A desconstrução de vícios à brasileira apresentadas no filme ‘Aquarius’

Amanda Maciel
singular&plural
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3 min readMay 29, 2018

Racismo, crises com a idade, relações familiares e a ideia do novo ser melhor que o antigo é abordado no filme da mesma forma como é representado no cotidiano

Por Amanda Maciel

O filme Aquarius se inicia com imagens antigas de Recife, assim dando uma prévia do que vai ser relatado, sobre memórias e a valorização delas, diante de Clara (Sônia Braga), jornalista, viúva e ultima moradora do edifício Aquarius que tem uma arquitetura antiga, porém em uma privilegiada localização na orla da praia da Boa Viagem, Recife.

A trama discorre em volta de Clara e o desejo de uma construtora em demolir o local para construir um condomínio moderno e de alto padrão no local, o engenheiro Diego (Humberto Carrão) usa diversas artimanhas para fazer com que Clara venda seu apartamento, mas a jornalista é firme em sua decisão, deixando os filhos a pensar que ela poderia estar com problemas psicológicos, pela oferta recusada.

O filme segue em um clima tenso e de suspense, com o jogo das câmeras e barulhos que deixa o telespectador em alerta, o foco e a importância em cada detalhe, seja em algum móvel, quadro, um véu que parece um fantasma, faz com que não haja monotonia, pois o filme vai da calmaria a agitação em um mesmo ambiente.

O conflito das cenas choca o publico, pois logo na primeira cena é apresentado um carro estacionado na praia à noite, como se eles fossem fazer algo errado, e logo quando a cena é aproximada mostra que é apenas um programa familiar. Quando eles chegam ao apartamento o marido de Clara parece irritado com o atraso, logo se espera que haverá uma cena de briga, porém não ocorre.

Em um exercício praticado em conjunto de risadas, alguns meninos negros surgem, como se estivessem em um lugar onde não deveriam estar, desconstruindo a cena, pois infelizmente se pensa: ‘’irão assaltar’’, mas os garotos se deitam com o grupo e participam do exercício. O filme está em constante resistência na desconstrução de ideias inseridas na sociedade e que os filmes alimentam esse pensamento, por condicionar cada vez mais essa concepção social.

Os personagens não ficam em nenhum momento em zonas de conforto, todos são desafiados por algo. As mazelas sociais presentes na burguesia brasileira são colocadas em pauta, quando Clara fala do poder aquisitivo de Diego e ele responde com ironia, por ela ser branca, ter uma empregada, aposentada e morar em um lugar bom, também há as ligações religiosas de Diego e o envolvimento politico de um filho de Clara.

A perda da proximidade familiar, apesar de não ser o principal assunto, também entra em questão, relembrando memórias significativas que Clara teve no Aquarius, o que apresenta um fator emocional as digressões da personagem. Esse ocorrido discorre em uma conversa em que ela tem com seus três filhos com perguntas que fica nítido a falta de diálogo que falta entre eles, como: quem era o namorado do filho gay, o fato da sua filha estar passando por uma separação, os sentimentos dela pela mãe ausente, ao longo de sua carreira jornalistica e escritora.

Apesar da ênfase do filme seja a importância das recordações, o diretor Kleber Mendonça Filho não apresenta como algo tradicional ou que deveria ficar estagnado. A saudade da personagem diante do passado jamais é colocada em pauta, e sim, a construção do hoje, sem a perda do que passou, é a renovação e a adequação dos fatos. Como é relatado que a personagem antigamente era rodeada por pessoas e hoje vive com sua empregada, assim, enfatizando a valorização da solidão como um autoconhecimento, pois, ela passa por diversas experiências nesse tempo.

Aquarius aborda que não existe um padrão, que o envelhecimento não torna as pessoas frágeis, emotivas, sedentárias, que vivem em luto e apegadas ao passado. Clara é um forte exemplo, pois ela bebe, vai ao baile, tem uma vida sexual ativa, é viúva, porém não vive em luto, ela demonstra que mesmo com as adversidades de uma sociedade extremamente padronizada e conservadora, ela apresenta que resistir e lutar são as melhores formas de fazer as coisas acontecerem.

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