que podemos usar no nosso processo de escrita, como citou Erin Leosz em 2017 no seu artigo “4 Hats Writers Must Wear”.

A ideia é que você só consegue vestir um chapéu por vez. Então, enquanto você estiver vestindo o chapéu do Arquiteto por exemplo, não poderá vestir nenhum outro. Apenas quando tirar um chapéu, você poderá vestir o próximo. Quando for vestir um chapéu, leia as informações sobre sua energia, suas características e como você deve ser comportar nesse seu novo papel. Quase um jogo de interpretação teatral.

Às vezes, uma energia vem com naturalidade para nós e outras podem ser mais difíceis de interpretar. E essa consciência também te ajudará a identificar quais são os pontos em que você precisa se dedicar mais para melhorar suas habilidades de escrita.

Pessoalmente, se eu tiver tempo para entregar um material escrito, prefiro vestir um chapéu a cada dia, pois isso me ajuda a não misturar as energias. E, além disso, trabalhando em dias diferentes, você chegará ao texto com olhos “frescos” e conseguirá ver alguns detalhes que não teria enxergado antes com os olhos “cansados” de tanto trabalhar no texto.

E o design?

A técnica dos chapéus de escrita pode ser aplicada a qualquer tipo de texto e não se restringe a nenhum gênero textual, ou seja, não é apenas para textos criativos nem somente para textos técnicos.

Então, pensando na aplicação dessa técnica no design, sugiro ao designer ou UX Writer utilizá-la para escrever textos e microtextos para um produto, para moderar dinâmicas de cocriação de conteúdo, para redigir artigos de design, para escrever pesquisas e questionários, entre muitos outros usos possíveis.

Ainda sobre design, podemos encontrar semelhanças entre os papéis de escrita e o Design Thinking, não? Afinal, as quatro etapas que apresentei neste artigo não deixam de representar os passos de ideação, planejamento, construção e avaliação, basicamente.

Imaginando uma interseção entre as duas técnicas, seria como se partíssemos de um ponto em que as fases de pesquisa e definição do Design Thinking estivessem prontas. Então, o Artista faria a ideação, o Arquiteto seria responsável pela definição da solução a ser desenvolvida e planejamento, o Carpinteiro faria o trabalho de wireframing e prototipação, e o Juiz ficaria com testes de usuários e validação.

Sei que estou indo um pouco contra a atual corrente de inteligência artificial, encorajando a escrita de textos “à mão”. É claro que não podemos renegar as ferramentas de IA para textos, cujas diversas aplicações vêm otimizando o trabalho de redatores, revisores e tradutores. Contudo, acredito que a técnica dos quatro papéis pode ser de grande auxílio a pessoas que acabam recorrendo a ferramentas de IA justamente porque sentem dificuldades na escrita.

Espero que você tenha aprendido algo novo com esse texto e me conte aqui nos comentários o que você achou dessa técnica.

Abraços!

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Marcela Palmieri
SiDi Design

UX Writer, translator and all things related to words at SiDi