Portais
Original em branco e preto, a seção de anedotas da revista Siesta. Episódio 3.
Já faz uns cinco anos… Saímos num segundo encontro num bar com um videogame em cada mesa. O primeiro encontro, via aplicativo, tinha tido companhia de amigos dela 90% do tempo, mas acabou rendendo uns beijinhos ao fim.
Esse segundo foi árido. Ela tinha uma bela bocona vermelha, gosto por pintar quadros e era muito viva, mas as conversas não tinham engate e eu fiz uma caricatura dantesca dela num guardanapo e cometi o erro de lhe mostrar. Saímos para fumar na calçada, ao lado de uma grande vaca de plástico.
Do opróbrio da inexistência uma figura infeliz aparece súbita — um colega dela de faculdade, com um aspecto cozido, olhos semicerrados, conversa intragável. Numa situação normal, todo mundo sorri amarelo, chacoalha a cabeça afirmativamente e toma sua cerveja, estudando com o olhar se o lazarento se afasta. Num encontro naufragado, ele recebe atenção.
Invejei o maldito enquanto fumava o que deveriam ser os mais longos cigarros do mundo. Ele nutria uma conversa animada sobre o fato de São Tomé das Letras ser um portal dimensional, sobre 2016 ser “o” ano, sobre a importâncias das áreas de conhecimento da naturologia e da “humanologia”, ambas inéditas para mim, e os prazeres de acessar estados alterados de consciência em lugares com cachoeira.
Eu não acredito nem em signo. Aquilo era como um churrasco para que eu fui convidado e só serviam canapés veganos. Ainda voltei com ela no carro, incrédulo com a experiência e desfiando algumas palavras finais ainda memoráveis. Nos despedimos e nunca mais trocamos palavra significativa depois daquele dia, mas o portal de São Tomé é um fenômeno que nem o tempo apaga.