É preciso dar nome aos bois
Colunista Bruno Boghossian é corajoso ao usar termos claros em sua análise do primeiro discurso de Bolsonaro pós-derrota nas urnas
Por Isabella Figueiredo, Jacy Fernandes e Patrícia Vilas Boas
No texto opinativo de um dos jornalistas da Folha de S.Paulo, intitulado “Bolsonaro mede palavras para manter golpismo vivo enquanto busca proteção”, o colunista Bruno Boghossian é assertivo na escolha de suas palavras e contundente ao analisar frase a frase a primeira aparição pública do então presidente Jair Bolsonaro desde que perdeu o segundo turno para o presidente agora eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Boghossian explica que o discurso de Bolsonaro pode ser lido por dois direcionamentos principais — a não condenação do golpismo de seus seguidores e a tentativa de permanecer influente na direita. Para esses dois pontos, o autor mostra em quais palavras podemos encontrar as entrelinhas: quando Bolsonaro diz que há uma “indignação e sentimento de injustiça” a respeito do processo eleitoral por seus apoiadores que estão nas ruas contestando o resultado das eleições, além de não desautorizar as atitudes de seu eleitorado insatisfeito — o que certamente deveria fazer para conter os protestos anti-democráticos que se dão nas estradas ao redor do país e seus agravantes — , ele ainda endossa que esse comportamento teria algum fundamento pelo uso da palavra “injustiça”, sem sequer explicar o que essa colocação significa, ou fundamentá-la.
Além disso, o colunista diz que, na verdade, Bolsonaro, ao medir as palavras, contribui para deslegitimar a vitória do adversário. Ele ainda aponta a breve duração do discurso de Jair que, “quebrou um silêncio de mais de 40 horas com uma declaração de 2 minutos”. O autor também dá atenção ao recorte ideológico na fala de Jair, que alfineta uma comum concepção a respeito da esquerda, ao que o colunista destaca que “ele chegou a se incluir entre os apoiadores ao usar a primeira pessoa do plural: ‘Os nossos métodos não podem ser os da esquerda’”, deixando subentendido que a baderna vista nas ruas seria característica de seus adversários. Nisso, Bolsonaro não condena as manifestações e deixa impune a pauta golpista, segundo o colunista.
O jornalista da Folha escreve que “não houve tentativa de disfarçar esse propósito”, mostrando que o posicionamento de Bolsonaro foi claro e que as suas omissões também. Fala que Jair acena à direita, e tenta manter sua continuidade nela, ao considerar que defende a liberdade econômica e, mais ainda, acena ao sentimento patriótico confuso e contraditório dos dias atuais, por defender “as cores verde e amarela”. Dessa forma, na problemática atualíssima da cobertura jornalística a respeito da insuficiência em nomear as coisas, principalmente quando se tratam de mentiras, desinformação e crimes, a abordagem textual do colunista Bruno Boghossian se mostra corajosa ao nomear com precisão a interpretação do discurso de Bolsonaro e não apenas uma análise distanciada e que “repassa” o que foi dito.
Para além de uma responsabilidade cívica e jurídica, nomearmos os fatos tais como são é uma responsabilidade jornalística no trato com a verdade e, assim, assumir uma postura combativa a mentiras, à falta de provas em acusações e colocações superficiais e à relativização dos fatos; por exemplo, a escolha do uso do termo golpismo pelo colunista evita segundas interpretações equivocadas aos acontecimentos, chamar de manifestações e protestos não é suficiente. É preciso dar nome aos bois. Quando o resultado de eleições democráticas são contestados, trata-se de uma postura golpista, que não reconhece a vontade do povo, da maioria, isto é, da democracia. A abordagem nomeadora certamente deve se expandir para os textos noticiosos, o que contribuiria para o combate ativo às notícias falsas, a uma maior clareza dos fatos e da interpretação dos fatos, lendo-os tais como são e como se dão, sem subjetividade ou relativização, apenas por meio do que se pode ver, ouvir e ler. Nomear as coisas talvez nos resgate dessa escuridão de significação — de todos os significados e significantes.