Mapas — e algumas estatísticas — das eleições 2016
Um sentimento expressado por muitos nas eleições municipais do último domingo, 02/10, diz respeito à um “anti-petismo”, isto é, uma vontade de votar em candidatos de qualquer partido, menos do PT. Esse sentimento foi um pesado golpe sobre o partido, que conseguiu emplacar apenas 256 prefeituras (quase metade delas no Nordeste, que ainda assim viu uma redução muito grande nesse número em relação a 2012) — o que significa 40,6% das 630 prefeituras atuais sob gestão do partido, e que o coloca como apenas o 10º partido nesse quesito, atrás de PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB, PDT, PR, DEM e PTB, respectivamente. Para ilustrar um pouco isso, o mapa a seguir mostra onde estão os municípios onde venceram PMDB, PSDB e PT:
Mas é possível que esse sentimento não tenha se restringido ao PT, espirrando sobre outras legendas de esquerda e aliados do partido— embora não pareça ter feito cócegas naquele que era seu maior aliado até pouco tempo atrás: o PMDB. De qualquer maneira, surge a questão: será que o Brasil votou mais à direita ou mais à esquerda? Para verificar isso, resolvi criar um índice bastante simples, que parte de uma espécie de sistema de pontuação de acordo com o alinhamento dos partidos¹ que venceram nas prefeituras. Assim, um partido considerado de esquerda recebe um valor de -2, e um de centro-esquerda tem o valor de -1, enquanto que os de direita tem os sinais trocados: 1 para centro-direita e 2 para direita. Partidos de centro recebem valor 0. Notem que essa pontuação não expressa nenhum juízo de valor sobre a posição no espectro político — trata-se apenas de um meio de quantificar variáveis categóricas para facilitar a análise.
Assim, observando qual foi a média desse índice para diversos recortes geográficos (Brasil, regiões, estados), podemos verificar se houve uma tendência à esquerda ou à direita: valores positivos indicam maioria de prefeituras de direita, enquanto valores negativos apontam um predomínio da esquerda. Quanto maiores esses valores (em termos absolutos), mais intensa essa predominância.
No que diz respeito ao Brasil como um todo, a variável teve média de 0,10, o que indica um direcionamento à direita. Mas seu desvio-padrão foi relativamente alto, 0,84, sugerindo bastante variabilidade dessa informação ao longo do território. Assim, podemos começar a direcionar o olhar para níveis mais desagregados.
Em termos das regiões, todas apresentaram média à direita, sendo que Norte e Centro-Oeste são aquelas com os maiores valores: 0,21 e 0,20, respectivamente. Em seguida aparecem a região Sul (0,17) e a região Sudeste (0,08), sendo o Nordeste (0,01) a região mais ao centro.
Quanto aos estados, apenas 7 deles apresentaram média negativa, e aquele com o valor mais negativo foi o Maranhão (média de -0,47), seguido por Ceará (-0,27), Pernambuco (-0,21) e Acre (-0,18). Os outros 19 estados apresentaram médias positivas, isto é, predominância de prefeituras de partidos de direita e centro-direita. Desse lado, quem mais desponta é Roraima (média de 0,73), seguido por Rio Grande do Norte (0,45), Santa Catarina (0,30) e Amazonas (0,30). O mapa a seguir apresenta uma visualização para esses valores nos estado, onde é possível notar os casos extremos de Maranhão e Roraima — que foram classificados, respectivamente, como esquerda e direita. As cores mais claras expressam valores mais ao centro. Os estados em branco apresentaram valores raazoavelmente próximos de 0 (mais precisamente, entre -0,2 e 0,12), e foram classificados como centro.
Um problema com as médias estaduais é que elas podem camuflar o que está acontecendo nas unidades menores que as compõem. Assim, podemos observar a distribuição dessa variável com um pouco mais de detalhes se olharmos para as microrregiões — onde novamente podemos notar os casos mais discrepantes de Maranhão e Roraima:
Por fim, os municípios. Nesse caso observamos apenas o valor exato do índice, e não sua média, de acordo com os partidos eleitos. Para facilitar a visualização destes, os mapas a seguir trazem recortes segundo as cinco regiões:
Como curiosidade final, resolvi aplicar um modelo de regressão (vícios de economista) bastante simples para verificar quais possíveis fatores poderiam estar relacionados (mas sem falar em causalidade!) com a eleição de partidos de esquerda. Para isso, apliquei um modelo logístico com uma variável binária que assumiu valor 1 caso o partido eleito era de esquerda ou centro-esquerda, e 0 caso contrário. Variáveis com coeficientes positivos e significativos apontam uma relação direta com a eleição de partidos de esquerda, enquanto valores negativos sugerem uma relação inversa. A tabela a seguir apresenta os resultados:
Exceto pelas variáveis que indicam a localização geográfica dos municípios nas regiões, as únicas variáveis estatísticamente significantes foram a densidade urbana, o índice de Gini e a renda per capita. Nota-se que municípios com maior densidade populacional tenderam a eleger partidos que não eram de esquerda, mas a associação é muito tênue. Em municípios com distribuição de renda mais desigual (maior Gini) a esquerda teve mais vitórias nas urnas. Já nos municípios de maior renda, há uma tendência a se votar em partidos de direita. As demais variáveis demográficas (como a proporção de mulheres, pretos, pardos, idosos, população em idade ativa) e sócio-econômicas (níveis educacionais, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) não foram significativas — isto é, não possuem nenhuma relação (do ponto de vista estatístico) com a eleição de partidos de esquerda.
Quanto às variáveis regionais, como o Norte configura o grupo-base, os coeficientes das demais regiões indicam a diferença para aquela. Assim, Nordeste, Sul e Sudeste (em ordem decrescente) apresentam maior probabilidade de terem municípios onde partidos de esquerda venceram, enquanto o Centro-Oeste é estatísticamente indiferente do Norte nesse aspecto — o que está alinhado com a constatação feita anteriormente, sobre a média do alinhamento dessa regiões.
Ok, mas o que isso significa, no fim das contas? Que, ao menos nessa última eleição, é bastante difícil associar fatores sócio-econômicos à vitória de partidos de esquerda (ou de não-esquerda), e que esse tipo de associação pode seguir padrões regionais bem específicos, de acordo com outros aspectos relacionados à história, cultura e mesmo tradição política dessas localidades.
Naturalmente existem ressalvas a serem feitas:
- A análise desconsidera a heterogeneidade interna de cada município (como os votos para outros partidos não eleitos), o que se deve em parte à restrição atual de informações disponíveis no TSE.
- A análise dá pesos iguais para cada município, ignorando sua dimensão populacional — o que, de qualquer maneira, exigiria levar em consideração apenas o número de pessoas que votou na legenda vencedora. Essa é uma opção para análise futura.
- A análise não considera caracterizações mais detalhadas de espectro político, como a proposta pelo Diagrama de Nolan, em função de uma inexistência de classificação dos partidos nesse sentido.
Notas:
1: a classificação dos partidos segundo o espectro esquerda-direita seguiu a classificação existente na wikipédia, que, a despeito de possíveis críticas, está bastante próxima de classificações utilizadas em artigos científicos (que possuem quase sempre o problema de serem incompletas ou estarem defasadas).