Editorial: a melhor parte é o miolo

Revista Siesta
SIESTA
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4 min readMay 26, 2021
Imagem: Oliver Maag

Nossas leitoras e nossos leitores que nos desculpem,

mas nos rendemos ao instinto simiesco de abrir para ver o que tem dentro. Sucumbimos à tentação quase lasciva de revirar os miolos, nem que seja apenas para sentir a papa molenga entre os dedos.

É evidente que, como nas edições prévias, o papo aqui é cabeça. Mas julgamos pertinente avisar o navegante da conotação mais literal que a expressão assume na presente edição.

Permitam-nos, portanto, que ilustremos o caso com um episódio secundário dos anais da música erudita: Vossas senhorias sabiam que o célebre compositor Joseph Haydn teve o seu túmulo violado e a sua cabeça furtada? E não por reles meliantes inescrupulosos, mas por homens da ciência? Na justa inquirição pela natureza do parafuso a mais na engrenagem do gênio musical que o diferenciava do resto da humanidade, queriam saber se havia relação entre a forma do crânio e do cérebro do senhor Haydn, com o seu caráter e a sua capacidade intelectual…

A (pseudo)ciência da frenologia (à qual eram adeptos) diz que sim, a medicina moderna, por outro lado, que não. Sendo assim, nos resta apenas botar a mão na massa (encefálica), pois o conhecimento só pode ser derivado da experiência.

Começando pela aventura gastronômica do nosso enviado especial André Silva, que do coração do Oeste Paulista nos traz a receita de miolos bovinos guardada até hoje a sete chaves pela sua avó, dona Olinda. André, para o deleite de todo bom gourmand, resgata este mimo ao paladar que ficou por décadas sob o radar da “Haute Cuisine” e dos órgãos de fiscalização.

Seguimos com Gaspar Sardinha, que abandona a sua zona de conforto, o boteco, para lançar-se no trabalho de campo. Deixa, por hora, de lado a média pingada e o papo furado para olhar no fundo da bacia das almas onde tantos de nós boiamos nestes tempos de penúria. Nesse Boteco Literário, o assunto é o desemprego. Nosso literato arregaça as mangas e, fazendo da caneta o seu bisturi, opera um corte transversal na cachola do trabalhador que perdeu a sua fonte de sustento e analisa os abismos de sua psique.

Passamos, então, do lado do trabalho para o lado do capital. Já de volta em Zurique, mas ainda bronzeado das férias em Punta Cana, Mathias Stenders, na sua coluna de Lifestyle, nos prescreve um vinho Chablis gelado, desobediência civil e um reader’s digest de escrituras da filosofia hindu para enfrentarmos mais essa crise. “Mens sana in corpore sano e um Tesla na garagem” é o seu mantra.

Mas há naturalmente aqueles que não lidam tão bem com os pepinos e abacaxis da vida. Se no dia-a-dia podemos facilmente verificar que há entre nós tanto os que tiram maior proveito da inteligência com o qual a natureza os dotou, quanto os que tendem a negligenciar o parecer da razão, Lucas Wertheimer nos lembra de um terceiro grupo que optou por dar outro fim aos seus miolos: digo, estourá-los. O nosso repórter de cemitérios nos guia por entre os crucifixos custeados pelo estado do cemitério dos suicidas na cidade de Viena.

Da valsa vienense passamos para o embalo de um sertanejo romântico. Jotapê Jorge narra em “Canarinho e Tiziu” a comovente história de dois irmãos e parceiros musicais, que seguindo a miragem traiçoeira da fama e do sucesso, trocam Goiás pela ZL de São Paulo. Mais do que um “Road to Fame” tupiniquim, o conto de Jotapê fala de laços fraternos e de como o antagônico, tratando-se da razão e do coração, se complementa.

O caminho inverso é tomado pelo herói de nossos tempos, Alfredo, que abandona a megalópole, seus 20 milhões de habitantes e o seu único amigo, para seguir sua carreira na Baixada Santista. A saga continua e Alf terá que se virar na terra de Chorão e Champignon. Como reagirá a sua mente, submetida ao Skate Punk e à maresia? Fique sabendo, no terceiro episódio do romance de folhetim Alfredo.

Para contrabalancear tanto papo cabeça, tanto impulso nervoso entre neurônios e tão poucas batidas de corações apaixonados, a prosa sensual de José Cão vem como um manifesto contra a racionalização da vida. Em “Cinzas do Sol”, não é o cérebro, mas outro órgão que guia o protagonista na corda bamba de uma relação intensa. Os demais ingredientes são calor, praia, bumbuns perfeitos e abdomens bem definidos, tudo oleoso de bronzeador desfilando na alta temporada do litoral norte paulista.

E com tantas novidades, não podemos deixar de anunciar a maior delas. Pois é com orgulho que contamos de agora em diante em nosso plantel com ninguém menos que o designer gráfico Oliver Maag. Com mais de uma década de estrada, Oli traz na bagagem muito traquejo e muita manha para dar vida aos nossos sonhos, pelo mais desmiolados que sejam. Assumiu, ao lado de André Silva, a coordenação do conceito visual desta revista. Os trabalhos da dupla ilustram e dão lustre aos nossos textos.

Desejamos, enfim, que desfrutem do conteúdo Siesta.

Para que roer a casca dura, se a melhor parte é o miolo?

– Marlon Silveyra Telles

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