A falta de diálogo em Bolsonaro (lê-se em duplo sentido)

Beatriz Gois
singular&plural
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7 min readSep 20, 2018

Por Beatriz Gois e Yolanda Reis

Arte: Yolanda Reis

Ele tem sido um dos assuntos mais comentados. Ele sempre é manchete. Na maioria das vezes negativas. Ele se diz político, mas tem pouco diálogo com seus pares, imprensa e com os eleitores que ainda não conhecem e/ou não apoiam suas ideias. Ele é um exemplo claro de quem se comunica mal, quando entende-se comunicação como diálogo. Mas não vamos falar exatamente sobre sua ineficácia no ramo.

Nesta crítica de mídia aqui apresentada, busca-se analisar as matérias Grupo de mulheres contra Bolsonaro no Facebook é hackeado e removido [Veja], Grupo ‘Mulheres Unidas contra Bolsonaro’ volta a funcionar após ataque cibernético [Sputnik] e Campanha de Bolsonaro mente sobre mobilização de mulheres contra o candidato no Facebook [El País], de modo a apresentar os fatos como geradores, e em contrapartida, não geradores de um diálogo. O primeiro pressuposto leva em conta apenas a confirmação de vieses e convicções prévias através da apresentação dos dados, ao passo que estes não estimulariam o diálogo e nem a reflexão além da zona conhecida de quem lê, enquanto o segundo propõe que o diálogo ocorre por meio de geração de significado através do convívio individual do leitor.

Lima (2004, p.51) refletiu a comunicação como diálogo em cima da teoria de Paulo Freire. Este, ao propôr alfabetizar adultos, distanciou-se do bê-a-bá tradicional das cartilhas e procurou apresentar aos seus estudantes palavras de seus meios, mostrando a sua formação gramatical (como signo) mas estimulando, além disso, a escrutinação de todos os motes de modo a gerar uma reflexão em cima deles, chegando assim à significados individuais, mas não tanto do sujeito, e sim enviesado para o pensamento do grupo.

O autor também destaca que Freire e Habermas, em seus modelos dialógicos, são por vezes comparados. Como destaca Pinto (1995), os pensadores unem-se indiretamente na teoria da ação intersubjetiva, na qual o sujeito leitor, interagindo com a informação dada pela comunicação de modo linear e conjunto, adentra-a e a digere, transformado o que lhe foi apresentado em algo comum a ele de acordo com suas vivências e construções prévias.

As duas teorias se relacionam e interagem, completando o ideal de diálogo proposto por Lima (2004, p.51) como teoria de comunicação, onde, ao postar-se diante de um produto de comunicação midiática, este gera, junto ao leitor, a possibilidade do diálogo, ou seja, o encontro de significados pessoais através do signos — ao contrário da até então dada comunicação de massa, que implicava um pensamento coletivo ignorando o papel ativo do leitor popular e sua vivência.

A matéria veiculada no site da Veja, que traz como título Grupo de Mulheres Contra Bolsonaro no Facebook é hackeado e removido, parece ter preocupação com os fatos, já que traz itens importantes, até ausentes nas outras, como a identificação do invasor que alterou o nome do grupo (acusado de crime cibernético) e aspas de uma integrante, que não copiadas de redes sociais. Ao final, são mencionadas as manifestações que já estão marcadas contra o candidato à presidência junto com alguns tweets que trazem opiniões de internautas — nesse caso, os tweets não acabam como uma fala insignificante, já que o assunto envolve justamente as pessoas que se manifestam por eles.

A crítica à matéria vai apenas para como a reflexão pode não ter sido o objetivo principal. O texto termina de forma abrupta e não elabora uma ideia de quão grave o acontecido foi, o que ao invés de mudanças, em sua maioria, pode gerar apenas afirmação de ideias — para posicionamentos pró e contra. A matéria da Veja é factual, e carrega consigo aspectos funcionalistas, como tentativa de imparcialidade e priorização dos fatos. Não gera diálogo se partir-se da ideia de que apenas a informação não é suficiente para estimular reflexão e, como dito anteriormente, interferir em ideias. Ela tem o intuito de informar e não de dialogar.

A matéria disponibilizada pelo Sputnik, Grupo ‘Mulheres Unidas contra Bolsonaro’ volta a funcionar após ataque cibernético, aparenta ser um apanhado de informações divulgadas por outros, e sem consulta direta. Lá há citação ao El país e ao G1; a nota do Facebook é a mesma que a disparada em outros veículos e a foto utilizada para ilustração é a do debate ocorrido na Rede TV em 17/08/2018, quando Marina Silva e Eduardo Bolsonaro foram a grande atração. Talvez a imagem seja justificada pelo fato de ter sido repercutido dois tweets da candidata, condenando o ocorrido. Outras duas pessoas tiveram suas mensagens como prints na matéria.

