A crise no jornalismo: mídia tradicional vs. mídia alternativa

Elen Cristiane
singular&plural
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5 min readMay 30, 2018
Banco de imagens Pixabay

Por Elen Cristiane

A era digital vem proporcionado uma expansão das informações entre os indivíduos conectados à rede. Porém, esse acesso à informação, entre grande parte dos cidadãos, não proporcionou um crescimento exponencial da difusão do conhecimento. Visto que, atualmente, o ciberespaço possibilita aos usuários uma quantidade quase interminável de conteúdos, mas não filtra tudo aquilo que é postado.

Tal fato, segue as regras do imediatismo ocasionado pela internet, a qual prega de forma ditatorial que na era tecnológica “o tempo é dinheiro” e, no caso do jornalismo, “primeiro se publica, depois se filtra”. Esse último princípio agravou ainda mais a crise pela qual a profissão já vinha passando, posto que a “verdade” ficou em segundo plano em prol do tal mercado de notícias.

Chamar de mercado já traz uma série de significados possíveis aos leitores. Dado que, segundo o dicionário Michaelis em sua 5ª classificação, essa palavra representa a “esfera das relações econômicas de compra e venda, de cujo ajuste resulta o preço”. Sendo assim, pressupõe-se que os fatos não são apenas casos que precisam ser informados a sociedade. Agora a notícia se tornou um produto, e os leitores se tornaram grandes consumidores.

Desta maneira, os empresários observaram nesse mercado de comunicação uma chance de divulgação dos seus produtos e serviços, investindo massivamente em publicidade tanto no meio virtual quanto no impresso; transformando os donos de veículos midiáticos altamente dependentes da relação de compra e venda de seus espaços de propaganda.

Como explica Lima (2013), esse cenário foi impulsionado pela revolução digital, que possibilitou a dissolução das fronteiras entre as telecomunicações e resultou em diversas consequências na dinâmica de produção de notícias, tal qual uma mudança na economia política do setor e a concentração da propriedade de mídia.

Esta fórmula econômica, por sua vez, pressiona o sistema em dois sentidos. Primeiro, porque não se vai escrever notícias desagradáveis que envolvam os grandes grupos econômicos privados, que afinal são as que contratam a publicidade. O resultado é uma deformação profunda da agenda política e o oligopólio da mídia comercial passa a defender a agenda das corporações: o código florestal (agronegócio), juros altos (bancos), financiamento corporativo das campanhas e assim por diante. Segundo, porque como a remuneração vem do volume de audiência ou do número de leitores, instala-se o vale-tudo. (DOWBOR, 2013)

A afirmação de Dowbor mostra os problemas que a transformação de algo intangível (conhecimento), em mercadoria, pode trazer à população. Uma vez que essa relação compromete todos os valores pregados aos jornalistas, que passaram a se preocupar mais com a vendagem das bancas (na internet, o número de cliques) do que com a qualidade daquilo que está sendo vendido. De acordo com Miguel (2002, p.164), “tal quadro deixa claro que os meios de comunicação, na forma em que existem hoje, dificilmente darão espaço para a expressão ou a constituição de interesses que ameacem as estruturas básicas do capitalismo”.

Em resposta, a esse tipo de associação conflituosa entre o jornalismo e o setor empresarial, surgiu a mídia alternativa. Um dos expoentes mais relevantes é o grupo conhecido como Mídia Ninja, que atua fortemente no meio virtual tanto no site quanto na página do Facebook. Essa comunicação com os leitores acontece por meio de chats virtuais que dão espaço a grupos marginalizados e assuntos, que costumam passar despercebidos pela grande mídia.

Essa iniciativa ganhou amplo conhecimento a partir das Jornadas de Junho, após denunciar fortemente os abusos cometidos pela PM do Estado de São Paulo. Desde então, vem ganhando destaque e estimulando a criação de outras páginas que acompanham a mesma linha editorial. O público, ciente da parcialidade dos veículos formadores de opinião, tem optado por alternativas cada vez mais ciberativistas com o intuito de fugir da manipulação da imprensa.

