A crise dos combustíveis e a moralidade dos preços

Cassiano Ricardo Dalberto
Silly Random Walks
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3 min readMay 25, 2018

Paralização de caminhoneiros, combustível acabando, o que muitos postos fizeram? O óbvio: aumentaram preços. Diante disso, não tardaram a surgir as primeiras manifestações de indignação com tal prática, condenando sua suposta imoralidade, e os próprios órgãos do estado resolveram coibi-la. Mas vou aqui discordar dessa visão.

Não há nada de imoral em elevar os preços diante da escassez. Pelo contrário. Imoral é a iniciativa do estado de coibir postos de o fazerem diante de tal cenário.

Quando o preço do combustível aumenta, um sinal é enviado ao consumidor: você realmente precisa de combustível? Porque ó, tá mais caro, hein? Se não estiver em urgência, talvez seja melhor não comprar e esperar a coisa voltar ao normal. Mas se a necessidade é imediata, então talvez você precise encarar o preço da escassez. Demanda x oferta, coisinha básica de qualquer livro de introdução à economia.

Se o estado impede o preço de subir, não é possível distinguir quem tem urgência na compra de combustível de quem não tem. Por consequência, quem não precisa tanto vai acabar enchendo o tanque de qualquer maneira, “só por garantia”. O efeito disso é que a gasolina acaba mais cedo, e eventuais emergências que surjam depois disso não poderão ser enfrentadas adequadamente pelos indivíduos. Se o litro da gasolina estivesse custando 15 reais talvez ainda tivesse alguma coisa em alguns postos aqui e ali, e você poderia comprá-la se a sua urgência valesse mais que 15 reais o litro. Mas os órgãos de “defesa do consumidor” não lhe deram essa opção: ao proibir preços de subirem, quebraram o mecanismo de oferta x demanda, e agora você fica de tanque vazio porque não chegou a tempo na corrida às bombas. Talvez isso lhe impeça de levar alguém ao hospital ou de ir a uma entrevista de emprego, enquanto outros estão com galões estocados em casa — provavelmente, inclusive, tentando lhe vender “por fora”. Volte aos livros de história e veja o que aconteceu quando praticaram congelamento de preços.

Mas não para por aí: se os preços sobem diante da escassez (tanto do combustível como de qualquer outra coisa) os ofertantes têm margem para pagar fretes maiores aos caminhoneiros. Esse é outro sinal que o mecanismo de preços envia: subiu o preço, subiu o interesse em ofertar. Mais outra questão: a elevação de preços no presente também é uma forma de precificar a incerteza do futuro: dias sem vender custam caro, e elevar o preço é uma maneira de tentar antecipar esse problema. Quem ganha com preços congelados são os grandes players, que podem aguentar mais tempo sem operar. Pequenas empresas irão sofrer mais e eventualmente seus negócios podem ser comprometidos. No fim das contas, reforça-se a boa e velha desigualdade de oportunidades, que eleva a concentração de renda que tantos denunciam.

O mecanismo de preços permite que, diante da escassez, as prioridades sejam atendidas da melhor maneira. Jogar areia nesse mecanismo é impedir que os indivíduos possam fazer frente da melhor maneira às suas necessidades mais urgentes.

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Cassiano Ricardo Dalberto
Silly Random Walks

Doutor em Economia (UFMG), compulsivamente curioso, observador de pássaros, filósofo de boteco