Se um usuário do Bixby em uma noite de inverno: a literatura de um assistente virtual (parte 3)

Renan A F Bolognin
SiDi NLP
Published in
5 min readJan 4, 2023

Bem-vindas e bem-vindos de volta!

Essa semana vamos conhecer ou relembrar algumas literaturas produzidas no ambiente digital e começaremos a estabelecer uma ponte sobre funcionalidades que pode(riam) ampliar o contato do usuário com a função literária do Bixby Chat.

Antes de tudo, escolha uma lugar bem confortável para se sentar na biblioteca com seu celular, tablet ou computador. Tá bom?

Prontas e prontos?

Vamos lá?

Alguns (hiper)textos literários digitais

A interação padrão de solicitar histórias é uma diferença particular da “interatividade” promovida por essa, chamemos, função literária Bixbyana em relação com outros (hiper)textos literários digitais. Para isso, lembremos alguns. O primeiro deles é uma caixa de fósforos interativa chamada “Dois palitos”, de Samir Mesquita (2008), na qual o leitor escolhia um fósforo que queimava até um tempo determinado para a leitura de um miniconto:

Figura 4: Dois palitos.

Fonte: Samir Mesquita (2008).

Curiosamente, a série de minicontos de Samir Mesquita prossegue com alguns exemplos disponíveis apenas no Observatório da literatura digital brasileira, que elenca alguns vídeos disponíveis no Youtube ou printscreens de publicações literárias digitais. Esse acesso restrito a grande parte dessa esfera de produção literária brasileira contemporânea deve-se à não compatibilidade do aplicativo Java com os navegadores atuais, uma perda inestimável de acesso a alguns desses dispositivos literários.

Outro site que está fora do ar (e, nesse caso, talvez por motivos judiciais) é YoBorges. Surgido de uma polêmica entre o escritor Pablo Katchadjian e a detentora da obra intelectual de Jorge Luis Borges, a viúva Maria Kodama, o usuário pode escrever diferentes poemas borgeanos misturando seus versos originais no site. Utilizando as técnicas de remix e colagem, o usuário do site descanoniza a estrutura clássica dos poemas de Borges como os conhecemos. Segundo Rejane Cristina Rocha (2018), o entrevero de Katchadjian com Kodama surgiu da inserção de palavras (ou da reescrita) no conto “Aleph”, de Borges, o que, para a viúva do escritor, configuraria plágio. O site abaixo, reiteramos indisponível atualmente, corresponde a um exercício de resistência ao processo jurídico que muitos críticos e artistas consideraram desnecessário:

Figura 5: #YoBorges (2015).

Fonte: Apoyo a Pablo Katchadjian. Facebook.

Há dispositivos literários digitais que permanecem nas redes devido à escolha de outros aparatos nos quais seus autores decidiram repousá-los. Como exemplo, temos os minicontos coloridos, organizado por Marcelo Spalding, em 2013. Nesse site interativo, o usuário é apresentado a uma estrutura aleatória de leitura da qual advém textos de diversos autores a partir da seleção de porcentagens distintas das cores vermelha, verde e azul com a singela orientação para o leitor pintar seu miniconto:

Figura 6: Minicontos coloridos.

Fonte: SPALDING (Org), 2013.

Outra escrita digital amparada em um meio digital estável é De onde vieram os homens com quem dormi, de Julia Debassi (2015). Nessa escrita, a autora marcou diversos pontos no Google maps e escreveu a respeito de suas histórias amorosas (fictícias?) vividas em diferentes lugares do globo.

Figura 7: De onde vieram os homens com quem dormi.

Fonte: DEBASSI, 2015.

Somadas a essas produções digitais, há inúmeras outras que atestam a importância da escrita e da produção literária digital no tempo presente. Sua complexidade reside na problemática de aplicativos que suportem sua criação, divulgação e reprodutibilidade. Ainda que em um contexto com tantas outras motivações e distrações como a internet, é, no mínimo, curioso como a necessidade de ler, relacionar-se com e contar histórias permanece uma característica humana indelével e que, para isso, autoras e autores utilizem a potencialidade do suporte digital para escrever textos.

Carmem Sílvia Félix (2022) salienta que esses dispositivos possuem uma heterogeneidade de formas e gêneros com as quais é difícil desentranhar de maneira clara e pertinente qual é a sua pedra angular (se é que ela existe). No entanto, não é difícil notar como o Bixby, com suas histórias, minicontos, poemas, raps e etc. pode ser um repositório em que a literatura digital (brasileira, também, e de autoria, aparentemente, anônima) poderia ser depositada.

Parece menos complicado atestar a importância que essa função “literária” do Bixby poderia implicar se houvesse uma abertura para outras autoras e outros autores publicarem nessa plataforma. Isto é, a possibilidade de lidar com diferentes técnicas de circulação, edição, formatação e interação de textos no Bixby seria um modo eficaz de associar mais leitoras e leitores ao assistente não apenas com textos pré-programados, como também convertê-lo em um espaço de sociabilidade e produção literária digital. Recuperando o título do artigo de Rejane Cristina Rocha (2018), que, por sua vez, alude a uma frase de defesa de Pablo Katchadjian a respeito de sua própria obra, haveria, desse modo, um incentivo à escrita de mais “Textos que dão voltas por aí” narrados e/ou lidos nessa função apaixonante dos celulares Samsung.

Como possibilidade para a edição textual — e chamemos também de escrita interativa –, recupero na seção seguinte conceitos estruturais do Discurso da narrativa, de Gérard Genette (1965), com o fito de elaborar alguns caminhos possíveis para a escritora e/ou o escritor do Bixby elaborar seus textos a partir da ordem do texto narrativo, sua frequência, duração, ponto de vista e narrador de modo a, se for demasiadamente problemático, não depender de informações pessoais do usuário para a elaboração de narrativas pelo Bixby, mas oferecer alguns mecanismos para que o leitor se converta em autor.

Portanto, na semana que vem sugerirei algumas possibilidades de ampliação da Bixby Chat apoiado na (e também expansão da) interatividade do usuário leitor de texto de textos literários digitais.

Portanto, na próxima semana teremos o derradeiro capítulo final do folhetim “Se um usuário do Bixby em uma noite de inverno… A literatura de um assistente virtual”. Não perca!

E, se quiser ler os capítulos anteriores, clique nos links abaixo:

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Renan A F Bolognin
SiDi NLP
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Tradutor técnico de Lingua Espanhola do SiDi Campinas.