A censura de oponentes como um negócio

Simonsen
Editora Simonsen
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10 min readNov 17, 2016

Conheça a esgotosfera

Adotei um termo carinhoso para uma legião de blogueiros sempre dispostos a escrever em favor do PT: blogosfera estatal. Ou, para os íntimos, BLOSTA. A maioria dos textos refutados neste capítulo vieram deste reduto que também já foi chamado de esgotosfera.[i] Em vários casos, esses blogs são agraciados com verbas estatais. De forma completamente desproporcional, diga-se. Você conseguirá notar que toda esta turma odeia a liberdade de imprensa. Muitos pensam ingenuamente nos blogueiros governistas como uma tropa de idealistas. A verdade está na contramão: falamos de gente que decididamente não vai com a cara da liberdade por várias razões. A principal delas é que veem na censura de opositores um grande mercado.

É essencial que eu relembre um excelente trabalho investigativo levado a cabo pelo jornalista Fernando Rodrigues.[ii] Mas por que isso é tão essencial? Quanto mais compreendemos os motivos por trás dos discursos dessa gente, mais aptos estaremos a prever seus comportamentos. Do mesmo modo, se quisermos compreender o que leva a extrema-esquerda brasileira a pensar em censura e opressão como um negócio (como realmente é), torna-se vital, antes de irmos adiante nesta argumentação, mostrar como funciona este negócio. Então, o que motiva alguns jornalistas a defender tiranias que oprimem e esmagam seres humanos e fazem a liberdade desaparecer? Grana, meus amigos.

Num belo dia, Rodrigues foi a fundo e descobriu que o governo petista gastou nada mais nada menos do que 70 milhões de reais com blogs barra-pesadíssima, especializados em promover ataques sujos, difamações cínicas, baixarias inomináveis e campanha de esgoto em favor do governo. Tudo com qual dinheiro? Com o seu, bobo.

É claro que somos obrigados a encarar aqui alguns achados aterradores, os quais nos mostram que “em catorze anos, o montante cresceu 65%”. Segundo Rodrigues, “Petrobras, Caixa e BB respondem por 86% do total gasto pelo governo federal com publicidade”. Essas três empresas estatais gastam dinheiro em quantidades torrenciais com publicações de audiência limitada na Internet. Como diz a matéria, Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal gastaram, de 2010 a 2013, a soma de R$ 17 milhões publicando anúncios em sites como “Opera Mundi”, “Dinheiro Vivo”, “Conversa Afiada” e “Carta Maior”.

Até achei estranho não encontrar os Correios no topo da lista. De resto, podemos nos perceber defronte do já tradicional aparelhamento estatal mórbido mostrando uma de suas faces mais horrendas e sórdidas.[iii] De forma resumida, este é o tipico financiamento de blogs para apoiar o governo. Geralmente eles servem como pequenas demonstrações do modo de atuação do Pravda russo.

O governo tem um nome para este tipo de publicação: “mídia técnica”. Fiéis ao hábito, eles sempre conseguem arranjar nomes bonitinhos para defender as piores depravações. No caso da tal mídia técnica, o veículo receberia as verbas de publicidade de acordo com a proporção de sua audiência. É óbvio que os critérios para definir o que se classifica como “mídia técnica” são mais obscuros que o roteiro da série Matrix.

Como se já não bastassem todas as abominações levando ao uso de dinheiro estatal para obter propaganda política em seu favor, a descoberta desta barbaridade só se tornou possível por exigência da Folha de São Paulo para que a Secom divulgasse os dados.[iv] O governo perdeu na Justiça e finalmente foi obrigado a divulgar para onde os recursos são destinados.

A sentença definitiva do Superior Tribunal de Justiça veio em 2014, com cumprimento ao final de novembro do mesmo ano. Em nível de comédia a la The Office,[v] a Secom deu a desculpa divertidíssima de “falta de pessoal” para enviar as informações de forma compreensível. Isso resultou em trabalho adicional, fazendo com que Rodrigues tivesse que planilhar todos os dados. O jornalista apurou e notou que a razão real foi a pressão das empresas estatais, que não queriam ver suas contas publicitárias apresentadas de maneira transparente.

