A comédia em detrimento da informação

Everton Pires
singular&plural
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5 min readMar 26, 2018
Reprodução-ESPN.com.br

Por Everton Pires, Felipe Bambace e Philipe Alves

O povo brasileiro vive imergido no mundo do jornalismo esportivo. E, cada vez mais, a procura por programas do segmento tem a finalidade de entretenimento, e não o fim informativo.

O fetiche pelo futebol, aliado pela gradual adesão de ex-jogadores ao universo televisivo esportivo, transformou os programas esportivos em uma conversa de boteco, ou na língua dos boleiros, uma “resenha” de vestiário pós-jogo.

“Pode-se dizer que a última década é marcada pela mudança de “orientação” da maneira pela qual uma notícia sobre esporte é transmitida, com muita discussão, e polêmica, sobre o assunto.” (Gomes dos Santos. 2012)

Claro, não sejamos um metódico rabugento que não vê o bom humor com bons olhos, na hora de passar informação. Ainda mais quando tratamos de jornalismo esportivo. Mas em um ambiente que a mídia esportiva é frequentemente acusada de torcer para tal clube, favorecer outro, acusar tal torcida e dirigentes, qual é o real benefício da comédia em detrimento da informação?

Podemos partir do princípio de que, na maioria dos casos, os ex-jogadores não possuem uma formação jornalística. Possuem mais conhecimento técnico do que o mais assíduo jornalista esportivo, não podemos negar. Afinal, eles viveram o esporte pelo lado de dentro do gramado. Mas, na hora de passar determinada informação, quem será mais eficaz? O indivíduo preparado ao longo da vida para informar, ou o ex-jogador, que recebeu meia dúzia de ensinamentos para se portar melhor diante das câmeras?

“Por mais que esta nova forma de apresentar as notícias esportivas tenha atraído um público que não acompanhava este programa, também afastou aqueles que querem saber o que acontece/aconteceu com seus clubes de futebol e demais esportes.” (Gomes dos Santos, 2012).

O autor acima aponta para o efeito desta mudança no público. Aqueles que realmente procuram informações sobre esportes se veem obrigados a mudarem de fontes informacionais. Recorrem à portais esportivos, mídias independentes, onde a informação ainda segue sendo levada a séria. Na contramão, a angústia por audiência, ibope, faz os programas esportivos televisivos buscarem quaisquer tipos de recursos, por exemplo, o sensacionalismo, especulações, para atrair um público muito mais diversificado. Não importa o perfil, apenas o número. Enquanto atraírem público, os veículos de mídia não se importarão com a qualidade da informação. Contudo, basta um deslize para a preocupação voltar à tona. É o caso de Alê Oliveira, ex-comentarista dos canais ESPN.

Graduado em Educação Física, Alê chama a atenção por contar piadas constantemente durantes os seus comentários na TV. Era o bobo da corte da ESPN, utilizando de machismo e sexismo para agradar ao público. Até o dia em que, como aponta a matéria do Portal R7, teria feito uma ofensa racista contra uma funcionária da empresa. Neste momento, a ESPN, que ainda tentou reverter a situação mudando a funcionária de horário, se viu em um dilema: Levar tudo em tom de piada e aguentar a pressão do público, ou afastá-lo do cargo? Alê Oliveira foi desligado da empresa, mas em pouco tempo já havia encontrado um novo lar, o Esporte Interativo. Afinal de contas, é tudo brincadeira.

Donos da Bola e Neto

É comum vermos profissionais da imprensa, com o passar do tempo, mudar seu estilo de trabalho em novos projetos. Após muitos anos fazendo o mesmo papel, o apresentador muda sua “performance” e passa a se adequar a um estilo mais leve e solto que agrada a audiência.

Esse papel de “showman” por parte dos apresentadores não se restringe apenas a jornalistas renomados. No jornalismo esportivo, Neto, ex-jogador e ídolo da torcida corintiana, passa longe de ser como seus colegas de imprensa, que também já penduraram as chuteiras e utilizam os programas esportivos como uma forma de prolongar a carreira.

O apresentador do programa “Os Donos da Bola” na Rede Bandeirantes, não esconde sua torcida para o time da zona leste paulista e debocha dos rivais, indo contra a imparcialidade que é ensinada nas aulas de jornalismo em relação à notícia.

Em novembro de 2017, Neto protagonizou uma emblemática performance ao mostrar indignação com a possível chance do Corinthians perder o título brasileiro daquele ano para seu arquirrival Palmeiras. O ex-jogador xingou jogadores e comissão técnica da equipe alvinegra ao vivo, agindo como um torcedor, após uma partida de seu time. O “show” de Neto rodou a internet e rendeu memes de diversos tipos, só alavancando a audiência do programa do ex-atleta.

A filial do programa em Goiás, apresentada por um jornalista, já não tem a mesma liberdade e nem é acobertada pela emissora. Em um deslize, uma polêmica machista, fez com que a TV Bandeirantes tomasse uma medida drástica para não ser relacionada com questões que o veículo sempre se apresentou com repúdio ao público.

Na situação, o quadro “Desafio das Musas” do programa direcionou perguntas ambíguas, com cunho sexual, às torcedoras participantes. Em meio à repercussão negativa, a emissora optou pelo encerramento do programa, declarou publicamente o constrangimento e garantiu não compactuar com o conteúdo veiculado.

Já o olhar muda em relação a Neto e seu espetáculo diário, tornando-se algo “bem-vindo” por questões de audiência e dinheiro. Neto possui carta branca para encarnar seu personagem e falar o que bem entender para o público que o acompanha na hora do almoço. Mas e na questão jornalística? Como ficam esses valores? Neto faz questão de dizer que defende a “espécie” (ex-jogadores) e por isso recheia seu programa com atletas que fizeram história no passado para darem pitacos sobre a situação atual dos clubes brasileiros.

Os Donos da Bola, que tinha em sua essência ser um programa jornalístico, passou a ser basicamente entretenimento, fugindo do tradicional, que já é visto como ultrapassado, falando o que o público deseja ouvir: polêmicas, bombas e gozação com o rival mediante a sua situação na tabela.

Está cada vez mais difícil de ver o “jornalismo verdadeiro” nos programas futebolísticos. Aqueles que deveriam dar prioridade para a informação, passam a ser uma forma de “humor jornalístico” para agradar o público, fazendo com que cada vez mais os valores da profissão se percam e seus profissionais sejam desvalorizados, dando a impressão de que jornalismo é tão fácil que qualquer pessoa pode fazer. O que não é verdade.

Referências

SANTOS, Anderson David Gomes dos. O noticiário esportivo é “100% entretenimento”? Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/_ed714_o_noticiario_esportivo_e_100_entretenimento/>. Acesso em: 02 out. 2012.

SANTOS, Anderson David Gomes dos. O novo bate-papo para a transmissão do futebol. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/_ed738_o_novo_bate_papo_para_a_transmissao_do_futebol/>. Acesso em: 19 mar. 2013.

PAZ, João da. O apresentador e o jornalismo ‘stand-up’. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/_ed765_o_apresentador_e_o_jornalismo_stand_up/>. Acesso em: 24 set. 2013.

Alê Oliveira é demitido após supostas acusações de racismo e volta a se defender nas redes sociais: “a vida não erra”. Disponível em: <https://esportes.r7.com/futebol/ale-oliveira-e-demitido-apos-supostas-acusacoes-de-racismo-e-volta-a-se-defender-nas-redes-sociais-a-vida-nao-erra-02082017>. Acesso em: 02 ago. 2017.

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