'13 Reasons Why': a linha tênue entre a ficção e a realidade

Pri Cavallaro
singular&plural
Published in
4 min readMay 29, 2018

Até onde um conteúdo produzido para entretenimento pode afetar a vida real?

Por Marcella Bellotti e Priscila Cavallaro

A segunda temporada da série “13 Reasons Why” foi ao ar dia 18 de maio de 2018 na Netflix e trouxe com ela ainda mais polêmicas que a primeira temporada, exibida em 2017. Baseada no livro de Jay Asher com o mesmo nome, a primeira temporada chocou os telespectadores com cenas fortes de abuso e suicídio juvenil, além de abordar o bullying nas escolas e suas consequências para os adolescentes. A série foi considerada irresponsável pelo público por romantizar o suicídio e serviços de prevenção de suicídio de vários países se manifestaram contra a série.

No Brasil, dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que o índice de suicídios cresceu muito entre 2011 e 2015, sendo a quarta maior causa de jovens de 15 a 29 anos. Em 2011, foram 10.490 mortes (5,3 a cada 100 mil habitantes) e em 2015, chegou a 11.736 (5,7 a cada 100 mil habitantes), informa o SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade). Mas foi apenas em setembro de 2017 que o governo criou um Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio e disponibilizou ligações gratuitas ao Centro de Valorização da Vida, iniciativas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para diminuir o número de suicídios em até 10% até 2020.

Até que ponto a viralização da série “13 reasons why” e a polêmica trazida com ela influenciou o governo a, finalmente, criar um Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio? Será que a série abriu os olhos da OMS para questões antes não abordadas ou assustou perante as possíveis consequências?

A segunda temporada gerou ainda mais polêmica e ainda menos tempo. O foco de preocupação agora é uma cena de estupro e uma trama envolvendo um tiroteio na escola. O Parents Television Council, uma associação de pais ligada a católicos conservadores, defende a censura da série por considerar o conteúdo “potencialmente nocivo”.

Um dos personagens (Tyler Down), vítima de bullying, decide promover um massacre contra os colegas da escola fictícia Liberty High School e é impedido pelos próprios estudantes. Para os especialistas, a cena é nociva por apresentar uma forma perigosa de agir em uma situação desse tipo. Além disso, o mesmo estudante é atacado, ferido e sofre um estupro anal antes de planejar o tiroteio.

Infelizmente, sabe-se que este tipo de crime não é tão incomum hoje em dia, basta acompanhar ao programa do Datena, por exemplo, para ouvir diversas histórias semelhantes. Porém, até mesmo o Brasil Urgente preserva alguns fatos em suas reportagens. Por que expor cenas tão fortes em uma série de alcance mundial?

O criador da série, Brian Yorkey, alega que as cenas foram tão explícitas devido ao conceito de “empatia radical”, ou seja, as cenas eram necessárias para fazer com que o telespectador sentisse empatia por alguém tão “diferente”.

Mas a forma interessante é como essas informações chegam aos telespectadores. As críticas da série ganham um ar tendencioso em defesa ou ao ataque das polêmicas de acordo com o público alvo de cada meio de comunicação.

A crítica da segunda temporada feita por Rafael Gonzaga, no site Omelete, cujo público alvo é, em sua maioria, jovem, diz:

“13 Reasons Why segue fiel a sua missão de expor um retrato cru e indigesto dos problemas vividos por adolescentes no ambiente escolar. A série não desvia a câmera em momento nenhum, seja para mostrar a cena brutal de violência vivida por Tyler dentro do banheiro, seja para mostrar cada pequeno motivo que leva os alunos a não terem confiança nas entidades cujo propósito deveria ser protegê-los. Em sua segunda temporada, a série consegue se libertar de Hannah de forma orgânica e delicada, deixando no passado os questionamentos sobre uma nova temporada ser ou não válida. Ainda que tenha plantado uma tensão que não se concretizou em seus momentos finais, 13 Reasons Why não só deixa questões importantes em aberto como aperta os laços entre o público e seus personagens com força suficiente para fazer com que os espectadores desejem vê-los de volta em um terceiro ano.”

Já na crítica feito por O Globo, cujo público alvo tende a ser mais adulto, outra forma de enxergar o conteúdo da série é exposta:

“A segunda temporada de “13 reasons why” já desperta tanta polêmica quanto a primeira. Se no seu ano de estreia, a forma como a série da Netflix abordou o suicídio juvenil foi foco de preocupação, agora uma cena de estupro e uma trama envolvendo um tiroteio na escola levantam controvérsias.”

O principal questionamento é: até que ponto a sociedade está preparada para lidar com as cenas apresentadas pela série? Até que ponto os jovens não irão se espelhar nos personagens da ficção? O papel da mídia deveria ser o de intermediador neste tipo de situação. O intuito de mostrar a realidade é válido, mas até que ponto essa romantização pode perder o sentido e se transformar em um incentivo para pessoas que já estejam pré dispostas à essas situações? A linha é tênue e deve ser respeitada, pois trata-se de um assunto que pode servir como gatilho para diversas pessoas, principalmente para um público tão jovem.

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