Prazer, meu nome é Roteiro

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7 min readNov 1, 2018
foto: Matheus Gomes

A fundação de qualquer bom audiovisual vem do planejamento. A pré-produção normalmente é o fator crucial para o sucesso de um projeto. E tudo começa em cima do roteiro. Inicialmente, o script é o mapa do que você vai filmar. Isso já tem sua importância por si só, mas conforme a produção avança, o script vai tomando diferentes funções.

O primeiro trabalho, ao receber um script, consiste em ler, entender e conhecer o texto. Aí você pode pensar “mas eu nem sou ator!”, mas a chave aqui é se familiarizar. Não necessariamente precise DECORAR as falas, mas qualquer que seja seu papel na produção em questão, ele com certeza será mais bem desenvolvido se você souber mais do roteiro. Ao passo que o script for ficando mais natural para a equipe, os membros podem compreender melhor seus espaços dentro da produção do filme em voga — trabalhando em uma produção pequena, acredite, isso ajuda muito.

Cada um tem o seu trabalho. Um dos mais importantes recai sobre os atores/atrizes: decorar o texto. Muitas vezes, o que afunda um curta é a atuação. Não tem peso, por vezes falta aquela famigerada “mastigada” no texto, aquele instante em que o ator transforma o texto em seu.

Conhecendo o roteiro inteiro, a equipe tem mais probabilidade, por falta de uma palavra melhor, de não passar por esse problema. Como um professor disse uma vez: não deixe para resolver os problemas na pós-produção. Na hora podem parecer pequenas coisas, mas no final é difícil de ter a oportunidade de voltar e regravar qualquer erro.

O roteiro que mais trabalhamos recentemente foi “Branco Suja Fácil”, uma história que escrevi há um bocado já. É conto de anos atrás, de uma manhã, onde dois homens discutem um trabalho mal feito. É um drama criminológico. Acho que é justo dizer que fui muito influenciado, ao escrever, por filmes de diretores como Scorsese, Tarantino e Coppola. Divago, mas o ponto é que esse é o roteiro que analisaremos nesse texto.

Na hora de produzir, sugiro que desmanche o roteiro em itens. A cena é feita onde? O que a personagem segura enquanto fala? Quais as cores da roupa dele? Onde a câmera vai ficar? Todas essas perguntas são respondidas de maneiras diferentes, mas trabalhando com o roteiro se decide isso. A locação da filmagem é um outro fator que o roteiro entrega, obviamente. Chegaremos lá em capítulos posteriores.

Estudos no texto

Esse é o começo do curta. Perceba que já podemos tirar diversas coisas daí. O diretor vai definir como posicionar as câmeras para montar frames interessantes do Sr. Branco fazendo o café. O técnico de áudio vai captar um geral disso, mesmo que depois possa ser construída a narrativa da cena com foleys. É interessante ter uma referência depois.

A cena troca de ambiente, então os atores praticam o blocking com a câmera, assim como a equipe vai querer entender a movimentação executada para se posicionar melhor e facilitar o movimento. Blocking, como definido pela New York Film School, são os detalhes da movimentação do ator em relação à câmera. Um exemplo sempre citado é imaginar como uma coreografia de balé ou dança: todos (câmera, diretor, equipe, atores e figurantes) têm de se mover de maneira harmoniosa.

Nesse breve início de cena, temos também o clima: a cena se passa pela manhã, o Sr. Branco veste um roupão e uma espécie de pijama. Sr. Rosa veste um terno, agitado, no hall. São mais shots para planejar e não só isso, decidir o figurino com a produção.

Roupão branco? Talvez não seja a melhor ideia, talvez alguém tenha a ideia de colocar ele em um roupão mais escuro, mais sujo. Ou quem sabe outra ideia apareça. Na hora de desmontar o roteiro com a equipe, é interessante trabalhar eventuais ideias diferentes, que podem dar novos pontos de vista a uma cena.

Um exemplo prático: na filmagem de Fight Club, em um dado momento o filme chega na cena onde Edward Norton e Brad Pitt lutam pela primeira vez, na frente do bar. Após planejar o blocking, deixar toda a cena preparada, e veja bem, esse foi um filme onde TODAS as sequências de luta foram bem coreografadas, David Fincher decidiu tentar uma ideia diferente.

https://www.youtube.com/watch?v=CR5Jp_ag2M8

Ao invés de seguir a coreografia, ele foi a Norton e disse pro ator realmente dar o soco com força, fugindo da coreografia. A câmera rolou e Edward sentou a mão na orelha de Pitt. Assista a cena e você consegue ver até um vislumbre de sorriso no rosto de Norton enquanto Brad Pitt se contorce com dor de verdade. Aquilo deu uma autenticidade única, não?

