A era dos que sabem demais

Laura Isern
singular&plural
Published in
4 min readJun 19, 2018

O excesso de informação das redes sociais estaria inebriando nossa visão sobre a realidade, dificultando o processo de comunicação?

Por Laura Isern

Em tempos de acirramento político, principalmente como ocorre em anos eleitorais, nos deparamos com uma série de “especialistas” e pseudo-intelectuais discutindo sobre tudo que envolve política sem que de fato cheguemos em algum lugar ou avancemos nessas discussões. Tais debates virtuais, que protegem o interlocutor por detrás da tela do computador, acabam tornando-se meros campos de batalha, dando a impressão de que o espaço entre “nós e eles” teria reaparecido em grande intensidade. Essa divisão, no entanto, nunca desapareceu. A internet e sua falaciosa sensação de anonimidade foi o que revelou os ideais daqueles que antes mantinham suas posições políticas na intimidade. O resultado disso foi um show de ódio gratuito e até casos de racismo online. A partir disso, é possível observar, portanto, uma ilusão que de fato exista um diálogo, quando na verdade, nenhum dos lados de fato se propõe a ouvir, refletir ou modificar sua própria opinião à partir da do próximo- um dos principais objetivos de se dialogar. É importante ressaltar também que os algoritmos, códigos que elegem aquilo que vemos em nosso feed levando em conta aquilo que acessamos e curtimos, são grandes responsáveis por não efetivarem o diálogo em sua mais pura essência. Essa nova tecnologia acaba afastando opiniões divergentes e criando um ambiente virtual que não espelha a realidade, já que muitos acabam não tendo acesso à ideias diferentes e, assim, passam a acreditar que todos ao seu redor dividem a mesma opinião.

Esse artifício, criado através do viés mercadológico, ou seja, pensado para a publicidade, acabou sendo muito bem utilizado por políticos e ativistas radicais- na maioria das vezes pendendo para a direita- que adaptaram seu conteúdo para acertar em cheio um nicho social que se mostra descrente com as instituições e com a política num todo. É nesse cenário que nomes como o de Jair Bolsonaro, ex-militar e deputado federal pelo Rio de Janeiro, encontraram força para propor e disseminar posições radicais e altamente conservadoras.

De repente, o Jornalismo como o conhecemos, que preza pela objetividade e imparcialidade, não era mais suficiente. Matérias com vários pontos de vista confrontados passaram a soar de forma estranha a um público que se habituou a agarrar-se em opiniões prontas e posições explicitadas. O consumidor da informação, nos tempos dos “intelectuais de Facebook”, trava uma batalha imaginária contra “a mídia manipuladora”, mas eles mesmos não conseguem enxergar que a grande manipulação, hoje, está também na Internet. Seu impacto, muitas vezes, consegue ser mais persuasivo e efetivo que o das tradicionais mídias de massa. Cabe ao internauta aplicar essa mesma desconfiança que tem dos grandes conglomerados de comunicação às informações que recebem em seus feeds e grupos de WhatsApp. Ao passo que se expressa um novo olhar crítico sobre aquilo que a imprensa tradicional veicula, contraditoriamente propaga-se também um enorme fluxo de notícias mal apuradas e duvidosas- as tão comentadas fake news.

Comentaristas de opiniões pouco polidas e parciais, como o historiador Marco Antônio Villa, do jornal matinal da rádio Jovem Pan- veiculado também via YouTube-, têm grande apelo dentre esse novo nicho que se diz “contra todos”, mas que amassou suas panelas e vestiu camisas da CBF contra apenas um tipo de governo. Em seus comentários, Villa denomina investigados por corrupção como “marginais” e refere-se à burguesia que hoje consome o funk, dentre outros produtos provenientes das periferias, como “elite rastaquera”, em um claro deboche à cultura não erudita. O que haveria de errado em dar voz e oportunidade a um estilo musical proveniente das favelas? Não seria esse um motivo para comemoração? Jornalismo também pede opinião, mas com parcimônia.

Quando se dialoga com as massas, é preciso ter cuidado. Principalmente tratando-se de um momento de tão alta polarização. Para quê fomentar ainda mais a ideia do “nós aqui e eles lá”? Cabe às grandes mídias manterem sua responsabilidade como guardiãs sociais e apresentar ao público a verdadeira realidade fora de seus Facebooks. A Internet veio para acrescentar, mas há ainda muito pouca informação acessível sobre como de fato as informações se movimentam online. Ela pode ser uma grande aliada se soubermos utilizá-las de forma prudente, desconfiando de tudo que chega até nós. Mas para além disso, é necessário também desgrudar-se da carapaça do partidarismo e tornar-se mais flexível à posição do próximo. É crucial entender e respeitar o fato de que realidades diferentes geram diferentes visões de mundo e que é esse confronto de ideologias que pode enriquecer nossa convivência e, principalmente, nossa democracia. O ser humano foi agraciado com o poder da comunicação e sem ela não conseguimos viver. Seu significado traz uma ideia de comunidade, pertencimento a um todo. Logo, seria impossível efetuar uma boa comunicação sem que essa seja construída à partir de diferentes cabeças.

Comunicação tem sua origem etimológica no substantivo latino communicationem (século XV), que significa a ação de tornar comum. Sua raiz é o adjetivo communis, comum, que significa “pertencente a todos ou a muitos”. E o verbo é comunicare, comunicar, que significa “tornar comum, fazer saber”. (LIMA, 2009, p. 24)

Referência bibliográfica

LIMA, Venício A. de. Breve roteiro introdutório ao campo de estudo da Comunicação Social no Brasil: Os muitos significados da palavra. In: LIMA, Venício A. de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009. Cap. 1, p. 24.

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