Para que você realize o quanto esse pessoal do governo agiu desaforadamente, inicialmente a Secom disse não ter entendido corretamente a primeira decisão judicial, proferida em 2012. Todos os argumentos da Secom foram rebatidos pela advogada Taís Gasparian, que representou a Folha de São Paulo. Em seguida, o governo praticou duas chicanas jurídicas, ambas derrotadas no STJ.

Primeiro, como o pedido de informações foi feito em 2011, a Secom queria fornecer dados apenas até esse ano. Mas era óbvio que o requerimento solicitava dados até o momento mais recente. Todos os recursos governistas foram derrotados. O segundo ardil da Secom foi cumprir a decisão do STJ “se esquecendo” de informar o valor exato gasto por cada órgão do governo em publicidade com cada veículo de comunicação individualmente. Não foi por acaso que eles apresentaram os dados apenas com o valor total que cada veículo havia recebido, mas sem a informação de quem dentro de cada órgão ou entidade do governo tinha feito os pagamentos. Mais importante ainda: a Secom alegava não querer fornecer esses dados relativos às empresas estatais competindo no mercado (Banco do Brasil, Petrobras e outras) porque isso as prejudicaria perante suas concorrentes. Todo esse showzinho ridículo fracassou diante do STJ. Aliás, até hoje procuro descobrir com quem a Petrobras compete no mercado nacional de petróleo.

É importante ter em mente que sempre que você ler aqui o termo “bolivariano” saiba que ele define a extrema-esquerda latino-americana, mas não a extrema-esquerda purista. Estamos tratando de uma extrema-esquerda mais dissimulada que ao invés de tentar tomar o poder empunhando armas (como fez Fidel Castro em Cuba), busca o totalitarismo pela via da censura sutil, do uso de coletivos não eleitos, do aparelhamento estatal, da unificação das polícias, do financiamento exclusivamente público de campanha (claro, mas adivinhe quem comanda o estado) e daí por diante.

Pela maestria na dissimulação, a extrema-esquerda latino-americana é muito mais perigosa que a extrema-esquerda tradicional. Esta habilidade para criar totalitarismos como se fossem democracias de fachada os habilitou a ter modelos prontos nas mangas de suas camisas para mamar em tetas estatais a fim de financiar uma mídia para eles próprios.

Vamos a alguns detalhes direto da matéria de Rodrigues:

Tome-se o caso do site “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim. Sua audiência foi de 236 mil visitantes únicos em dezembro de 2013, ano em que recebeu R$ 618,2 mil em verbas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.

Para ter a audiência de 1 leitor por mês no site de Paulo Henrique Amorim, os dois bancos estatais juntos gastam R$ 2,60 por ano (valor de 2013).

Como comparação, tome-se o portal Terra, cuja audiência foi de 24,9 milhões de visitantes únicos em 2013, ano em que recebeu R$ 5,5 milhões de verbas publicitárias federais. Para ter 1 leitor por mês, em média, as estatais federais tiveram de pagar apenas R$ 0,22 por ano. No caso do UOL, que é o portal líder na internet brasileira, o custo para ter 1 leitor por mês cai para R$ 0,21 por ano.

Dito de outra forma, as estatais gastam cerca de 1.100% a mais para atingir um leitor no site Conversa Afiada do que em portais como o UOL ou Terra — de acordo com dados de dezembro de 2013.

Para estas situações pornográficas, a BLOSTA tem como seu principal argumento de defesa esta miséria: dizer que as grandes empresas de mídia “recebem muito mais”. Sim, mas não em termos desproporcionais, e essa é a aberração sendo denunciada.

