Pensei hoje no Andy Manndorff

Revista Siesta
SIESTA
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2 min readDec 26, 2020

Original em branco e preto, a seção de anedotas da revista Siesta. Episódio 1.

Pensei hoje no Andy Manndorff. Um violonista, amigo de um amigo meu. Cheguei a conversar com ele algumas vezes. Lembro, que em uma das noites regadas a cerveja, discutimos sobre os Rolling Stones. Em dado momento, divergiram-se nossas opiniões e ele me disse que eu era muito novo para entender do assunto. Me pareceu aquilo um argumento de merda. Lá pela mesma época, ele lançou seu novo álbum. Ouvi e achei bom. O parabenizei pelo trabalho e ele me agradeceu. Imagino que estivesse passando por um momento feliz em sua vida. A divulgação do CD, ao menos aqui no bairro, tinha sido boa. Em vitrines, em bares e cafés, o seu rosto com o característico nariz aquilino estampado sobre o fundo preto do cartaz. Sua agenda de shows estava relativamente agitada, amigos e companheiros quando o encontravam lhe dirigiam palavras gentis, elogiando a sua música e era casado com uma sueca muito bonita, uns vinte anos mais nova.

Num domingo, dia em que Andy não falhava em dar as caras no Kafka, eu o vi entrar no estabelecimento, encontrar por entre as mesas o caminho até o balcão e cumprimentar uma mão cheia de conhecidos. Tomei um gole do café e quando olhou para o meu lado, acenei. Ele me viu e me ignorou, o filho da mãe.

Passaram-se algumas semanas e numa tarde ensolarada, descendo a Windmühlgasse ao lado da minha namorada, dei com o Andy vindo da direção oposta. Quando apenas alguns passos nos separavam, ele me cumprimentou, balbuciando qualquer coisa. Fingi estar absorto em uma conversa e não o notar. Talvez tenha sido exagerada a retaliação. Mais adiante, virando a esquina, senti uma ponta de remorso. Mas agora já não tenho como reparar esta desfeita. Encontrei outro dia o nosso amigo em comum e aturdido ele me disse: — cara, sabe o Andy Manndorff? Ele morreu.

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