Apesar de parecer ser a mais vazia — no sentido de não haver fontes diretas e dados mais instigantes -, é a única que fala sobre a investigação policial, o que pode alterar o entendimento do leitor sobre a gravidade da situação. Talvez, entre as três, ela seja o meio termo. Uma tentativa de diálogo, que nitidamente não obtém sucesso e assim como a matéria veiculada pela Veja, caí no factual. O assunto é meio complicado para se ter uma pluralidade de opiniões que divergem, tendo em vista que todos acreditam que o ato foi um crime cibernético. Mas as duas matérias (Veja e Sputnik) tentam pegar um número bom de depoimentos, que acabam expondo pensamentos semelhantes. A matéria do Sputnik prioriza o ataque ao grupo, enfatizando os depoimentos de repúdio.

No El País, assim como nas duas outras matérias analisadas, é deixado claro que o grupo foi criado no final do mês de agosto, mas nesta, algo mais interessante acontece. O mesmo texto traz a fala de Eduardo Bolsonaro, afirmando que o grupo já tinha uma quantidade considerada de membros, quando foi alterado seu nome para Mulheres Unidas contra Bolsonaro, ou seja, o jornal coloca em contradição a afirmação do deputado. Não à toa, o título do El país Campanha de Bolsonaro mente sobre mobilização de mulheres contra o candidato no Facebook, assume muito mais responsabilidade do que os outros, mesmo estando também amarrado a fatos.

O jornal também usa o artifício dos tweets, mas discorre mais sobre eles e os qualifica algumas vezes, como no trecho “Eduardo Bolsonaro divulgou em sua conta oficial no Facebook acusações sem qualquer prova contra o grupo e suas criadoras”. A forma como o El país tratou o assunto, também é diferente. São apresentados muitos dados, e a ordem em que eles aparecem dá ao leitor uma ideia clara da importância das redes sociais — que é o grande ponto desse acontecimento.

Números sobre o candidato e suas contas, assim como a porcentagem de intenção de votos aparecem no último parágrafo. Esse é o trecho mais importante. Soa como um aviso de quão grande ele está se tornando através das redes sociais. As mesmas redes que criaram um grupo contra ele, e sofreram um ataque cibernético. A reflexão aqui, é muito mais estimulada, pois são apresentados fatos, mas eles são articulados e fazem sentido quando juntos. Não isola-se o ataque ao grupo, outras questões são trazidas, facilitando e estimulando o debate. É mais do que o que aconteceu, pensa-se nas consequências do acontecido.

Seria o ataque cibernético ao Grupo medo de ações diretas? Foto: Paulo Pinto/Agência PT

Mas ainda assim é preciso levar em conta o poder individual que cada sujeito tem de gerar o diálogo através de suas convicções morais, e esse poder baseia-se exatamente em seu universo pessoal, os fatos apresentados pelas matérias, por si só, são os geradores de diálogo.

Os dados — como a apresentação de números de integrantes do grupo e datas — fazem as vezes de signos para o leitor. E, através de seus significantes únicos, acabam por gerar os significados esperados pela teoria de comunicação como diálogo.

Para o leitor que já está familiarizado com o que é apresentado, no caso não o fato, mas sim a temática, os textos servem ao seu propósito apresentado por Freire de estabelecer um diálogo ao ampliar a vivência do meio e desenvolver um diálogo e uma reflexão baseados em signos prévios.

E é isso que os meios de comunicação devem levar em conta, também; como as razões e as ações apresentadas por eles serão recebidas. Ou seja, como cada um raciocina, recebe e concluiu de uma maneira, baseando-se, para isso, em sua moral própria — ou mais frequentemente do grupo. Dados apresentados por eles passarão por essa escrutinação e gerarão diferentes significados, fazendo com que os fatos sejam mais do que suficiente para gerar e sustentar o diálogo.

E perante os novos meios de comunicação apresentados pela internet, podemos então enfatizar as ideias de comunidade virtuais e da inteligência coletiva como potencializadores de confirmadores de viés e criadores de diálogos individuais através da convivência de iguais em novos meios interativos.

Mas se as conclusões e definições das ideias se dão a partir das convicções do leitor como indivíduo de papel ativo no cenário da comunicação que o texto sugere, então cada um vai gerar um significado a partir do meio em que está inserido — no caso, pró e contra o candidato. Os fatos apresentados claramente podem, então, incitar o ódio, compreensão e indignação de, e para, ambos os lados, gerando dicotomia de conclusões e ideias. E não podemos negar o ódio no acontecido, e em todos seus desdobramentos.

Referências bibliográficas

LIMA, Venício A. de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001.

PINTO, J. M. de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen H. Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Riberão Preto:Paidéia, no.8–9, Feb./Aug — 1995

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Beatriz Gois
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Jornalista até a alma e UX writer curiosa em formação. Sempre de olho nos freelas e em quem pode me trazer paz :)