O shot list

Esse processo que passamos ao desenvolver o curta é simplesmente um desenvolvimento que era um script escrito com função de contar a história de maneira fluída. Escolas de cinema recomendam produzir um roteiro de produção, o texto que indica movimentos de câmera, blocking, ângulos e tudo que for necessário para conseguir a tomada.

Esse pedaço é um exemplo de roteiro de produção, feito como uma shot list. Nessa forma, o diretor e o diretor de fotografia (quando existe um) combinam o framing (enquadramento) das cenas e como captar ângulos que contem a história de uma maneira mais interessante visualmente.

Storyboards

Uma outra parte no roteiro de produção são os storyboards. Como o nome já diz, storyboards são uma maneira de contar as cenas de forma mais gráfica e visual, através de ilustrações. São desenhados todos os frames que foram pensados para o filme, o que também é uma oportunidade para novas ideias e revisar o trabalho já feito.

A técnica de trabalhar com storyboards veio de várias origens.
Filmmakers da era do cinema mudo já trabalhavam com esse tipo de técnica, mas quem definiu os storyboards como técnica e prática eficiente foram os estudos Walt Disney. No livro The Art of Walt Disney, o autor diz que Walt Disney creditava o animador Webb Smith como o criador de desenhar as cenas em folhas de papel separadas, colocar elas em um mural e analisar a narrativa sequencialmente.

Hoje em dia, filmmakers ao redor do mundo reconhecem a função do storyboard e adotam essas práticas. É um pensamento comum que não é necessário saber desenhar muito bem, o importante é fazer com que a história seja compreensível visualmente. Se a equipe entender, pouco importa a qualidade do desenho. Basta uma pequena busca no YouTube para encontrar vários tutoriais de dez minutos ensinando a produzir e desenhar, mesmo para quem não tem nenhuma habilidade com lápis e papel.

A minha habilidade de desenho é zero. Mesmo assim, após fazer storyboarding para diversos projetos, vejo uma certa melhora, o que pode ser aquele orgulhozinho, mas só a prática do processo já traz um entendimento melhor do que será a cena e o que podemos fazer com a câmeras.

Caminhos diferentes vão ao mesmo lugar

Shot lists e storyboarding são duas formas de planejar e executar cenas, por ângulos e materiais de props que sejam necessários, não sendo os únicos caminhos, porém. Diretores como Christopher Nolan e Clint Eastwood não usam nenhum dos dois recursos, salvo para cenas intrincadas com efeitos especiais.

Em entrevista concedida para o DVD Talk, Nolan diz que prefere descrever como imagina a cena usando somente vocabulário, e que consegue sempre fazer a equipe entender e trabalhar nisso. Em cenas de efeitos especiais ou que envolvam muitos dublês, Nolan recomenda, porém, o uso desse tipo de técnica para facilitar a cena. Nolan diz que simplesmente estar envolvido e presente no set já basta para que todos trabalhem de forma harmoniosa. Na nossa produção, vamos mirar para isso.

Clint Eastwood, entretanto, tem métodos de produção diferentes ainda desses listados. Colaboradores frequentes dele descrevem seu trabalho como colaborativo — ele tem um filme na mente, mas traz a equipe ao set e espera que colaborem com ideias e pensamentos.

Em entrevista para a Director’s Guild of America, Eastwood fala que se inspirou no serviço secreto americano para manter o set organizado para gravar, facilitando o improviso. Todos usam fones de ouvido e o silêncio é comum. Eastwood argumenta que certas vezes os atores nem percebem estar sendo filmados, o que também ajuda muito na hora de filmar crianças.

São diferentes formas de trabalho. Cada diretor ou produtor terá a sua forma de trabalho. Storyboards e shot lists são facilitadores, mas não via de regra.

Escolha a forma que mais combina com você. Eu, sinceramente, não recomendo que tente de primeira viagem produzir um curta sem algum desses métodos. Para o diretor iniciante, eles ajudam a desenvolver as próprias técnicas, a própria linguagem e, também, por experiência própria: sem planejamento, vai dar problema.

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