Boas práticas de pesquisa com crianças

Uma visão geral de como conseguir bons insights ao realizar pesquisa e testes com crianças

Sidclei Sobral
SiDi Design
7 min readJul 12, 2022

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Criança usando um tablet
Photo by Kelly Sikkema on Unsplash

Embora existam diversas ferramentas, metodologias e abordagens para realizar pesquisas com usuários adultos, apenas um subconjunto de técnicas e dinâmicas específicas funcionam melhor com crianças. Apesar de não ser uma abordagem simples, o pesquisador deve adaptar suas atividades de pesquisa e teste às habilidades cognitivas e físicas da faixa etária para a qual está projetando.

De maneira geral, qualquer atividade que envolva interação prática e, que permita que as crianças se expressem em um ambiente confortável, será a melhor abordagem, ao invés da aplicação de questionários e tarefas específicas. Ou seja, quanto mais o pesquisador tiver oportunidade de assistir às crianças brincarem e ouvi-las falar, maior será a chance de o pesquisador estar no caminho certo em seu processo de pesquisa.

A seguir, listaremos algumas boas práticas que podem ajudá-lo durante o processo de pesquisas com crianças:

Recrutamento de crianças

Recrutar os participantes é a parte mais desafiadora de realizar pesquisas com crianças, pois nem sempre os pais são receptivos para que pessoas desconhecidas venham às suas casas e observem seus filhos em suas rotinas diárias. Geralmente eles ficam um pouco mais à vontade com a possibilidade de levar seus filhos a um laboratório para que possam ser observados.

Uma boa alternativa é entrar em contato com escolas e creches locais e explorar a possibilidade de trabalhar com crianças individualmente ou em pequenos grupos, desde que os pais sejam informados e tenham dado a devida autorização.

O pesquisador deve entrar em contato com escolas em diferentes áreas demográficas para ter uma amostra variada de crianças representadas. É interessante que essa amostragem tenha um número equilibrado de meninas e meninos, a menos que você esteja trabalhando em um projeto voltado para um gênero específico.

Termos de consentimento

Os termos de uso de imagem e autorizações são artefatos comuns e fundamentais às pesquisas com adultos e crianças. Como pesquisadores, devemos seguir princípios éticos e diretrizes relacionadas aos cuidados com as informações pessoais dos participantes da pesquisa.

Antes de iniciarmos a pesquisa, precisamos garantir que os pais ou responsáveis legais da criança consintam por escrito em participar da pesquisa.

Em geral, as autorizações consistem em termos de consentimento de participação, cessão de direitos de uso de imagem (mídia diversas) e termo de confidencialidade.

O termo de consentimento, em especial, visa registrar a concordância dos pais ou responsáveis com o tratamento dos dados pessoais em conformidade com o artigo 14, da Lei nº 12.709 — Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

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Tenha uma roteiro das atividades

Assim como os adultos, as crianças gostam de saber o que farão como parte de uma sessão de pesquisa, especialmente se a sessão for individual. Ter esse roteiro bem estruturado das atividades da pesquisa é bom não somente para as crianças, mas também para os pais que se sentirão mais confortáveis em deixar seus filhos participarem.

O pesquisador deve se certificar de explicar quais, como e porque tais atividades serão feitas. Por exemplo: “Hoje vamos ver alguns jogos em um tablet e eu gostaria que você me ajudasse a entender como eles funcionam. Como eu não entendo muito de jogos eu vou fazer perguntas para você, e quando terminarmos vamos encontrar sua mãe/pai.”

Seja honesto com a criança

O pesquisador deve ser claro sobre o objetivo da pesquisa. Assegure-se de que as crianças saibam que não estão sendo testadas, mas que estão ajudando você a melhorar os produtos para elas.

Se estiver em um laboratório, leve-os para um passeio pelas instalações e, se houver observadores assistindo de uma sala de controle, leve-as para conhecê-los. Eles vão adorar e se sentirão muito importantes quando virem que serão observados.

