April-May Lifestyle Update

por Mathias Stenders

Revista Siesta
SIESTA
11 min readMay 26, 2021

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L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E

A new newsletter! The concept is simple, even if the allure is not immediately self-evident: I send this newsletter to readers, who read it, and hopefully something comes out of it.

Olá e bem vindos a mais um NEWSLETTER!

Passei a maior parte dos últimos anos engajado em me tornar um cientista político. A troco de que, eu não sei, mas pelo menos agora me sinto mais erudito — e me atrevo a usar mocassins Gucci mesmo quando não é “casual Friday”. Agradeço a paciência dos leitores e os convido para mais uma edição de LIFESTYLE UPDATE.

Relax and join us! I’ll be your guide, your host, yours truly, eure Wenigkeit.

Piano Play

Um olhar resumido sobre a página da Wikipedia dedicada a Dieter Meier retorna (em inglês, pois a tradução não diz jus) os seguintes dizeres:

“Meier was born in Zürich. He started studying law at university but dropped out without a degree. After that he worked at a bank and as a professional gambler. Thanks to his father, who rose from poor origin to become a successful private banker, Meier was already a millionaire.”

E eu vou fazer o quê com isso? Você se pergunta, com razão. O fato é que além de advogado fracassado, banqueiro levemente diletante, apostador profissional, artista conceitual moderno e produtor de música eletrônica, Meier era apaixonado pela Argentina, e criou um label de produtos do cone-sul importados pro gosto suíço (destropicalizados?) que virou “staple” da minha alimentação diária. (Disclaimer: durante minha carreira, também trabalhei como advogado fracassado, banqueiro diletante e — em certa medida — apostador profissional¹))

Ponderava esses temas numa quarta-feira à noite enquanto fumava um cigarro eletrônico de qualidade duvidosa (mais sobre isso adiante) e chacoalhava o esqueleto ao som de Taj Mahal do Jorge Ben na versão acústica ao vivo. Mais ou menos um mês atrás eu tinha jogado meu laptop pela janela e exclamado “foda-se!”, marcando uma passagem para o Brasil e dizendo a mim mesmo “vocês vão é tudo tomar no cu mesmo, bando de chato do caralho, nunca se viu!”, adicionando “frio da porra nesse país eu vou é tomar caipirinha na praia e se disser que não é pra ir eu vou é duas vezes $#”cobra#$$bomba£!”, de forma que estava em quarentena mandatória por ter retornado do grande “país de risco”.

Como tudo na vida, valeu a pena. O que a quarentena foi de chata a viagem compensou por ser legal. Bom rever a família e poder constatar que continua tudo lá, daquele jeito. Além de tudo eu tinha encomendado duas caixas de PURO Malbec de Dieter Meier pra que chegassem enquanto estivesse isolado e os dias confinados me trouxeram à memória boas anedotas.

“Tem um fumo elétrico aí, Vic?”, perguntei, quando percebi que a situação já estava insustentável fazia uns 40 minutos. O prato não vinha e do jeito que a coisa caminhava, eu era forçado a pedir a próxima caipirinha logo na primeira bicada daquela que chegava, tamanha a qualidade do serviço. Eu já estava na quarta ou quinta e o timing da coisa não melhorava, ou seja: aquilo não podia acabar bem.

Respirei fundo e tentei me situar. Camburi, litoral norte de São Paulo, 29 graus de temperatura e umidade lá na casa do caralho. Perguntamos ao garçom qual seria o esquema da noite visto que, dadas as restrições, restaurantes só podiam servir até um certo horário, o que fazia a logística do pedido um pouco mais complicada²). “Se saí o decreto a gente tem que fechá às oito”, ele respondeu, às oito e quarenta. Ritmo de praia é outra pegada.

Um tema bastante presente no meu dia-a-dia é a dificuldade em explicar pra europeu — principalmente os de tendência mais intelectual de meia-boca (80% da população habitante nos centros urbanos) — que o Brasil não virou país de risco logo de repente. O Brasil é a casa do risco, de certa forma é pra isso que ele existe. Se uns portugueses de habilidade de navegação duvidosa e aspirações levemente egomaníacas não tivessem tomado risco, o lugar nem teria sido descoberto. Quando o risco toma umas a mais e resolve apostar tudo na roleta, ele vai pro Brasil. É importante lembrar disso de vez em quando.

Em termos epistemológicos, a grande constante do universo é a segunda lei da termodinâmica. A entropia — deixada por conta própria — trata-se de devolver o mundo ao caos. Com o passar do tempo tudo decai, nada é pra sempre. Essa é a verdadeira essência do mundo. A única coisa da qual podemos ter certeza absoluta.

Curiosamente, seres vivos parecem contrariar essa tendência. Em termos utilitaristas, a função da vida é equilibrar a tendência destrutiva da entropia com a energia criativa inerente em todos nós.