Repare que vários destes blogs clamam desesperadamente pelo financiamento exclusivamente público de campanha. Mas essas pesquisas de Fernando Rodrigues são o melhor argumento contra a proposta. Esses blogs, financiados com o nosso dinheiro, ajudam o PMDB? Não. Ajudam o PSDB? Não. Ajudam o DEM? Não. Ajudam o PP? Não. Ajudam apenas o governo petista. Nenhum cão morde a mão que o alimenta.

Dito de outro modo, enquanto o PT tenciona fechar a torneira do financiamento privado de campanha para todos os partidos, ainda é o dono do estado. Com isso, o governo petista pode gastar nosso dinheiro em campanha suja não apenas durante as eleições, mas sempre que o desejar. Um exemplo é a BLOSTA, que os fatos apontados por Rodrigues desmascararam por completo.

É até capaz que deputados e senadores de partidos como PMDB, PP, PSDB e DEM já tenham percebido a dimensão do engodo bolivariano. Ainda assim, não custa lembrar o quanto é importante sempre questioná-los desta forma: “Ei, você já percebeu que o PT está fazendo vocês de trouxas ou a ficha ainda não caiu?”.

Com algumas variações, essa relação se repete em outros veículos digitais de audiência limitada.

Os sites do jornalista Luis Nassif (Agência Dinheiro Vivo e Jornal GGN, entre outros endereços) recebem verbas federais de publicidade desde o ano 2000. Foram R$ 3,952 milhões até 2013, segundo dados fornecidos pela Secom.

Em dezembro de 2013, os sites Advivo e Dinheiro Vivo não tiveram audiência representativa e não aparecem na ferramenta de monitoramento da Nielsen, empresa que faz esse tipo de acompanhamento. O Jornal GGN, que também hospeda Luis Nassif, registrou 279 mil visitantes únicos no último mês de 2013. Os sites onde atua o jornalista tiveram verbas publicitárias federais naquele ano de R$ 806,3 mil. Isso significa que as estatais juntas gastaram R$ 2,9 por ano para cada leitor mensal que visitou os sites de Nassif em 2013.

E aí, leitor, você topa sair escrevendo artigos insanos para justificar o injustificável? Topa perder todo e qualquer traço de honra e dignidade fazendo encenação para enganar incautos? Topa participar de máquinas de assassinatos de reputações? Para vários membros da BLOSTA, isto tudo não passa de um serviço bem remunerado, mesmo que, ao sucumbir a liberdade de imprensa, países inteiros sejam levados intencionalmente ao colapso, como ocorreu com Venezuela e Argentina. Eles não dão a mínima para a geração deliberada deste colapso, já que viverão como reis em um país socialista. Jornalistas governistas são uma elite em qualquer país totalitário.

Você ainda não está zangado com essa provocação? Quer dizer, estamos diante de algo amplificando a corrupção tradicional em termos de imoralidade. Aqui o dinheiro público não é desviado para o bolso de lobistas ou políticos da base. Ele vai para máquinas de triturar reputações de opositores. Isso ultrapassa o cúmulo da imundície moral.

No caso do Opera Mundi, dirigido pelo jornalista Breno Altman, a relação custo-benefício indica que o valor médio de um leitor por mês é de R$ 2,11 ao ano.

Sem comentários quanto ao Breno Altman.[vi] Ah, tem um sim: por que não estou surpreso?

O Carta Maior, “publicação eletrônica multimídia” que defende uma “mídia democrática no Brasil”, teve uma audiência de 100 mil visitantes únicos em dezembro de 2013. Como recebeu R$ 512 mil de empresas estatais federais naquele ano, entrega um leitor mensal ao custo de R$ 5,13.

