Variações trimestrais no PIB e suas médias nos últimos governos
(Atenção: atualizações para os dados do primeiro trimestre de 2017 no final do artigo)
Como era de se esperar, o mais recente resultado do PIB trimestral divulgado pelo IBGE já ensejou comparações entre o atual governo e seu predecessor. Até mesmo alguns economistas, recorrendo a análises sem qualquer rigor, correram para apontar que o decréscimo de 0,9% do quarto em relação ao terceiro trimestre de 2016 só poderiam indicar que o atual governo está indo pior que o anterior. Tais afirmações, entretanto, desconsideram uma série de fatores e dificilmente podem ser levadas à sério. Alguns dos pontos ignorados por quem usa esses argumentos:
· Variações significativas no nível do produto agregado não ocorrem rapidamente, ainda mais quando o país está inserido numa profunda recessão há praticamente 3 anos. Em outros termos, o comportamento do PIB deve ser avaliado pela sua tendência no médio e longo prazo, e grande parte da atual dinâmica do PIB é herança de períodos e governos anteriores.
· As variações no PIB respondem a uma quantidade imensa de fatores, não apenas à mudança de governo. E mesmo essa, quando acompanhada de uma proposta de guinada na economia, dificilmente consegue resultados de curto prazo.
· É impossível julgar de maneira consistente o quanto um governo está sendo bom ou ruim para a economia olhando apenas para variações do PIB no curto prazo. Existem inúmeros outros quesitos que devem ser avaliados para realizar uma qualificação mais adequada. Um governo que promove crescimento baseado em expansão monetária forçada ou por gastos públicos abastecidos por endividamento irresponsável, por exemplo, pode conquistar os corações dos míopes, mas no longo prazo os problemas irão aparecer.
Uma ilustração desses argumentos pode ser visualizada pela imagem abaixo. Nela, temos (em verde) a variação percentual trimestral do PIB, sempre em comparação com o trimestre imediatamente anterior. As linhas pretas na horizontal representam médias de período estimadas por um modelo simples de regressão por Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), utilizando apenas variáveis que indicam mudanças de governo (em termos econométricos: dummies de quebra estrutural). As áreas cinzas ao redor dessas linhas indicam um intervalo de confiança de 95% para as médias estimadas. O objetivo aqui não é explicar as variações no PIB, muito menos propor algum modelo adequado para tais fins, mas apenas comparar médias entre diferentes períodos. Maiores detalhes sobre a regressão constam no apêndice no final do texto.
O IBGE disponibiliza esses dados a partir do segundo trimestre de 1996. Assim, a primeira linha horizontal indica a média de variação do PIB do governo FHC, que ficou em torno de 0,6%. Em seguida, o governo Lula apresenta uma média maior, de cerca de 1%, embora estatisticamente essa média não seja diferente da do governo FHC, pois seu intervalo de confiança abrange o coeficiente estimado para o governo anterior (veja como a área cinza abaixo da média do governo Lula atinge valores inferiores à média do governo FHC). Em seguida, o governo Dilma apresenta uma média bastante abaixo do governo Lula, muito próxima de zero (para ser mais preciso, 0,04%). Neste caso, a média difere estatisticamente do governo anterior, como fica claro na imagem.
Por fim, o governo Temer (aqui considerado como assumindo o poder no segundo trimestre de 2016, embora tenha ocorrido um interregno até ocorrer a mudança de fato, no segundo trimestre) aparece ali no finalzinho do gráfico, com apenas 3 trimestres. A média do PIB nesse período é bastante baixa (cerca de -0,6%), mas em função do pouco número de observações e de sua variabilidade, essa média não pode ser estatisticamente diferenciada da média do governo anterior (observe-se novamente como a área cinza acima da média do governo Temer abrange a média do governo Dilma). A propósito, essa média seria ainda menor se considerássemos apenas os últimos 3 trimestres do governo Dilma (-1,1%), ou mesmo seus últimos dois anos (-0,9%).
De fato, se realizássemos o mesmo exercício, mas considerando as mudanças de mandato (ao invés das mudanças de presidente) teríamos um resultado que poderia sugerir uma melhora a partir do governo Temer em relação ao segundo governo Dilma… não fosse o fato de que estatisticamente não é possível afirmar isso, pelos mesmos motivos de antes:
Neste caso, a única mudança realmente significativa de um mandato em relação ao anterior é a do segundo governo Dilma em relação ao primeiro, quando é parida a crise que estava em gestação.
Conclusão: avaliar (e comparar) o atual governo em termos de dinâmica do PIB é precoce e enganador (além de ser sensível ao recorte que utilizarmos), e qualquer tentativa de diferenciação nesses termos não resiste a uma simples análise estatística — coisa que muitos parecem ignorar propositadamente para defender seu time político.
Atualização em 01/06/2017: a última divulgação das contas trimestrais trouxe não apenas a notícia de que no primeiro trimestre de 2017 o PIB avançou 1% em relação ao trimestre anterior, encerrando tecnicamente a recessão; como também atualizou valores anteriores (a exemplo da queda mencionada no início do texto, que era de -0,9% e passou para -0,5%).
Com os valores atualizados, o gráfico por mandato fica assim:
Apêndice: aos curiosos, economistas e estatísticos de plantão, abaixo estão as estatísticas da regressão por MQO. A constante representa o governo FHC, e as demais variáveis são dummies de quebra temporal, de modo que para se obter a média de um período é preciso somar o coeficiente estimado à média do governo anterior. Assim, a média do governo Lula pode ser obtida somando seu coeficiente (0,405) à constante (0,603), o que dá algo próximo a 1,01. Para o governo Dilma, adiciona-se ao valor anterior o respectivo coeficiente estimado (neste caso negativo, -0,966), o que dá algo em torno de 0,04. E assim por diante.
No mesmo espírito, a regressão com quebras de acordo com os mandatos (com o primeiro FHC sendo a constante) produz os seguintes resultados:
E com a atualização acima mencionada, referente ao primeiro trimestre de 2017 e revisão de valores anteriores, a regressão por mandatos fica assim: