Design participativo com crianças

Sidclei Sobral
SiDi Design
Published in
6 min readSep 6, 2023

A inclusão de crianças e jovens no processo de co-design de produtos

Crédito: Unsplash

Muito se fala em co-criação, co-design, co-isso, co-aquilo. Mas o fato é que durante as últimas décadas os designers se tornaram cada vez mais conscientes do valor que a experiência de um usuário, e a participação dele, traz para o processo de design.

Dessa percepção surge, no inicio da década de 1970, o movimento de design participativo do qual se popularizou o termo co-design. Co-projetar ou co-criar com usuários, nada mais é do que a prática da criatividade coletiva aplicada ao longo de um processo de design.

É importante observar que, considerando a amplitude do significado da palavra usuário quando colocado no centro do processo de design participativo, estamos falando de uma diversidade de pessoas, e isso significa que as crianças também estão incluídas nesta abordagem de colaboração.

Nesse artigo, vamos falar especificamente sobre a participação significativa da criança no processo de design.

A criança representa um fragmento da jornada de vida de um usuário, e a sua experiência durante o período da infância é um fator fundamental para sua formação ao longo da vida adulta. Dessa perspectiva, os designers devem perceber que as crianças podem ser vistas como participantes do processo, agregando com conhecimentos e experiências valiosas sobre o seu próprio mundo e ambiente.

Quando estamos falando em inclusão de criança no processo de design, estamos vislumbrando como resultado a entrega de um produto ou serviço, adequado a esse público. Para isso, precisamos discutir a melhor forma de comunicar e incentivar as crianças como parceiras de design, e isso é muito importante para fazer com que o processo de co-design seja benéfico e gratificante para as partes envolvidas.

O direito de participar

Antes de envolver a criança no processo de design participativo, todas as partes envolvidas devem reconhecer que a criança tem o direito de participar e possuir um papel ativo no processo de concepção de um produto ou serviço.

As crianças normalmente são marginalizadas numa sociedade centrada nos adultos; na maioria das vezes, são os adultos que tomam a maioria das decisões pelas crianças e escolhem o que é melhor para elas.

O Co-design com crianças desafia este ponto de vista, optando por ver as crianças como atores sociais importantes, e que por isso tem o direito de participar de forma igualitária do processo de design que decidirá como serão os produtos que elas irão usar.

Desafios inerente a idade

Ao definirmos que as crianças são as especialistas das suas próprias experiências, e que é importante incluí-las nas decisões relativas ao seu próprio modo de vida, estamos também considerando os desafios inerentes aos níveis de desenvolvimento cognitivo de cada faixa etária.

Apesar das crianças serem comunicadoras hábeis, capazes de se expressar de maneiras diferentes, contribuindo e influenciando ativamente o mundo que as rodeia, estamos falando de um mundo regido pelos adultos, onde preconceitos, suposições pré-concebidas e lacunas de poder, se colocam como um grande desafio para trazer as crianças para os processos de tomada de decisão.

Os papéis da criança

Uma criança pode ser incluída num processo de design de muitas maneiras diferentes. Existem ao menos seis maneiras nas quais uma criança pode ser inserida no processo de design, são eles:

1 — Criança como Usuário

Objetivo
Os pesquisadores testam um conceito geral que pode ajudar a descobrir uma tecnologia futura ou fornecer uma melhor compreensão do processo de aprendizagem que pode contribuir para o produto.

Processo

As crianças são observadas, filmadas ou testadas antes e/ou depois do uso do produto.

Resultado
Conhecimento sobre o uso e aprendizagem da tecnologia infantil.

2 — Criança como Testador

Objetivo
Os pesquisadores obtém insights sobre o como as crianças usam determinada tecnologia/produto e, eventualmente, usam os insights para melhorar essa tecnologia.

Processo
Crianças testam protótipos de um produto ou tecnologia específica.

Resultado
Conhecimento sobre usabilidade, utilidade e qualidade experiencial do produto ou tecnologia proposta.

3 — Criança como Consultor

Objetivo
Os pesquisadores obtêm insights para informar o design em vários estágios do processo de design, extraindo e incluindo o conhecimento especializado das crianças.

Processo
As crianças podem ser observadas com a tecnologia/produto existentes ou podem ser solicitadas a contribuir durante todo o processo de design.

Resultado
Conhecimento fornecido pelas crianças que se relaciona diretamente com a tecnologia que está sendo projetada.

