O pass rush: cortando o mal pela raiz

Simonsen
Editora Simonsen
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10 min readSep 5, 2016

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Este é o capítulo 16 do Manual do Futebol Americano, escrito por Antony Curti, que será publicado ainda neste mês.

A temporada de 2007 do New England Patriots, sem sombra de dúvidas, entrou para a história. Foi a primeira temporada regular desde 1972 na qual uma equipe não perdeu nenhuma partida — ao menos não antes dos playoffs. Os Patriots, comandados por Tom Brady, pareciam imparáveis. O ataque tinha em Randy Moss uma arma em profundidade — coisa que Brady nunca tinha tido até então — e outras peças para complementar. A defesa era sólida. O técnico, Bill Belichick, um dos melhores da história.

Do outro lado, no Super Bowl XLII, o New York Giants havia entrado “pela porta dos fundos” na pós-temporada. Após perder a última partida da temporada regular justamente para os Patriots — um jogo no qual a equipe de Boston “suou” mais do que fora o costume naquele ano –, os Giants iriam à pós-temporada como Wild Card.

Ou seja, se quisesse chegar ao Super Bowl, não seria jogando em casa. Não foi. Na primeira rodada dos Playoffs derrubou o Tampa Bay Buccaneers. Depois, foi a Dallas enfrentar os Cowboys — uma das melhores equipes da Conferência Nacional naquele ano. Dallas caiu também. No frio de Green Bay, Brett Favre foi interceptado na prorrogação e depois do field goal o lado azul de Nova York havia chegado ao Super Bowl. Como zebras, obviamente. Especificamente, Las Vegas julgava em suas casas de aposta que os Giants seriam zebras por doze pontos.

Como derrubar Tom Brady? Como parar a máquina de pontos que os Patriots estavam sendo naquela temporada? Parecia uma missão impossível. Steve Spagnuolo, coordenador defensivo dos Giants, achou a solução: cortar o mal pela raiz.

Na temporada regular, Brady teve um passe para 99 jardas. No Super Bowl, nada além de 69. Na temporada regular, seu rating foi de 117,2. No Super Bowl, míseros 82,5. Na temporada regular, Brady teve média de jardas passadas por tentativa de 8,31. No Super Bowl, apenas 5,54. Na temporada regular, a média de sacks por partida foi 1,31. Só no Super Bowl… 5. Entende o que quero dizer com “cortar o mal pela raiz”?

O segredo para destronar quarterbacks — por melhor ano que eles estejam tendo — é a pressão. Foi assim que Cam Newton caiu no Super Bowl 50 ou que Joe Montana foi ao chão, machucado, na final da Conferência Nacional de 1990. Não existe remédio mais eficaz para conter o jogo aéreo do que uma coisinha chamada pass rush, o ato de pressionar o quarterback. Os cinco sacks são a estatística que mais saltam aos olhos naquela zebra imensa quer foi o Super Bowl XLII. Mas, indo atrás de estatísticas avançadas, podemos ver que foi pior do que parece. Lembra nos primeiros capítulos quando dividi o efeito do pass rush em quatro possibilidades? Não precisa voltar no livro, eu elenco aqui novamente. Ou o pass rush não produz pressão ou produz. Caso produza, pode haver sack (isto é, o quarterback derrubado para perda de jardas e com a bola na mão), hit (quando o quarterback é punido fisicamente mesmo tendo soltado a bola, havendo o knockdown quando ele vai ao chão) ou o hurry, quando a pressão faz com que o quarterback se livre da bola antes de seu desejo consciente.

A questão é muito simples. Imagine que você está numa sala de cirurgia e o médico está calmamente com o bisturi cortando um paciente no procedimento padrão. Tudo vai bem, ele sabe o que está fazendo e está confiante. Agora adicione um terremoto a essa situação. O efeito é parecido com o de um bom pass rush na NFL.

Um pass rush fraco significa pressão na secundária — porque o cirurgião/quarterback vai ter mais tempo para fazer a operação e dissecar a defesa. Pressão nos defensive backs significa que os linebackers vão ter que ajudar na cobertura do passe, o que implica numa defesa mais fraca contra a corrida — jamais esqueça que os recursos alocados pela defesa são limitados. Ao mesmo tempo, se a linha defensiva estiver fazendo um trabalho pífio na contenção terrestre, isso pode significar que os linebackers ou o strong safety tenha que focar mais na contenção terrestre — e mais pressão nos defensive backs. O primeiro setor de defesa não chama primeiro a toa. É, de fato, a espinha dorsal da defesa, o que lhe dá sustentação. Se ela ruir, rui tudo.

