Breve análise estatística sobre os dados de queimadas no Brasil e na Amazônia
Peguei os dados de queimadas do INPE, de junho de 1998 a agosto de 2019, para o Brasil e para a Amazônia, e fiz um procedimento estatístico bem básico: removi a sazonalidade das séries. Em outras palavras, removi as variações associadas com períodos específicos do ano, o que se justifica pois existem meses onde o número de focos de incêndio é normalmente mais elevado, o que está relacionado às variações climáticas ao longo do ano. Nos parágrafos a seguir faço breves considerações sobre os resultados, começando pelo caso do Brasil em geral, e depois falando especificamente sobre a Amazônia.
Brasil
A imagem abaixo apresenta a série original das queimadas para o Brasil (série “data” no gráfico, a primeira de cima para baixo) decomposta em 3 elementos: a sazonalidade (série “seasonal”, terceira de cima para baixo), a tendência (série “trend”, também denominada “trend-cycle”, segunda de cima para baixo) e o que sobra depois que esses dois elementos são removidos da série original (série “remainder”, última de cima para baixo). Trocando em miúdos, se somarmos trend + seasonal + remainder teremos a série original. Para observar os comportamentos associados a mudanças mais persistentes e alterações de trajetórias, devemos focar na série de tendência (“trend”).
Na sequência, apresento o gráfico contendo apenas o componente da tendência (ou ciclo-tendência) para o Brasil. Nota-se no ano um crescimento acelerado, que já alcança patamares não observados desde 2010. Também é interessante notar que a série passa a crescer antes de 2019 iniciar. Mais precisamente, a partir de novembro, imediatamente após a eleição de Bolsonaro. As linhas em azul são quebras estruturais identificadas na série (com respectivos intervalos de confiança de 95% nas barras vermelhas horizontais). Em outros termos, são momentos em que o comportamento de longo prazo da variável muda, atingindo patamares médios estatisticamente distintos dos períodos anteriores.
Considerando as quebras indicadas pelas linhas azuis, observam-se três mudanças: uma no início de 2002, quando o número de queimadas disparou, mantendo-se em níveis bastante elevados até 2008, quando ocorre a segunda quebra. Na sequência imediata desta há uma rápida queda nas queimadas, mas posteriormente uma elevação abrupta em 2010. A partir de 2011 há uma nova quebra, mas o momento exato é mais incerto (o intervalo de confiança é grande). De todo modo, a partir de então os patamares médios dessazonalizados têm se mantido em torno de 15 mil queimadas/mês. O momento atual é o nível mais alto desse intervalo após a última quebra. Embora ainda não se possa caracterizar uma quebra estrutural atualmente (isto é, estatisticamente a série ainda não rompeu definitivamente com o comportamento observado desde 2011), isso pode vir a ser observado futuramente, de acordo com o comportamento prospectivo.
Amazônia
No caso do bioma amazônico o cenário se repete, como é possível observar nas imagens abaixo. Isso é esperado, já que as queimadas na amazônia respondem por cerca de 50% de todas as queimadas brasileiras.
A diferença mais significativa, nesse caso, está nas quebras estruturais identificadas, já que houve uma quebra adicional em relação ao caso geral brasileiro. Essa quarta quebra ocorreu no segundo semestre de 2014, e caracteriza uma mudança para média mais elevada no período que se seguiu, em relação à média compreendida entre 2011 e 2014. Em outros termos, desde fins de 2014 as queimadas na Amazônia se tornaram mais comuns, o que pode estar relacionado ao momento econômico do país. Não obstante, o comportamento de 2019 já atingiu os maiores valores após a última quebra, e inclusive ultrapassou aqueles de 2010.
De modo geral, tanto para o Brasil quanto para a Amazônia, será necessário esperar novos dados para saber se o presente momento poderá ser caracterizado por uma quebra estrutural. Sem embargo, o número de queimadas se acelerou de modos não vistos na última década, e isso certamente merece muita atenção. Não quero implicar que esse comportamento se relacione, necessariamente, à eleição e posse do novo presidente — mas também não é algo que se possa simplesmente descartar como implausível. Dentre os fatores explicativos mais prováveis está o rápido aumento do desmatamento, o que a própria Nasa tem observado através de dados de satélite. O desmatamento irregular, por sua vez, pode ter uma série de causas, dentre as quais não é possível desconsiderar a priori os impactos de uma mudança de governo, especialmente quando tais mudanças trazem consigo alterações que podem ir de aspectos muito palpáveis, como as dotações orçamentárias, até aqueles mais intangíveis, como filiações ideológicas que alargam espaço para determinados comportamentos.
Claro que também podem existir impactos devido a outros fatores, como as alterações climáticas provocadas pelo El Niño. Para investigar rapidamente essa possibilidade, realizei uma regressão linear bem básica para testar uma possível associação com esse fator, e o que encontrei foi que as variações na temperatura do oceano ajudam sim a explicar as variações nas queimadas, mas apenas uma pequena parcela delas. Mais precisamente, apenas 2,9% das queimadas estão associadas ao El Niño, segundo o modelo abaixo:
Logo, outros fatores explicativos devem ser procurados. Não inquiri além disso, existem diversas variáveis que podem ser buscadas para se testar associações estatísticas, mas isso já vai um pouco além do propósito mais didático dessa postagem: ilustrar que há sim uma mudança recente na tendência das queimadas, o que é preocupante e traz uma série de problemas ambientais, sociais e econômicos que não devem ser menosprezados com discursos superficiais, teorias conspiratórias e antagonismos políticos rasteiros.
A quem interessar, disponibilizei no github o script para a análise no R, bem como os dados utilizados: https://github.com/cassianord/queimadas/