😉 — O DICIONÁRIO DO QUE NÃO SE PODE DIZER

Emojis atravessaram gerações e continentes para estar na sua tela

Marcos Carvalho Jr.
Silva Home Reads
9 min readAug 22, 2017

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Se identificou com qual? | Wave

Se piscar o olho para você, posso dar a entender que tudo o que estará escrito daqui em diante não passa de galhofa. Uma piscadela só. Pois, imagine: Sou um adulto caucasiano de cabelos cor castanho-médio, meus olhos são amendoados, cultivo uma barba cheia, embora haja menos preenchimento no lado esquerdo, e meu biotipo me coloca num patamar radicalmente comum de aparências. Já o camarada na mesa aqui à frente também é adulto e caucasiano, mas não tem barba. Isso evidencia umas “covinhas” imensas, que o deixam com um sorriso largo, simétrico e diabólico. As sobrancelhas, quando ele ri, se erguem levando junto as cavidades do início de cabeça calva. Acho que você diria que ele tem expressões faciais bem mais singulares que as minhas.

Ele e eu, mesmo bem diferentes, temos um rosto universal para enviar uma piscadela por mensagem na internet. Isso porque nós dois vamos, provavelmente, utilizar um pictograma digital para isso, ou seja, um emoji (😉). Os emojis — e (絵, “imagem”) + moji (文字, “letra”) — são desenhos que simbolizam rostos baseados nas características humanas, com ampla variedade de reações, mas também pode ser o indicativo de um animal (🐵), uma comida (🍅), um objeto (☎️) e símbolos mais gerais, mesmo (🔔🚫🔝).

Assim como conhecemos, eles apareceram no Japão no fim da década de 90 com a companhia telefônica NTT DoCoMo. Na época, o serviço de e-mail permitia escrever só 250 caracteres por mensagem, então acrescentar alguns símbolos facilitaria bastante. A mente por trás disso era de Shigetaka Kurita, funcionário da empresa e responsável pela rede de internet móvel.

Em 2016, o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, que recebe mais de dois milhões de pessoas por ano, adquiriu a primeira peça com emojis para o acervo. Justamente o pacote inicial de 176 figuras, desenhado por Kurita e sua equipe, quase duas décadas atrás. Quando se espalhou a notícia, o programador foi chamado pelo jornal The Guardian para falar mais da concepção. “Me inspirei em ícones de previsão do tempo e ideogramas”, ele explicou. Os originais eram preto e branco, com poucos detalhes, e em 1999 surgiram os coloridos — inclusive os rostos amarelos que temos acesso hoje em dia.

O pacote de figuras exposto em Nova York | Shigetaka Kurita/AP

Sobre a preocupação dos símbolos “empobrecerem” a comunicação: “Não acho que o uso dos emojis é sinal de que as pessoas estão perdendo a habilidade de comunicar com palavras, ou que têm um vocabulário limitado. E não é nem uma coisa dessa geração… Pessoas de todas as idades entendem que um único emoji diz mais sobre seus sentimentos que texto”, disse ele ao jornal britânico.

Celso tem 54 anos de idade e comunica-se virtualmente com a filha quase sempre pelo teclado de emojis. As mensagens têm frequência diária e já pavimentaram um histórico de interação, de fácil acesso no aplicativo de mensagens mais usado no mundo, o WhatsApp. Os símbolos preferidos são o beijo (😘) e o sorriso (😊), mas há perguntas e respostas, convites e agrados, todos montados nesse vocabulário. “Os emojis são formas de ancoragem das emoções mais autênticas no mundo real”, disse repetidas vezes.

Marcela, estudante de enfermagem, 27 anos, não contou com a presença do Celso na adolescência e começo da vida adulta. O pai não estava lá para as descobertas importantes e nem ficou sabendo muito mais do que qualquer vizinho mais chegado saberia. Dos 11 aos 24 anos dela, os dois se viam em datas mais convencionais. “Não sabia dos gostos pessoais de minha filha, do que queria para a faculdade”, exemplificou, enquanto procurava uma foto dela para mostrar.

Acontece que o tempo foi passando, ambos decidiram fazer terapia em cantos opostos do Estado, e o amadurecimento da menina foi, também, o de seu pai. Marcela foi para a Austrália em 2009, voltou dois anos mais tarde, e a relação dos dois teve alguma dose de realidade. Tornou-se algo parecido com o resgate de um álbum de fotos remendado e colado de volta, pouco a pouco, com cuidado. E os emojis caíram bem nesse capítulo da vida deles, fazendo “uma ponte entre o presente e o passado remoto, fazendo expressar o que sinto por ela”, detalha o pai. “Remete à infância e ao emocional”, acredita.

