Camalote: a capa verde do Guadiana

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sinalAberto
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7 min readJun 4, 2018

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Por Lupe Rangel

“Você é como o Guadiana” é um ditado popular espanhol para dizer que alguém ou algo aparece e desaparece à vontade e sem aviso prévio. Justamente aí, no Guadiana, apareceu em 2004 uma planta tropical, que cobre de verde uma grande parte do rio. É o camalote, também conhecido por jacinto-de-água, e que já colonizou cerca de 150 quilómetros do percurso do rio, desde a foz do rio Zújar, o mais caudaloso afluente do Guadiana, até ao rio Caia.

O problema é tão sério e preocupante, que a União Europeia já aceitou apoiar, num montante de 5,5 milhões de euros, o projeto ACECA, “Actuaciones para el Control y Eliminación del Camalote en el tramo transfroonterizo del río Guadiana”, tendo em vista desenvolver um Plano Integral de luta contra o camalote. Este Plano Integral inclui a retirada desta espécie invasora mediante extração por meios mecânicos e humanos; intervenções de contenção; controlo e vigilância para evitar a dispersão da planta; ações de coordenação conjunta entre as administrações de Portugal e Espanha; e também trabalhos de análise, estudos e investigação para tentar erradicá-lo. Ao todo, desde que a planta começou há mais de uma década a espalhar-se pelo Guadiana, já foram gastos cerca de 30 milhões de euros na tentativa de diminuir os efeitos nefastos que ela representa para todo aquele ecossistema.

O nome científico desta espécie aquática flutuante é Eichhornia crassipes e caracteriza-se por ter grandes folhas gordas ovais de cor verde brilhante e flores roxas. A planta encontrou no Guadiana as condições ambientais mais favoráveis para a sua explosão populacional como sejam os altos níveis de iluminação, elevadas temperaturas e água com elevado teor de nutrientes.

O problema desta planta é que ao espalhar-se pela massa de água altera as condições físicas e químicas do rio e afecta o habitat fluvial. Também tem incidência na qualidade da água porque, ao impedir a entrada de luz, baixa o nível de oxígénio para os organismos aquáticos. Além disso, o camalote está em concorrência com outras plantas aquáticas autóctones e, no caso de deixá-lo apodrecer na água, a decomposição gera uma grande quantidade de matéria orgânica que prejudica a qualidade da água. Por outro lado, ao ser uma massa compacta torna difícil a circulação da água e, no caso de cheias, pode obstruir algumas infraestruturas e dar origem a inundações. Outro problema do camalote no Guadiana é que interfere com outras utilizações como são a pesca, o banho ou a navegação. Paralelamente, pode gerar um habitat estranho e bom para o desenvolvimento de organismos patogénicos ou vectores de doenças como podem ser a aparição de mosquitos e outros insetos. A única coisa que o camalote tem a seu favor, o que não quer dizer que não seja preciso erradicá-lo, é que elimina os metais pesados que haja na água, porque são absorvidos e utilizados pela planta para o seu crescimento. Aliás, a planta cresce rapidamente e no caso de ter as condicões ótimas pode dobrar a sua população numa semana. Por conseguinte, o camalote foi incluído no Catálogo Español de Especies Exóticas Invasoras, de acordo com o establecido no Real Decreto 630/2013.

Uma luta que não cesa

O camalote é 95% água e apenas cinco por cento massa vegetal, principalmente de fibra; logo, não tem qualquer utilidade para alimentação animal. O único animal que o come é o manatim, uma espécie similar às focas que mora no Amazonas. Precisamente con esse nome, Manatí I, tem sido batizada a colhedeira que trabalha nas águas do Guadiana para retirar o camalote, uma barca com um comprimento de quatorze metros e capaz de armazenar mais de seis toneladas numa única carga.

No entanto, o problema desta colhedeira é que não pode aceder a todos os pontos do rio pejados de camalote, porque ela necessita de oitenta centímetros de profundidade para navegar. Isso torna impossível recolher as plantas que se acumulam nas margens do Guadiana, trabalho que é preciso fazer com outras máquinas. Então, para poder agir nas zonas onde há água com pouco calado, é preciso utilizar máquinas anfíbias e, nos pontos de escassa profundidade, o camalote é tirado pelos operários em pequenas embarcações.