O sinal que informa onde esse equilíbrio se encontra é a volatilidade. Muita bagunça é estressante, e convida os atores do sistema volátil a criarem ordem — muitas vezes resultando em inovações que beneficiam gerações e gerações lá na frente. Muita calma leva a complacência, enrijecendo as instituições presentes e encurtando o horizonte temporal de planejamento dos atores até que qualquer choque (previsível) derrube tudo de volta à bagunça.

Em termos mais metafísicos, é no caos onde se escondem as chances e é dessas que derivam-se os riscos. A ordem é importante e o contexto também. Um vem do outro e o outro não existe sem o um. O arquétipo do herói, tanto na mitologia quanto na vida real, se refere àquele que enfrenta o caos e dele extrai seus frutos — de certa forma aquele que cria a ordem a partir do caos — usando seu julgamento e coragem para avaliar as oportunidades e perigos que se apresentam sobre cada decisão. É a luta contra o dragão (caos) que exige coragem e sacrifício, mas oferece ao herói a recompensa do tesouro com a vitória lá no fim (ordem).

E é assim mesmo que tem que ser! Não existe vida sem risco. Só não bate o carro quem não dirige, etc. A clássica crítica talebiana com respeito à modernidade (e ele critica várias coisas) se refere justamente ao ímpeto burocrata de querer modelar e eliminar a volatilidade inerente em todo e qualquer sistema, esquecendo que volatilidade não é risco e que risco não se elimina, no máximo se esconde (por um tempo).

Na mitologia Grega, Procusto era um cara que vivia na serra de Elêusis, uma cidade de peregrinação. Na sua casa ele tinha uma cama de ferro e convidava os viajantes que passavam por lá que se deitassem, o que muitos faziam já que vinham de longe e estavam cansados da viagem. Se os hóspedes fossem altos, Procrusto amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama. Os que eram baixos eram esticados até atingirem o comprimento certo. Num ato de filhadaputagem enorme, Procrusto mantinha duas camas de tamanhos diferentes, assim uma vítima nunca se ajustava exatamente ao tamanho da cama.

O que eu quero dizer com isso (sempre uma boa pergunta a se fazer) é que a realidade nunca se adequa aos nossos modelos. E, nos raros casos em que entendemos algo com certa convicção, aparece um chato com cama de tamanho diferente para avaliar nossas decisões. Desse jeito, se não pararmos pra pensar, estaremos sempre fazendo uma gambiarra atrás da outra pra que a realidade caiba dentro de algum ideal platônico, esquecendo o risco (na verdade, a certeza) da própria gambiarra explodir lá na frente.

E explode! A cada dez anos temos uma crise financeira, a cada cem uma sanitária, e por aí vai. A periodicidade dos apocalipses serve como indício de que falamos de (epi-)fenômenos ao menos em parte causados por comportamento humano³) no nosso ímpeto de tentar eliminar qualquer grau de incerteza (volatilidade) da vida. O que acontece, no fundo, é que eliminando a volatilidade nós eliminamos o sinal que nos guia ao equilibrio entre caos e ordem. Fechamos os olhos diante de algo que não queremos ver e fingimos não estar mais lá, só pra ter que lidar com o problema (que via de regra cresceu) lá na frente.

Isso em nível macro, no micro eu pelo menos vivo uma crise por semana… E era uma dessas que eu vivia quando virava caipirinha atrás de caipirinha esperando a comida na praia. Estava sendo Procrusto. No meu ideal platônico um jantar não dura mais que uma hora e meia. Passei muito tempo na Suíça apolínea e esqueci que o Brasil é terra de Dionísio. Por sorte, a Vic tinha ali um fumo elétrico, sabor Berries, e ficamos baforando enquanto o peixe não vinha. Lembrei que não estou no controle da realidade e que essa é a beleza da coisa. No fim das contas, esse é o único jeito de se fazer filosofia, vivendo a vida.

E o único jeito de viver a vida é tomando risco.

Conga Play

Segundo as vedas, Kali Yuga é a última das quatro etapas (yugas) que o mundo atravessa. Seu ponto de início e sua duração têm dado origem a diferentes avaliações e interpretações. De acordo com a mais conhecida, o Siddhanta Surya, Kali Yuga começou à meia-noite em 18 de fevereiro de 3102 antes de Cristo, considerada a data em que Krishna deixou a Terra. Cada yuga dura mais ou menos 430 mil anos.

Kali Yuga está associado ao demônio Kali. Basicamente, durante essa época a humanidade perde contato com três dos quatro princípios védicos, levando ao fim do mundo por caminhos de crescente degradação moral e espiritual. O hinduísmo muitas vezes representa a moralidade (dharma) como um touro⁴). Na Satya Yuga (melhor era), o touro tem quatro pernas (os quatro princípios védicos de não violência, austeridade, veracidade e limpeza), mas ao passar de cada era uma dessas pernas é cortada. Em Kali Yuga (pior era) sobra somente a perna da veracidade, resguardada pelas escrituras e pelos gurus que conseguem se manter fidedignos.