Hoje, Celso e Marcela comunicam-se mais. Ele aposta que se fazer presente no rol de notificações dela com regularidade é um compromisso que pode cumprir e gera resultados. “Um mecanismo de resgate de questões perdidas”, a emoção vem à tona, quando diz o seguinte: “Tô buscando uma garantia que ela não vá chegar num dia pra mim e dizer ‘eu não quero mais te ver, seu merda’. Eu recorro ao histórico e me conforto de uma cobrança constante”.

A esta altura, talvez seja importante esclarecer uma confusão corriqueira: emoji não é a mesma coisa que emoticon.

Junção de duas palavras de língua inglesa (emotion + icon), este último é formado por um conjunto de caracteres tipográficos, como ;-) e :-p sugerem se forem lidos com o pescoço inclinado para a esquerda. Essa linguagem foi inventada bem longe do Japão, na Pensilvânia, Estados Unidos, mais precisamente na Universidade Carnegie Mellon. Em 1982, um desafio de física havia sido lançado aos pesquisadores de Ciência da Computação, como era comum que acontecesse entre os acadêmicos da área. Dizia assim: “Um elevador tem uma vela acesa presa na parede e uma gota de mercúrio no chão. O cabo do elevador se rompe e ele cai. O que acontece com a vela e o mercúrio?”. Um dos colegas espalhou uma resposta brincalhona: “ATENÇÃO! Devido a um experimento de física recente, o elevador mais à esquerda está contaminado com mercúrio. Há também um dano superficial causado por fogo. A descontaminação deve ser concluída até 8h de sexta-feira.”

Era uma ironia, que até fazia sentido para quem estava com a cabeça no desafio lógico, mas alguns acreditaram que havia, mesmo, um elevador interditado. Alguns dias mais tarde, o professor Scott Elliot Fahlman escreveu aos colegas, pela precária rede interna de computadores ASCII:

Eu sugiro a seguinte sequência de caracteres aos engraçadinhos:

:-)

Leiam de lado. Na verdade, provavelmente seja mais econômico marcar as coisas que NÃO são piada, dados os acontecimentos recentes. Para estas, usem

:-(

A mensagem foi enviada dia 19 de setembro de 1982, às 11h44. Scott tinha 34 anos e entregava ao mundo o smiley (sorriso, que também teria a versão :) sem nariz), uma semente linguística despretensiosamente universal. Scott é, reconhecidamente, o pai e precursor do emoticon no ambiente computacional. Mas é igualmente verdade que esse professor nem pensava em existir quando chegava às ruas de Nova York a novíssima edição nº 212 da revista “Puck”, um século antes do episódio da vela e do mercúrio no elevador. Puck foi a primeira revista de sucesso a publicar cartuns e charges coloridas sobre questões políticas nos Estados Unidos, a maior parte do tempo com mais de 30 páginas e tiragem semanal. A primeira impressão rodou em 1871, com versões em inglês e alemão, e muitos administradores diferentes cuidaram dos negócios até a última edição, 47 anos mais tarde. Pois, na Puck nº 212, a coluna do meio da página 65 traz o seguinte:

“Por medo de surpreender o público, daremos apenas um pequeno exemplar das realizações artísticas ao nosso alcance. (…) Os seguintes são dos Estudos em Sentimentos e Emoções”, ironiza o primeiro artigo da seção “Arte Tipográfica”, cuja data de capa é 30 de março 1882. Bum! Aqui está o real nascimento dos emoticons. Revisemos o conceito: um conjunto de caracteres tipográficos — só que verticais e feitos à mão, com linotipo. Não há dúvidas, encontramos o âmago.

Estamos, eu e você, na camada mais profunda e rupestre da pesquisa sobre os emojis. Pare um pouco. Abra o WhatsApp, ou qualquer outro aplicativo que seja bom nessa altura do campeonato, cate aí um emoji. É mais ou menos como olhar bem para ele e viajar por etapas de paralinguagem até o século 19, quando a ideia era transmitir a mesma coisa que agora. Constate, ainda, que seguindo essa linha, o emoji na sua mão é contemporâneo de Marcel Duchamp e Monteiro Lobato.