A planta apareceu pela primeira vez em 2004 na foz do rio Ortiga, ao lado de Medellín (Badajoz). Desconhece-se, no entanto, de que modo o jacinto-de-água foi parar ao rio Guadiana, embora se fale na hipótese de que pode ter sido por abandono de plantas em cursos de água. Até lá, o camalote era uma planta desconhecida. Porém, em 2005, quando houve uma explosão que alarmou toda gente, deram-se início às primeiras medidas para tirar o camalote. “Desde que começamos em 2005 até agora foram tiradas cerca de 690 mil toneladas de camalote e, atualmente, há cerca de 90 pessoas a trabalhar na sua retirada”, confirma José Martínez, presidente da Confederación Hidrográfica del Guadiana. (CHG). Por outro lado, salienta que estão a serem instaladas, a título experimental, limpa-grades em determinadas áreas do rio.

A retirada consiste em aproximar a massa de camalote para a margem, através das embarcações; uma vez lá, as máquinas tiram-no e o levam-no para zonas mais afastadas do leito do rio, para secar. “Estamos a fazer outro teste através de fornos para queimar os resíduos uma vez terem sido dessecados e assim queimar as sementes, que têm um período de vida bastante longo” indica o presidente da CHG. Evitar danificar a irrigação foi um dos principais objectivos, pelo que uma das primeiras medidas adoptadas para lutar contra o camalote foi colocar grades na entrada dos canais de Montijo e Lobón, que eram as zonas mais prováveis de serem atingidas pelo jacinto-de-água. “Isso foi a primeira coisa que fizemos” afirma Martínez, sublinhando que, agora, “os agricultores estão avisados e procuram, na medida do possível, pôr alguns dispositivos para impedir que o ponto de extracção da água para a irrigação das suas explorações seja entravado”.

Outra das acções da Confederación Hidrográfica del Guadiana tem sido promover, em conjunto con a Agência portuguesa do Ambiente, EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S.A.) e a Consejería de Medio Ambiente, Políticas Agrarias y Territorio da Junta de Extremadura, um projeto financiado por INTERREG (Programa de Cooperación Interregional) para minimizar os efeitos do camalote no troço transfronteiriço entre a barragem de Alqueva, em Portugal, e a de Montijo, em Espaha, perto de Mérida.

Não agir nessas zonas pode constituir graves prejuízos sobre a agricultura e o turismo. Caso o camalote se venha a espalhar pela barragem de Alqueva, os prejuízos no turismo iam ser muito grandes porque ele representa, hoje, uma das principais fontes de rendimento e de desenvolvimento económico e social do Alentejo. “Estamos em contacto com Portugal para que na eventualidade de uma incidência, estar alerta, retirá-lo e evitar um possível aparecimento de camalote na barragem de Alqueva” diz Martínez.

No entanto, assinala o presidente da CHG, “acabar definitivamente com o camalote vai ser muito difícil” dado que “uma vez que uma espécie invasora é introduzida, eliminá-la cem por cento é quase impossível porque sempre pode ficar escondida alguma planta entre os juncos e, se se derem as condições adequadas, reproduzir-se novamente”. Por isso destaca que “o ideal é controlar a situação; e, se se detectar que há alguma nódoa, eliminá-la na medida do possível, para evitar que o florescimento seja exponencial”.

A baixas temperaturas a planta não se reproduz, o que explica que nos países nórdicos esteja reconhecida como ornamental, porque as suas flores são muito vistosas. Nos meses frios, na Extremadura “tentamos tirar mais massa vegetal da que se regenera. Tentamos que seja de forma contínua, mas dependemos da disponibilidade económica” assinala Martínez, que acentua que até hoje “foram investidos cerca de trinta milhões de euros”.

Nesta matéria, a Plataforma Salvemos el Guadiana reuniu-se há pouco tempo com a Fiscalía de Medio Ambiente de Badajoz para solicitar uma justificação de todas as rubricas orçamentais destinadas à luta contra o camalote porque, na sua opinião, as medidas têm sido “pouco eficazes” e “o jeito de trabalhar não está a ser a mais eficaz”.

A presidenta do coletivo, Corinne Martínez, diz que entre as tarefas do grupo também está a “sensibilização para a importância da recuperação integral do rio Guadiana”. Além disso, a Plataforma está a trabalhar com outras associações, indireta ou diretamente afectadas. Uma delas é a Plataforma Ciudadana SOS Guadiana, con sede em Medellín. Essa Plataforma, não partidária, nasceu de um movimento social de bairro e pretende ser uma resposta às preocupações da população pela invasão do camalote no rio e “à inação das instituições na matéria”. Assím, Susana Cortés, porta-voz da Plataforma, assinala que “a principal motivação era evidenciar a situação e intervir como elemento de pressão para resolver o problema”.

Entre as áreas de trabalho das duas plataformas destacam-se as redes sociais. Atualmente têm milhares de seguidores no Facebook. E é precisamente lá, nas redes sociais, onde muita gente fala, discute e troca informações com #StopCamalote e #SOSGuadiana, para reivindicar um rio limpo de camalote.

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