O jornalismo não pode abdicar do seu papel socialmente relevante de construir cenários, analisar contextos, propor alternativas e sugerir nexos causais. E isso a simples cobertura em tempo real não nos fornece. Muita informação sem contexto pode acabar sendo informação nenhuma. (GINDRE, 2013)

Entretanto, esse tipo de reportagem realizada pelos meios virtuais conta com impasses relacionados ao “fazer jornalístico”, como constata o jornalista Gindre na citação acima. Porque não há como negar que mídia alternativa tem beneficiado amplamente milhares de internautas. A ponto de se ouvir frequentemente que a mídia virtual é “amiga do povo”, e que os “outros profissionais” sempre dão espaço para uma interpretação distorcida das coisas.

Mas a função de um repórter — como mostra a definição do Furtado a seguir -, vai muito além de simplesmente entregar os fatos aos leitores para que eles interpretem da maneira que lhes convém. Principalmente se for levar em consideração que qualquer pessoa com um smartphone pode tirar fotos e contar sobre um acontecimento. Infelizmente, os meios ativistas acabam falhando por se preocuparem apenas com a exposição dos fatos, sem uma apuração.

O produto do jornalismo não é a informação, é a credibilidade. Mais do que nunca, precisamos de jornalistas, profissionais treinados e capacitados para separar o que é relevante do que não é, sem preconceitos, com honestidade intelectual para admitir erros e mudar de ideia. Passado o primeiro impacto do vendaval de informações produzido pela internet, o bom jornalismo vai sobreviver. (FURTADO, 2014)

Deste modo, na era digital, a crise no jornalismo é maior do que aparenta. De um lado temos os jornais tradicionais que se baseiam na clara lei da “oferta x procura” — evidenciando o lado mercadológico das grandes famílias detentoras dos meios de comunicação -, e do outro lado temos a mídia contra-hegemônica que beneficia as massas com informações, mas não transparece credibilidade, posto que a maioria dos seus conteúdos são basicamente declaratórios.

Nesse sentido, é necessário que ocorra uma transformação em ambos os meios. A grande imprensa precisa repensar a maneira na qual vê a obtenção de lucros, procurando alternativas honestas com o seu público, como produzir menos conteúdo, mas elaborando notícias com grande nível de apuração, e a mídia alternativa tem um papel fundamental de conciliar a agilidade dos seus serviços com a investigação dos fatos.

Sendo assim, esses meios — mesmo sendo distintos — podem (e devem) interagir na era tecnológica, como grupos que se complementam. Não adianta que os jornais tentem competir com a agilidade dos veículos jornalísticos exclusivamente virtuais, e também não convém que a Mídia Ninja, por exemplo, viva apenas das declarações das fontes. Pois no momento que os dois alterem seu foco principal, em busca de uma evolução, a interação entres eles tornará ainda mais rica e produtiva para o público.

Referências bibliográficas

DOWBOR, Ladislaw. Redes culturais: desafio à velha indústria da cultura. 2013. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/2013/09/23/redes-culturais-desafio-a-velha-industria-da-cultura/>. Acesso em: 25 abr. 2017.

FURTADO, Jorge. O produto do jornalismo não é a informação, é a credibilidade. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2014/08/o-produto-do-jornalismo-nao-e-a-informacao-e-a-credibilidade-4571253.html>. Acesso em: 25 abr. 2017.

GINDRE, Gustavo. Mídia Ninja, a crise da Abril e o efeito estufa como critério de desempate na Copa do Mundo. 2013. Disponível em: <http://gindre.com.br/midia-ninja-a-crise-da-abril-e-o-esfeito-estufa-como-criterio-de-desempate-na-copa-do-mundo/>. Acesso em: 24 abr. 2017.

LIMA, Venício de A. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009. 368 p.

MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunicação e a prática política. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, [s.l.], n. 55–56, p.155–184, 2002. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-64452002000100007 .

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