Fortuna crítica: Saulo Xupinsky

Revista Siesta
SIESTA
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2 min readFeb 15, 2021
O poeta em sua maturidade, imortalizado nas tintas de Ítalo Severo

Saulo Xupinsky é um poeta catarinense de Florianópolis, conterrâneo de Cruz e Souza e com um legado comparável ao do Cisne Negro. Afirmação temerária para a maioria dos poetas contemporâneos e ainda vivos, todavia não exprime um exagero no caso do autor de criações discretas e traduções de estados de espírito fronteiriços.

Com um legado de frutos tão heterogêneos quanto o poema “Tarde triste rubi”, a canção “O Meu Boi Morreu, Parte 2” e a frase “quem se define, se limita”, Xupinsky ultimamente tem tido seu valor merecidamente reconhecido na academia após décadas “sob o radar”, e merece ter alguns camafeus inéditos mais recentes de sua lírica eletrizante e neoconcreta reproduzidos nesta seção. Em sequência, apresentamos sua cronologia literária brevemente revista.

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manhã vaporosa

manhã vaporosa, bandeira a meio-pau

a fim de ti, não nego

neste finde eu te finco o prego

eca buloso

se não passo já no banheiro

acabo louca

toda suja, calou a boca

caverna do eco

– ninfa da caverna,

nasci para ser “mãe de planta”?

– anta, anta

*

Xupinsky ganhou notabilidade ainda jovem, em 1966, pela publicação do controverso artigo “Co-côncretismo” no Jornal do Brasil, violentamente atacado por Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Colaborou com diversas revistas de vanguarda, como Malagueta!, Lusko-Fusko e Qaqareqo pelos anos seguintes, até o lançamento da revolucionária prosa experimental de Queijos & Vinhos, em 1979.

Sem sucesso comercial e com modesta aclamação de crítica, Xupinsky passou a dedicar-se exclusivamente à produção lírica. A linguagem inicialmente livre e iconoclasta da duologia Niño e O-vô, tocada também pela subcultura punk, dá lugar a um estilo cada vez mais minimalista e formalista, largamente influenciado pelos haicais japoneses.

Com efeito, é difícil ignorar que Xupinsky tornou-se sinônimo da capacidade de articular irreverência e consistência sintética após a publicação de Murmúrios. A linguagem informal e o humor refinado passam a conviver com o formalismo com rara harmonia em sua obra madura.

Nos anos 90, o ciclo de biografias formato ensaístico Feras (Fernando Scherer, Idi Amin Dada, Teófilo Dias, Shoko Asahara) marca o revigorante retorno do autor ao campo da prosa — dessa vez com o reconhecimento do Prêmio Cacau de Literatura.

Seja na prosa ou na poesia, Saulo Xupinsky decodifica minimamente o que mais fundo cala nos pequenos fenômenos do ambiente.

Clarita Negrão é Mestra em Literatura Comparada pela Universidade do Mercosul e especialista em Comunicação e Semiótica. Atua como crítica literária residente de Siesta.

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