A culpa não é da vítima

Ana Laura de Oliveira
singular&plural
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3 min readNov 22, 2018

Por Ana Laura Oliveira, Larissa Manduca e Letícia Parron

Letícia Parron

As constantes agressões e atitudes violentas de Sérgio Schiller Thompson-Flores fizeram com que Cristiane Machado temesse por sua vida e tomasse a medida preventiva de registrar a violência para poder buscar ajuda. Foi assim, que Cristiane chegou até o Fantástico, onde as imagens foram divulgadas.

A reportagem abordou o relacionamento dos dois desde o início, além de mostrar as cenas gravadas pelas câmeras escondidas. Nos vídeos mostrados no programa é possível ver o empresário batendo, empurrando e tentando enforcar Cristiane que teme ser morta e denunciou o marido à polícia.

Eles se conheceram em 2017 e se casaram oito meses depois no civil. Cristiane, em entrevista para o Fantástico, afirmou que “ele era extremamente amoroso, cuidadoso. Eu tinha encontrado o amor da minha vida. Ele era o meu príncipe”.

Depois do casamento civil, as agressões começaram. “Começa muito sutil, começa com um empurrão, ou às vezes uma palavra grosseira”, conta ela durante a entrevista. Nessa mesma parte, Cristiane conta que o marido não gostava do trabalho dela como atriz. Além disso, ele tinha de ter a senha do celular dela e toda vez que discordavam, gerava uma briga.

Em um dia, Sérgio agrediu Cristiane fisicamente pela primeira vez. Empurrou e deu um tapa na cara. Imagens, gravadas pelo celular da atriz, mostram o marido quebrando com uma machadinha partes da casa — por uma madrugada inteira. “Foi uma madrugada de terror”, disse ela. O marido foi preso em flagrante, mas pagou fiança e saiu da cadeia.

Após as cenas e as falas de Cristiane Machado de como se dava o relacionamento com seu marido, a repórter Renata Ceribelli, perguntou: “Depois dessa noite de terror, que ele te bateu, te ameaçou, mesmo assim, você aceitou casar com ele no religioso?”, questionou. Cristiane explicou que o marido pediu perdão na frente de todos. “E você perdoou?”. Cristiane explicou que a linha é muito tênue para entender que o empurrão é agressão.

Depois disso, a reportagem continua mostrando outras agressões do marido. Mesmo assim, sabe-se que o maior questionamento é como a mulher teve a coragem de voltar a conviver com um agressor. A surpresa é essa.

A forma como o assunto é transmitido influencia a forma que os receptores recebem o conteúdo, visto que o uso das palavras escolhidas atingem os telespectadores. Dentre as linhas teóricas críticas existentes a que se responsabiliza pela linguagem analisa a razão do uso de determinadas palavras ou imagens para relatar uma história a fim de desencadear uma emoção ou sentimento no receptor desta.

A linguagem utilizada no programa não se preocupou em questionar o problema do relacionamento abusivo, como ele acontece e em qual proporção, por exemplo, mas sim, nas atitudes que a atriz tomaria após o ocorrido, como o questionamento da jornalista sobre a decisão da atriz em relação ao término.

As pessoas se espantam mais quando uma mulher volta com um homem que a violentou do que com as cenas de violência doméstica e o fato do homem ser um agressor. A discussão sobre relacionamento abusivo em casos como este é superficial. Os telespectadores se chocam com as imagens, mas instantes depois, em uma mesa de bar, ou uma conversa no meio do trampo, alguém logo profere a seguinte frase: “Mas por que ela voltou com ele?” ou os mais escrachados “Quem mandou voltar com ele?”. Depois disso, se esquecem. As imagens do agressor, com um fio de carregador, tentando enforcar Cristiane, ficam no limbo. E a culpa volta ser da vítima.

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