Aqui algumas das coisas que acontecem em Kali Yuga:

  • Avareza e ira serão comuns. Os humanos demonstrarão abertamente animosidade uns com os outros.
  • Religião, veracidade, limpeza, tolerância, misericórdia, força física e memória diminuem a cada dia que passa.
  • As pessoas terão pensamentos de assassinato sem justificativa e não verão nada de errado nisso.
  • A luxúria será vista como socialmente aceitável e a relação sexual será vista como o requisito central da vida.
  • O pecado aumentará exponencialmente, enquanto a virtude enfraquecerá e deixará de florescer.
  • As pessoas ficarão viciadas em drogas e bebidas intoxicantes.
  • Todos os seres humanos se declararão como deuses ou bênçãos dadas pelos deuses e farão disso um negócio em vez de ensinamentos.
  • As pessoas não vão mais se casar e vão viver umas com as outras apenas para o prazer sexual.
  • O clima e o ambiente irão degradar-se com o tempo e ocorrerão chuvas frequentes e imprevisíveis.
  • Terremotos serão comuns.
  • Muitas ideologias falsas se espalharão pelo mundo.
  • As pessoas poderosas irão dominar as pessoas pobres.
  • Muitas doenças se espalharão.

A maioria dos intérpretes das escrituras hindus, tais como Prabhupada e esse redator de Newsletter, acreditam que a Terra está atualmente em Kali Yuga.

Até aí, tudo bem. Eu não escolheria viver a minha vida durante o fim dos tempos, mas é o que temos. O que me incomoda de verdade é que de repente todo mundo ficou chato pra caralho. Não pode isso, não pode aquilo. É para o bem de todos. Jean-Jacques Rousseau já disse “o homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se accorentado”. Alexis de Tocqueville completou “as pessoas são tão apaixonadas pela igualdade que preferem ser iguais na escravidão do que desiguais na liberdade”.

A minha intuição sempre foi que o ímpeto de querer mandar nos outros resulta de profunda carência, uma falta geralmente ocasionada porque ninguém nunca convida essas pessoas pra festa nenhuma, afinal são pessoas chatas pra caralho. A língua alemã inclusive tem uma palavra pra descrever esse tipo de gente (que constitui 100% de sua classe politica): Spassbremse.

Não só a chatice, mas no fundo a covardia também é difícil de testemunhar. A cada dia eu fico mais John Galt das idéias; dentro de uns meses aloquei 90% do meu portfólio em cripto, terras e diversas commodities. Também deixei de buscar contato com muita gente.

Por sorte o Purana de Brahma Vaivarta menciona que durante os primeiros dez mil anos de Kali Yuga, yogis bhakti ainda estarão por aí, oferecendo ajuda e salvação àqueles levando uma vida regrada por valores e ideais ao meio da grande era de decadência.

Foi um desses que nos convidou pra uma festa clandestina lá pro meio de Janeiro, quando as noites eram tão longas quanto as pessoas eram insuportáveis. Ok, talvez não foi um yogi bhakti, mas sim minha ex-chefe e hoje boa amiga iraniana que nos convidou, mas, ainda assim, eu vi o convite mais como emanação metafísica de uma ordem universal esquecida do que simples ato de desobediência civil. O newsletter é meu e eu conto como eu quiser.

O meu maior medo não era ser pego mas sim ser pego e sair no jormal (aparecer na Record, como diz minha irmã). “JOVEM EGOCÊNTRICO ARRISCA SAÚDE DA COMUNIDADE PARA IR TOMAR VINHO”. Se fosse o caso, já tinha preparado meu statement para a mídia, que colocassem embaixo da minha foto sorrindo: “se um crime é punido somente por multa, trata-se de uma lei que só se aplica aos pobres”. No fim, uma pena não ter acontecido nada, com certeza essa teria caído bem.

Batemos na porta, que se abriu devagar em uma fresta, e ouvimos “qual é a senha?”. Entramos rindo, nos livrando dos casacos e dos presentes (era festa de aniversário), e cumprimentamos os outros três casais que estavam lá. Um dos convidados contava sobre seu projeto de livro enquanto sua mulher explicava que eles moravam entre a Holanda e Suíça, mesmo o seu marido sendo americano e ela espanhola, “we kind of ended up in this life but it’s fun!”. Mais tarde discutimos sobre escrita cuneiforme na antiga Suméria e as diferenças entre certas classes de alucinógenos.

A noite terminou quando ouvimos a campainha e gritos lá fora dizendo “POLÍCIA!”. Eram só os vizinhos sendo engraçados (e querendo se juntar à festa), mas decidimos ir mesmo assim, tinha sido uma noite agradável.

Então é isso aí, minha gente, grande abraço e até a próxima, na Siesta!

Mathias

L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E L I F E S T Y L E

1) Contratos futuros de gás natural e instrumentos de hedge lastreados em criptomoedas. Nunca tive estômago pra cavalo ou baralho.

2) “Desce doze caipirinhas e seis porções de lula”… “e um engradado de original!”

3) O fato de que o mundo nunca acaba depois desses apocalipses também.

4) Pois é! Touro!

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