Os palhaços

Simonsen
Editora Simonsen
Published in
3 min readNov 7, 2016

Um trecho de “Condado Macabro”

Na praça central, os palhaços já devidamente maquiados e prontos para entreter o pequeno público que os rodeava, clamavam a atenção dos presentes para sua apresentação.

— Vamos lá, pessoal! Vai começar o show! — gritava Cangaço a plenos pulmões enquanto Bola 8 apertava insistentemente a buzina.

Poucas pessoas paravam para prestigiá-los. Apenas alguns desocupados que caminhavam pelo centro, idosos que abandonavam a mesmice de suas partidas de damas ou pais com suas crianças.

Cangaço deu uma estrela que lhe estalou as costas e começou a cantarolar a música tema que embalava o espetáculo de rua.

“Pra cagar, cagar…

Cagar de tanto rir.

Cangaço e Bola 8

estão aqui.”

Bola 8 puxava os aplausos enquanto o protagonista da apresentação fazia malabarismos com bolas coloridas de silicone chamando o público para uma interação musical.

— Pompeu, Pompeu… — ele declamava.

Tua mãe morreu. — o coro respondia.

— A cabeça do Euclides…

O urubu comeu.

O leque de truques era escasso, porém impressionante aos pequenos que nunca tinham visto um homem se equilibrar em duas pernas-de-pau. O palhaço coadjuvante caminhava entre o povo, oferecendo balões à criançada e fazendo graça com os adultos que se divertiam quando ele intencionalmente se esbarrava como um tolo desastrado.

Longe do centro, dentro de uma Belina velha caindo aos pedaços, Cangaço conferia a quantidade de dinheiro em uma das diversas carteiras que Bola 8 roubara durante a apresentação.

— Mixaria da porra! — arremessou-a no chão do carro, junto às várias outras e puxou um cigarro da orelha. — Só tem pobre na desgraça dessa cidade.

— E não está bom?

— “Está bom”? — riscou um fósforo para acender o fumo e o jogou pela janela. — Não dá nem pra comprar gasolina pra encher o tanque.

— Ah, mas a gente pode fazer outro — amenizou, com um sorriso radiante.

— Fazer outro o quê?

— Outro show.

— “Fazer outro show”… Tua mãe te deixou cair de cabeça no chão, né, ô, palerma?!

— Não lembro. Se foi, faz tempo…

— Deixa de ser abobado, porra! — indignou-se com o raciocínio lento do colega. — A gente vai fazer outro show aqui? Nessa cidade?

— Ah, pode ser na mesma praça de ontem. Ou… ou… na rodoviária como na semana passada — empolgou-se. — Foi bom lá. Comemos até frango.

— Ah, é? — desmereceu a ingenuidade do comparsa. — E tu vai falar o que pro sujeito que aparecer com a polícia dizendo que foi roubado? Vai fazer gracinha? Vai fazer show?

Bola 8 não tinha resposta. O entusiasmo quase infantil que lhe brilhara os olhos foi se transformando em desilusão e seus lábios desenharam o mesmo sorriso triste pintado no rosto.

— A gente tem que se mandar daqui, Bola! — Cangaço apoiou a cabeça no banco, desiludido. — Aqui não tem lugar pra gente dar mais o golpe não.

Os dois ficaram em silêncio. O palhaço imbecil remoía calado a negativa de sua sugestão, mas o golpista se esforçava para encontrar alguma saída para aquela situação. Foi quando uma lembrança recente o fez erguer novamente o tronco.

— O carro! — arrepiou-se.

— Onde? — o comparsa olhou assustado para os lados.

— Bola! Onde é que a playboyzada que te trouxe aqui estava indo?

O palhaço gordo se voltou para o amigo, sem entender a razão da pergunta.

— Acho que sei um jeito de a gente ganhar uma grana agora — completou Cangaço, dando um contorno mais maldoso ao sorriso vermelho pintado em seu rosto.

Marcos DeBrito é cineasta e roteirista com mais de 30 prêmios no currículo. Seu romance À Sombra da Lua (Editora Rocco) marcou sua estreia na literatura, com fortes influências de Edgar Allan Poe e Álvares de Azevedo, além de, naturalmente, beber no que há de melhor do cinema de terror. Condado Macabro é seu primeiro longa-metragem, transformado em romance e publicado pela editora Simonsen, que pode ser adquirido clicando-se na imagem abaixo.

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