4 — Criança como Parceiro

Objetivo
Os pesquisadores dão voz às crianças no processo de design. Crianças e pesquisadores co-projetam produtos ou tecnologias novas e significativas por meio de parceria.

Processo
Crianças e pesquisadores participam de diversas sessões de design com o objetivo comum de projetar novas tecnologias.

Resultado
Empoderamento das crianças, dando-lhes voz no design. Desenvolvimento de tecnologias significativas.

5 — Criança como Co-Pesquisador

Objetivo
Pesquisadores e crianças ganham conhecimento contextual estudando conjuntamente as práticas infantis.

Processo
As crianças contribuem para o design partilhando, reunindo e analisando dados da sua própria prática de utilização.

Resultado
Conhecimento sobre o contexto do design e a possibilidade de incorporar esse conhecimento em novas tecnologias

6 — Criança como Protagonista

Objetivo
Os investigadores incentivam as crianças a serem os principais agentes na condução do processo de design e, assim, a desenvolverem competências para projetar e refletir sobre a tecnologia e o seu papel nas suas vidas.

Processo
As crianças realizam um processo de design completo no qual a reflexão sobre o próprio processo e o produto é um componente central.

Resultado
As crianças têm novos insights sobre design e tecnologia digital e postura reflexiva em relação à tecnologia em suas vidas.

Tais papéis citados acima diferem desde a mera observação até ao trabalho ativo com uma criança. Ao atuar como usuário e testador, a criança deve utilizar e testar novas soluções enquanto os adultos observam e aprendem com suas experiências, dando à criança um papel passivo no processo de design.

Já quando ela é inserida como informante no processo de design, espera-se que a criança contribua em várias fases do processo e, como parceiro de design, ela é considerada um interveniente igual ao designer ao longo de toda a experiência.

Como co-pesquisador há a sobreposição do papel do investigador e o do usuário, permitindo que a criança reúna dados valiosos porque ela compartilha o mesmo contexto (de ser criança) que os participantes de um processo de design.

Como protagonistas: o foco não está apenas em trabalhar em conjunto para um resultado de produto, mas em melhorar a visão, as habilidades de design e as capacidades de pensamento reflexivo dos participantes.

O papel das empresas

A tecnologia digital desempenha um papel cada vez mais formativo na vida de crianças e jovens à medida que vemos o surgimento de novas fronteiras de inovação digital e a extensão contínua da infância em ambientes online.

Esta é uma grande oportunidade para as empresas que queiram criar um impacto positivo para as crianças ao projetarem experiências digitais que coloquem suas necessidades e interesses em primeiro lugar.

Para que as empresas tornem esta oportunidade uma realidade é necessário começar ouvindo e aprendendo com crianças e jovens. Isso deve ser feito de maneira segura, garantindo o respeito aos direitos da criança, bem como promovendo o bem estar das mesmas.

Empresas como LEGO, Toca Boca, Vila Sézamo, entre outras, se destacam pela qualidade dos produtos desenvolvidos de forma assertiva devido ao fato de trazerem as crianças para projetar os produtos junto com seus designers.

Conclusão

O processo de design participativo permite que as crianças sejam envolvidas e tenham uma voz importante no desenvolvimento de novas tecnologias através de parcerias com designers. Tratar as crianças como protagonistas incentiva a reflexão para que elas sejam os principais agentes impulsionadores de todo o processo, independente do papel que elas atuem.

Importante salientar, também, que a colaboração entre crianças e adultos tem aspectos éticos e psicológicos relacionados, e o envolvimento de pais e responsáveis é fundamental para que tudo ocorra de forma transparente para todos os envolvidos. Em muitos casos, os pais também têm papel atuante no processo de co-design, visto que quando se trata de produtos para crianças, os pais ,assim como professores, também são o público-alvo do produto a ser concebido.

Por fim, a participação significativa da criança no processo de desenvolvimento de um produto digital ou serviço é fator fundamental para o sucesso. Assertividade do resultado desse processo é notório, e cabe ao designer abrir espaço para que crianças e jovens possam exercer seu direito de participar ativamente do processo de desenvolvimento de produtos e serviços destinados às mesmas.

Referências

Kids Included — https://www.kidsincluded.report/
Children’s Design Right —
https://childrensdesignguide.org/
Engaging Children Cross Culturally in the Design of Products —
https://www.kidsincluded.report/prof-amanda-third
Child Participation Through Culture, Co-creation and Inspiring Change —
https://www.kidsincluded.report/the-lego-group
Designing apps for young kids —
https://uxdesign.cc/designing-apps-for-young-kids-part-1-ff54c46c773b

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