Quem suportaria uma vida inteira de prazeres?

Simonsen
Editora Simonsen
Published in
3 min readNov 16, 2016

Por Tiago Amorim

A busca frenética pelo prazer é um dos elementos que nos desinstalam da vida, aproximando-nos da fantasmagoria, tornando-nos reféns existenciais. Pense no seguinte: quem suportaria viver uma vida inteira de prazeres? A todo momento, em toda intensidade, apenas prazer, prazer, prazer? Gozo sem limites? Eu respondo: ninguém agüentaria isso. Sexo pode proporcionar prazer, e por isso gostamos de praticá-lo. Entretanto, tente imaginar a prática sexual constante, quase ininterrupta por dias. Ainda seria prazeroso? Existe ou não um “limite” desde o qual o prazer pode se tornar dor? Isto se aplica a comer, viajar, conversar com gente boa: todas essas atividades prazerosas, se levadas às últimas conseqüências e praticadas desmedidamente terão conseqüências contrárias das desejadas, causarão desconforto, incômodo, dor ou problema.

O que precisa ficar claro é que o prazer é um componente importante da vida humana e pode aliviar as tensões da existência que, estruturalmente falando, é condicionada pela imperfeição, incompletude, insatisfação, esforço etc. Não precisamos concordar com Kierkegaard ou Nietzsche, que por motivos diferentes afirmavam que a vida era desespero e fim. Não estou aqui concordando com eles ou subscrevendo suas defesas da vida após a morte como única aprazível, ou do super-homem como único tipo suficientemente forte para seguir vivendo no mundo.

Não, eu não vejo o mundo como vale de lágrimas — não neste sentido. Pelo contrário, vejo-o como criação Divina, desejado por Deus e única fonte material com a qual ajo para salvar minha vida.

Sim, é contingente, limitado e sem a plenitude dos céus. Mas é o mundo que me foi dado para realizar minha promessa e conquistar a eternidade.

Nossa condição, para falar de modo cristão, é a de mendigos (“O homem é o mendigo de Deus”, afirmou Santo Agostinho): como tal, confiamos na promessa de que nos basta Sua graça. Temos o que precisamos para, tropeçando neste mundo e dele extraindo as matérias da vida, escrever nossas histórias pessoais de modo a merecer a plenitude.

Isso é bem diferente da posição passiva dos reféns que esperam gratuitamente que apenas o agradável lhes aconteça. O mesmo José Ortega y Gasset dissera que “a vida é feita do que eu faço e do que me acontece”; portanto, há uma dimensão ativa, inquisidora e producente que nos impele a fazer, eleger, decidir e antecipar nossas trajetórias. Outra dimensão passiva, sim, mas apenas naquilo que não lhe compete decidir, eleger ou antecipar: naquilo que se lhe impõe pedir para receber, como a figura do mendigo. É uma passividade, no caso, não estática: mesmo em aparente repouso está em movimento. O mendigo inclina-se em direção ao senhor e vai ao seu encontro, reclamando seus direitos legítimos herdados na promessa.

Pedi e recebereis.

É o que precisamos recuperar, a fim de salvarmos nossas substâncias pessoais e podermos arguir existencialmente a favor de nossa felicidade: o mundo tem de ser absorvido de modo ativo, virtuoso e autoral, ao mesmo tempo em que toda a alegria, bem e graças possivelmente dispensadas a cada um sejam recebidos como cumprimento de uma grande promessa. É a delicada tensão entre força e suavidade, atividade e docilidade: elas não se excluem, mas só andam juntas numa alma que sabe de sua própria condição e deposita as esperanças mendicantes num Promissor verdadeiro.

Ou isto, ou antidepressivos.

Tiago Amorim é paranaense, casado e pai de dois filhos. Bacharel em Direito e psicopedagogo, atua na área da educação há mais de dez anos. Já lecionou em diversas instituições privadas e atualmente desenvolve um trabalho autônomo que pode ser conhecido em seu website (avidahumana.com.br). Estudioso da Antropologia Filosófica, especializou-se na Escola de Madri — movimento intelectual iniciado por José Ortega y Gasset no século XX. Considera-se um seguidor de Julián Marias, o pensador mais influente em sua vida.

Este é um trecho de “Por Que Não Somos Felizes?”, escrito por Tiago Amorim e publicado pela editora Simonsen, que pode ser adquirido nas melhores livrarias, e clicando na imagem abaixo.

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