Comunicação é assunto sério

Eram duas da tarde em Londres quando falei pela primeira vez com o fundador da Emojipedia. Jeremy Burge, 32 anos, estuda e cataloga os símbolos desde 2013 — primeiro como uma oportunidade fora do seu trabalho de desenvolvedor de softwares, mais tarde gerenciando um site que é referência no assunto, com 180 milhões de visualizações de página por ano. Quando pedi uma entrevista, ele me disse que “o tempo está curto, mas vou responder perguntas na quinta, se você tiver uma que seja boa”. Interessante. Burge vem de Melbourne, na Austrália, como pesquisador interessado no significado por trás dos emojis. Foi ele que deduziu, por exemplo, que “rosto gritando de medo” (😱) é inspirado na pintura “O Grito”, datada do fim do século 19, assinada por Edward Munch. E que os três macaquinhos (🙈🙉🙊) que alguém já usou para recusar um flerte ousado homenageia o provérbio chinês “não ver o mal, não ouvir o mal, não falar o mal”. Antropologia.

Alguém se dispôs a levar o interesse por emojis a outro nível: este é Jeremy Burge | jeremyburge.com

No dia do chat online, ele ia recebendo perguntas de tudo quanto é parte do mundo e respondendo as que achava melhor, ao vivo — o que funcionou muito bem como uma coletiva de imprensa. Na minha vez, contei para ele a história do Celso e da Marcela. Resumi aquilo tudo em 256 caracteres e intriguei se ele pensava que os emojis estavam adquirindo uma proporção muito maior do que a pensada inicialmente, já que a coisa é forte o suficiente para nortear diálogos com tanto pano de fundo. Ele foi ainda mais intrigante: “Eu realmente acredito que os emojis estão mais difundidos agora do que qualquer um fora do Japão imaginou. Os japoneses provavelmente sabiam disso muito bem antes que qualquer um de nós pudesse”.

Shigetaka Kurita, o japonês que desenhou os emojis 20 anos antes, diz que não: “Eu não percebi que os emojis se espalhariam e se tornariam tão populares internacionalmente. Fico muito surpreso ao ver quão disseminados se tornaram. São universais, então são ferramentas de comunicação úteis que transcendem idiomas”.

Kurita, em uma de suas poucas fotos disponíveis na internet | Getty Images

Não sei quem está falando a verdade. Dois estudiosos brasileiros de linguagem tentaram ajudar, quando repeti as histórias do pai e da filha, do professor e da revista, do japonês e do australiano. Alexandre Rocha da Silva estudou semiótica até o pós-doutorado que fez na França e discorda da ideia de que o teclado de emojis é um alfabeto universal. Ele também defende que, mesmo nas épocas de maior repressão, a imagem não deixou de aparecer na comunicação.

“Linguagem não é só fonética. Nunca na história houve exclusividade da linguagem escrita, não é novidade. Quando a imagem é incorporada, causa estranheza para quem imaginava que escrita era universal”, contou. “A palavra não é só um veículo para expressar outras coisas que não ela própria, e os emojis reforçam a materialidade da escrita”.

Jairo Grisa, que é doutor em Comunicação Social pela Unisinos, acredita que a palavra não desaparecerá. Porém, ele desenvolve, “observa-se uma tendência à utilização de elementos visuais cada vez mais ‘abarcadores de sentido’. Isso talvez se dê em função da aceleração dos processos históricos e da própria vida do homem, buscando-se sempre mais facilitação nas mensagens”, disse.

“Não esqueçamos, por exemplo, que os primeiros registros de comunicação humana foram expressos através de imagens. Mas pode-se pensar se não é a própria linguagem que cria esse novo ambiente ao homem e à história”, analisou.

E agora? Convido você, leitor, para concluir esta matéria. Me conte se você achou sentido nas histórias, hipóteses e teorias que acabou de ler. Envie seus comentários e a gente continua. Só não esqueça de contar o que acha usando emojis — independentemente de que linha vão seguir, será um bom desafio. Porque quando não se pode dizer, há um dicionário inteiro à disposição. Talvez ainda exista o que explorar. 😉

  • Os nomes Celso e Marcela são fictícios

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Texto desenvolvido na disciplina Projeto Experimental IV, da Faculdade de Comunicação Social / PUCRS. Orientação dos professores Alexandre Elmi, Moreno Osório e Marcelo Fontoura.

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