Agora imagine o caso acima com o pass rush forte, sobretudo aquele sem blitz — isto é, apenas quatro homens, no máximo, pressionando o quarterback. Este terá que passar de modo apressado e em situações nas quais não teria eficiência máxima. Isso vai gerar erros — fumbles, interceptações, passes errados. O Super Bowl 50 te lembra algo?

Para o pass rusher, mesmo que o quarterback consiga soltar a bola, a punição física é essencial. Não por jogar sujo — é possível jogar dentro das regras e punir o quarterback. Mas porque o jogo é, também, um jogo mental. O pass rusher tem que se fazer presente, tem que lembrar o quarterback que ele está ali. Isso, por si só — esse pânico da presença e da punição física que pode acontecer a qualquer momento — pode fazer com que o signal caller fraqueje. A unidade ofensiva tem como baluarte o controle, a cadência. Se você tirar isso de seu líder, você lhe tira a alma.

O termo sack não se fez presente desde sempre no futebol americano, seja ele profissional ou não. Até 1983, a NFL reconhecia apenas o termo “tackle, tentando passe” e apenas para os quarterbacks. É por isso que você não ouve falar tanto quanto deveria de pass rushers até o final da década de 1980.

Muitos termos foram tentados para descrever a jogada. O que ficou foi cunhado por Deacon Jones, defensive end que talvez tenha sido o primeiro grande pass rusher na NFL, ao final dos anos 1960. “Eu surgi com o termo sack para descrever a devastação que eu estava trazendo ao pobre quarterback. Saqueie (sack) o quarterback. Era legal. Achava bem melhor do que dizer “Jones faz tackle no quarterback atrás da linha para outra perda de jarda…”

Sack em inglês significa saque, aquele realizado em guerras. A pilhagem de uma cidade capturada por seus conquistadores. O saque de Roma, de Cartago, uns duzentos em Game of Thrones… ou um dos seis que Cam Newton sofreu no Super Bowl 50.

Mas, como disse acima, há muito mais do que o sack. Existem as hurries e os hits — os quais não acabam sendo estatísticas comuns e populares –, que contam bastante a história de um jogo. Até porque, convenhamos, é bem mais difícil ver se o passe foi apressado se compararmos essa situação com a grande estrela do jogo indo ao chão para comer grama.

Talvez você ainda duvide da necessidade do pass rush. Então vamos às estatísticas gerais da NFL, as estatísticas referentes aos times. Dos dez times com mais sacks na temporada de 2015, apenas o Detroit Lions não foi aos playoffs. É uma estatística que fala por si só.

A questão do pass rush não faz referência apenas a forçar erros dos quarterbacks e de fazer a vida da secundária mais fácil. Mas porque evita viradas ao final das partidas. Não é segredo para ninguém que a NFL é uma das ligas mais competitivas do mundo — com muitos jogos sendo decididos no último quarto. Se você não é capaz de pressionar o quarterback adversário ao final do jogo, pode ter certeza que ele vai operar uma virada. “Um pass rush, ao final do jogo, é essencial na NFL”. As palavras poderiam ser ditas hoje, com a liga cada vez mais aérea. Mas foram ditas por Bill Walsh, técnico dos 49ers nos anos 1980.

Em analogia, é como uma luta de boxe. Em seu Thinking Man Guide to Pro Football, o genial Paul Zimmerman comenta o mesmo: “Às vezes você vê uma luta de boxe no qual, por sete ou oito rounds, a zebra consegue se postar melhor. Você até acha que ele vai vencer, mas no final o favorito lhe pega. O pass rush pode ser bem como isso, Pressão constante por parte de um grupo superior de atletas pode fazer com que um bloqueador fique cansado. Se ele assim ficar, ele não conseguirá fazer nada no último quarto”.

Mas não foi sempre assim. A necessidade de pressão começou a se revelar quando a NFL interviu nas regras em 1978. As raias de passe ficaram abertas, dado que os defensores não poderiam mais punir os recebedores ao longo da rota.

O primeiro efeito negativo foi para o Pittsburgh Steelers, reinado absoluto da década de 1970. Não era a secundária que fazia aquela defesa tão forte — era, principalmente, seu pass rush. Quando o total de sacks caiu de 49 em 1979 (quando foram campeões da NFL) para 18 em 1980, o reinado acabou. Isso fez com que uma luz amarela se acendesse em toda a liga. Como um time como aquele poderia perder eficiência assim?

Imediatamente no ano seguinte, os Giants procuraram reforçar seu pass rush. No primeiro treinamento antes da temporada em 1981, Lawrence Taylor sacou o quarterback por 4 vezes. Em um treino de 45 minutos. Com um exército de um homem só, o pass rush começaria a mostrar sua importância como medida eficaz para deter o jogo aéreo em ascensão. Como disse anteriormente, em cortar o mal pela raiz. É até irônico lembrar que o técnico de linebackers — e, por tabela, de Taylor — naquele ano para os Giants se chamava Bill Belichick. O monstro que ele ajudou a criar derrubou sua temporada perfeita 26 anos depois.