Isso está além da desgraça moral. É podre. É vomitivo. Estes blogs ambicionam apenas uma coisa quando falam em “mídia democrática”: transformar este modelo (que hoje atende a apenas alguns destes blogs, mas não todos) no formato oficial com o qual um governo totalitário dispende dinheiro público para ter a mídia a seu favor. Quem hoje ganha dinheiro do governo por ser dono de um site da BLOSTA ou ao menos é um contribuinte assalariado, quer ganhar mais. Quem não ganha terá a chance de começar a ganhar (e muito bem) se uma “lei de mídia democrática” for aprovada. Um modelo hoje praticado pela surdina seria transformado em um método oficial para que os sicários do rei passem a receber cada vez mais verba estatal. Na Venezuela, este modelo já domina toda a mídia de larga escala. Lá o esgoto fede muito. O socialismo muitas vezes é chamado de um “engano para iludidos”. Isso é esquecer como os socialistas do poder ganham dinheiro com isso. Bobos eles definitivamente não são.

Você viu os números motivando vários dos discursos pedindo “democratização de mídia”. Então não deve ser uma surpresa para você que de lá mesmo é que vieram os argumentos mais bizarros para relativizar os ataques ao Charlie Hebdo. Para a extrema-esquerda, o ataque à liberdade de expressão é menos uma reação para atenuar os crimes de terroristas que uma forma de proteção a um ganho financeiro. Este ganho só poderá ser mantido com a noção de que é aceitável limitar a voz dos opositores. Para as mentes mais dissimuladas e perversas por trás dessas propostas, cerceamento da liberdade é um empreendimento de ótimo retorno financeiro.

Satiricamente, alguém escreveu no Facebook: “É uma injustiça dizer que os bolivarianos são contra a liberdade de expressão. Eles a apoiam 100%. Só exigem que as ideias expressas representem 100% do que eles defendem. É só uma questão de liberdade de expressão com mais ‘responsabilidade’. Muito mais democrático”.

Seria viver de ilusão achar que toda a extrema-esquerda criticando a liberdade de expressão dos cartunistas do Charlie Hebdo se limitou a blogueiros. Na verdade, toda a extrema-esquerda pensou assim. Apenas dediquei este capítulo aos blogueiros governistas para demonstrar como os mais desaforados formadores de opinião pró-PT possuem interesses, muitas vezes econômicos no cerceamento da liberdade de dissidentes. Exatamente por isso, eles não podem aceitar a ideia de que nós passemos a valorizar cada vez mais a liberdade de expressão. E é exatamente isso que devemos fazer, mesmo sob o barulho do ranger de dentes dessa gente.

[i] “’O Bebum de Rosemary’ vence a eleição que escolheu o título do livro de Lula e causou a onda de chiliques na esgotosfera”. Coluna do Augusto Nunes, 04/01/2014.

[ii] “Petrobras, BB e Caixa lideram gastos de publicidade para mídia alternativa”. Blog do Fernando Rodrigues (UOL), 17/12/2014.

[iii] Seria uma injustiça mencionar a BLOSTA como a única forma de uso de dinheiro estatal em favor de um partido. As oportunidades são intermináveis, incluindo BNDES, todas as estatais, a Lei Rouanet e daí por diante.

[iv] “Governo protelou ao máximo para fornecer dados e cumprir sentença”. Blog do Fernando Rodrigues, 17/12/2014.

[v] Série de TV com Steve Carell.

[vi] Breno Altman escreve textos inacreditavelmente toscos para o Opera Mundi. Um deles, “Neoconservadores são vanguarda liberal-fascista” é aberrante. Ali ele criou o termo “liberal-fascismo”. Detalhe que o liberal defende a fuga da opressão do estado, enquanto o fascismo defende “tudo dentro do estado, nada fora do estado”. É a verdadeira quadratura do círculo.

Este é um trecho do livro “Liberdade ou Morte”, escrito por Luciano Ayan e que pode ser adquirido com 40% de desconto neste link: http://www.ciadoslivros.com.br/liberdade-ou-morte-do-atentado-ao-charlie-hebdo-a-mais-importante-das-lutas-727596-p594602

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