O impeachment e as “pedaladas” fiscais: breves reflexões

Cassiano Ricardo Dalberto
Silly Random Walks
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3 min readApr 2, 2016

Em meio ao cada vez mais conturbado cenário político brasileiro, com a iminência de um possível impeachment da atual presidente devido, entre outras coisas, às chamadas “pedaladas fiscais”, resolvi deixar alguns breves comentários.

Para deixar menos nebulosa a questão técnica sobre as “pedaladas”, quero deixar aqui o link para uma excelente série de esclarecimentos escritas pelo economista Mansueto Almeida. O primeiro texto da série pode ser encontrado aqui (sempre tem o link para o texto seguinte).

Antes de acrescentar minhas palavras, ainda quero dar destaque especial para o Esclarecimento 8, onde é apontado o uso eleitoral do orçamento, sobretudo a seguinte passagem:

Em resumo, entre setembro, antes da eleição, e o final de dezembro, o resultado primário teve uma piora entre o programado e o realizado de quase R$ 100 bilhões! O governo ao longo do ano –até novembro de 2014- não tomou nenhuma medida para cortar despesas para se adequar à meta de R$ 80,7 bilhões e, no último bimestre do ano, fez uma mudança brusca nas estimativas da receita e despesa, reduzindo drasticamente o primário esperado para 2014.

E também acrescento esse gráfico, elaborado pelo pessoal do Mercado Popular, que ajuda a ilustrar o tamanho do buraco do qual estamos falando:

(E notem que o gráfico traz informações apenas sobre o saldo junto à Caixa. Como o Mansueto mostrou, ainda entram na conta o Banco do Brasil e o BNDES).

Diante disso, quero deixar alguns comentários e questionamentos breves:

Primeiro: a irresponsabilidade fiscal não pode ser tolerada. O que se verificou, sobretudo em 2014, foi uma irresponsabilidade de grave dimensão. Ao não ser punido, estamos tolerando esse tipo de comportamento e incentivando a história a se repetir.

A responsabilidade fiscal, isto é, a responsabilidade com o dinheiro público, com o orçamento equilibrado e sustentável, é um dos pilares de uma democracia séria e de uma economia mais robusta. Transgressões à essa ética precisam ser duramente punidas, de modo a enviar um sinal aos governantes (de todas as esferas e em qualquer período vindouro) de que esse tipo de prática trará graves consequências para si. Dar esse passo significa evoluir institucionalmente. É uma condição fundamental se queremos governos menos piores.

Segundo: já vi por aí argumentos defendendo as “pedaladas”, justificando-as como “nada mais do que empréstimos pontuais do governo para pagar os benefícios para a população”.

Não, as pedaladas são algo muito além disso. Elas não foram pontuais, mas sim um mecanismo sistemático de maquiagem de contas públicas em ano eleitoral, criando a ilusão de que tudo estava bem com nossa dimensão fiscal. Obviamente não era o caso: como o Mansueto bem lembrou, foi só passar as eleições que o governo “descobriu” um rombo que ele não admitia estar lá, levando a uma diferença de resultados (entre o previsto e o realizado) de quase 100 bilhões.

No mais, se a desculpa é a de que esse dinheiro era para pagar benefícios sociais, surge a pergunta fatal: por que isso não ocorreu antes? E por que não houve transparência sobre o buraco que existia?

Terceiro: Ficou escancarado que a manipulação fiscal teve intenções eleitorais. À medida que tal prática, mesmo sendo constitucionalmente vedada, é capaz de alavancar a capacidade de um político de se eleger, ela deveria ser motivo razoabilíssimo para retirar qualquer governante eleito através de tal artifício.

Concluindo: Não me iludo com o “condão do impeachment”. Ele não é solução para todos os nossos problemas políticos, que não são exclusivos deste ou daquele partido. Precisamos de mudanças muito mais profundas do que a que um mero impeachment pode trazer. Não obstante, justamente por ter uma preocupação especial com a evolução institucional do país, julgo ser imperativo que atos de irresponsabilidade com o dinheiro público sejam draconianamente punidos. Sobretudo quando essa irresponsabilidade foi de caráter premeditado e com intenção de obter vantagens eleitorais. Como defender um governo democraticamente eleito, quando a própria democracia foi enganada e solapada por fraudes contábeis?

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Cassiano Ricardo Dalberto
Silly Random Walks

Doutor em Economia (UFMG), compulsivamente curioso, observador de pássaros, filósofo de boteco