Após o surgimento de Lawrence Taylor como potência e exército de um homem só, os Bears apareceram com a 46 defense — ao que chamo de Era de Ouro do pass rush. Completamente predicada num princípio básico: fazer a vida do quarterback um verdadeiro inferno e lotar o box de jogadores físicos que iriam para cima do signal caller como nunca. A média de sacks por jogo (por equipe, claro) saiu de 2,28 em 1981 para 2,93 com os Bears e Taylor.

Percebendo a necessidade de pressionar o quarterback, outras equipes perceberam que seria necessário um Lawrence Taylor para chamar de seu. Ainda mais depois que ele foi eleito o MVP da NFL em 1986 — última vez que um jogador defensivo conseguiu tal feito — com seus 20,5 sacks. Os Giants terminaram com catorze vitórias naquela temporada — muito porque os times adversários não conseguiram pontuar. No Super Bowl, John Elway teve correr pela vida e os Broncos foram amassados.

O efeito na segunda metade da década de 1980 foi óbvio. Como diagnosticar novas tendências na liga? Pelo Draft. Os Bills escolheram Bruce Smith com a primeira escolha geral do draft de 1985. Acabou sendo uma ótima escolha, até porque ele é o recordista de sacks totais na carreira — 200. Além dele, outros nomes foram “escavados” no Draft — sejam em rodadas altas ou não. A ciência de encontrar um bom pass rusher é uma das mais difíceis para os olheiros. Charles Haley, com 100 quilos na época do Draft de 1986, jogara como inside linebacker no College mas foi achado e utilizado como pass rusher por San Francisco — tendo sido escolhido apenas na quarta rodada. Foi elemento essencial nas conquistas do Super Bowl em 1989 e 1990 — atuando como defensive end. Depois, em 1992, foi trocado para Dallas. Jerry Jones, dono da franquia do Texas, à época disse que ele era a peça que faltava no quebra-cabeça dos Cowboys. Foi. Ganhou mais três Super Bowls com eles.

Todo esse foco em pass rush — e sucesso defensivo — fez comm que os ataques começassem a se adaptar. Talvez a última grande defesa do período — também predicada no pass rush, com a dupla Reggie White e Clyde Simmons na linha — foi a dos Eagles em 1991. A unidade defensiva carregou os Eagles nas costas após Randall Cunningham, quarterback titular, se machucara na primeira partida da temporada. Não acabou sendo o suficiente para ir aos playoffs — com ele em campo, só Deus sabe o que teria sido de Philadelphia naquele ano (provavelmente teriam ido para o Super Bowl ou ao menos final de Conferência).

A década de 1990 marcou um ajuste ofensivo que se opera até hoje. É até engraçado isso, porque geralmente as defesas se adaptam aos ataques para lhes neutralizar. Naquele momento histórico, os ataques que tiveram que se adaptar.

Isso veio da necessidade. Se você acha que em 2015 houve muitos quarterbacks titulares sofrendo contusões, é porque não viu o auge da Era de Ouro. Os quarterbacks perderam partidas como nunca.

Para solucionar o problema da defesa chegar no quarterback, as unidades ofensivas começaram a pensar em formas de não deixar isso acontecer. É notório como o pass rush é um jogo de gato e rato. A defesa melhorou o pass rush para não deixar o ataque ter tempo para passar em profundidade. O ataque, então, limitou o tempo com o qual seu líder tinha a bola em mãos para não deixar o pass rush chegar nele.

Os ataques, então, começaram a operar cada vez mais com passes curtos — que eram realizados antes do pass rusher sequer pensar em chegar ao quarterback. 3 step drop virou a regra e, por relação, a porcentagem de passes completos subiu — 57,5% em 1992, o que era a maior da história. A média de jardas por tentativa de passe, porém, caiu — 5,76 no período.

Desde então — isto é, desde a especialização do pass rush como arma e mais eficiente instrumento defensivo — os ataques raramente se postam em 7 step drops e rotas longuíssimas. Quem tentou, falhou — como o Houston Oilers na década de 1990 com seu run n shoot.

O segredo do jogo virou o conjunto 11 para o ataque com passes para running backs e tight ends se houvesse blitz. Para a defesa, blitz pontuais e cornerbacks que consigam vencer o duelo contra o split end. Falando em duelo na secundária, este é o tema do próximo capítulo.

Antony Curti é editor-chefe do site Pro Football e comentarista da ESPN.

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