Mantenha a criança ativa

Caso as crianças não consigam realizar uma tarefa ou não respondam a pergunta que você está tentando fazer, passe para a próxima tarefa ou pergunta. Avalie uma outra maneira de obter as informações de que você precisa em vez de pedir que tentem repetir a mesma tarefa.

Uma boa maneira de saber quando seguir em frente é se a criança não conseguir concluir uma tarefa em duas tentativas. Essa é uma quantidade vezes sugerida pela pesquisadora Debra Galvin, no seu livro Design for Kids, portanto, como pesquisador você terá que trabalhar sua percepção para avaliar se uma criança precisa de mais ou menos tempo para realizar uma tarefa.

Manter a criança engajada é uma ótima maneira de o pesquisador conseguir avançar na sessão de pesquisa, garantindo assim que obtenha dados significativos.

Deixe a criança liderar

Numa pesquisa com crianças, o pesquisador precisa que seus participantes verifique se suas hipóteses estão certas ou erradas. Para isso, em vez de atuar como um moderador durante a pesquisa, o pesquisador deve se colocar como um aprendiz.

Não importa em que etapa do processo de pesquisa você esteja — seja realizando uma pesquisa preliminar de um projeto de design ou testando uma interface existente — deixe claro para as crianças que elas estão na liderança e são os verdadeiros especialistas.

Ao fazer perguntas probatórias, certifique-se de que elas sejam abertas e coloquiais, e deixe as crianças sentirem que estão no controle.

Sempre se coloque como um observador interessado quando precisar de esclarecimentos sobre um determinado comportamento, nunca como um facilitador de pesquisa. Dessa forma, você obterá resultados melhores e mais verdadeiros.

O MODELO MESTRE-APRENDIZ

Uma ótima técnica para realizar pesquisas com crianças é o modelo “mestre-aprendiz”. Nessa abordagem, a criança atua como mestre e o pesquisador representa o aprendiz tentando aprender por meio da observação e questionamento. Ao usar este modelo, certifique-se de posicionar seu participante como o especialista no início da sessão. Incentive a criança a ensiná-lo enquanto você assiste e ouve.

Forneça uma conclusão da atividade

Ao realizar testes baseados em tarefas, caso a criança esteja na metade de uma atividade quando a sessão terminar, deixe-a terminar. Se a criança tentou completar uma tarefa duas vezes sem sucesso, mostre-a como fazê-la e depois pergunte como o teste poderia ser mais claro ou mais fácil.

Ao contrário do que acontece com os adultos, as crianças têm dificuldade em aceitar que não desempenhou bem uma atividade, especialmente crianças entre 6 e 8 anos. Lembre-se, fornecer esse encerramento para eles é muito importante.

Recompensa à altura

Ofereça recompensa que seja equivalente à que você ofereceria aos adultos. Por exemplo, se você normalmente pagaria um honorário de R$ 100, dê às crianças um cartão-presente no mesmo valor.

Também é bom oferecer pequenos mimos, como bombons ou chocolates. E sempre se certifique de dar o cartão-presente aos pais, pois as crianças tendem a perdê-los.

Fazer pesquisa com crianças, realmente, é muito desafiador, mas não é impossível. Estar aberto a adaptações dos métodos e estar preparado para improvisar é fundamental para o pesquisador conseguir extrair o máximo de informações importantes do comportamento das crianças.

Sempre leve em conta uma comunicação clara e adequada ao repertório da criança. Uma criança de 8 ou 9 anos, já compreende um vocabulário mais abrangente do que uma de 5 anos, então seja sensato na escolha das palavras e na forma gentil e aberta de se comunicar com elas. Principalmente, na hora de explicar uma determinada tarefa, isso pode definir o sucesso ou fracasso de uma sessão de pesquisa. Ter os pais como seus aliados é fundamental, pois eles lhe ajudarão a conquistar a confiança e ter abertura da criança.

E lembre-se, deixe a criança que há em você se divertir e aproveitar esse momento único com os usuários mais sinceros que você irá encontrar.

Caso você queira saber mais sobre como fazer pesquisas com crianças, aqui vão algumas ótimas referências de conteúdos:

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