A gordofobia presente na cobertura da morte de Marília Mendonça

Peso da cantora foi alvo de ataques gordofóbicos logo após anúncio de falecimento

Késsy Balog
singular&plural
3 min readDec 2, 2021

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Por Carolina Duarte, Fernando Claure e Késsy Balog

Foto: Reprodução/Instagram Marília Mendonça

Em 5 de novembro faleceu a cantora Marília Mendonça em um trágico acidente aéreo. O caso gerou comoção nacional porque o país perdeu não só uma das mais importantes figuras da história do sertanejo, mas também uma das mais jovens a incorporar uma imagem de liderança no cenário da música nacional. Houve milhares de homenagens dedicadas à cantora, assim como diversos comentários negativos.

No dia seguinte ao acontecido, o colunista da Folha de S.Paulo, Gustavo Alonso, publicou uma análise que foi devidamente criticada por trechos gordofóbicos e extremamente machistas. O jornalista fez uso do termo “gordinha” para referir-se à Marília e disse que ela “finalmente tornava-se bela para o mercado”. Por mais que o autor tenha explicado, após a repercussão, que seu texto foi tirado de contexto, não anula o fato de que, como colunista da Folha, que possui grande reconhecimento, ele falhou e ofendeu os leitores da sua coluna, da Folha em si, além de uma legião de fãs e a própria cantora.

A gordofobia não é um assunto recente. Diversas manifestações e denúncias contra esse tipo de comportamento tomam espaço na mídia. Esse é um discurso inadmissível para qualquer um, principalmente para um profissional da comunicação, mas infelizmente não é um caso isolado.

Foto: Reprodução/Twitter

Assim como na análise de Gustavo Alonso, o que sempre foi reportado pela mídia é a associação de pessoas gordas à preguiça, fracassos e doenças. Em filmes, séries e novelas, pessoas gordas — principalmente mulheres — são retratadas de forma cômica e reduzidas a personificação do feio e da carência, além de servirem de escada para a personagem principal. Para obter sucesso na vida em qualquer aspecto, precisam emagrecer. São ignoradas as habilidades, a inteligência, os feitos e os afetos dessas pessoas que não estão dentro ou que não se curvam à ditadura do padrão.

Para quem consome esse conteúdo e possui um corpo distante do considerado ideal, qualquer tipo de aceitação e amor próprio é anulado, bem como a própria pessoa. Claro que existe, além do padrão, algo essencial: a saúde. Entretanto, até mesmo a medicina já identificou que o Índice de Massa Corpórea (IMC) não define a condição de saúde de alguém; logo, a mídia e demais conteúdos que retratam a temática também deveriam ter a mesma consciência de que corpos gordos não são sinônimo de um problema generalizado.

No programa do Luciano Huck em homenagem à Marília Mendonça, transmitido em 7 de novembro, o apresentador comentou sobre a aparência da cantora, assim como, da dupla sertaneja Maiara e Maraísa: “Estava lembrando agora. Faz três semanas que eu estava com as três no palco. Três semanas. Na verdade, vieram só metade das três no palco, porque estavam as três magrinhas”. Ainda na mesma semana, Ana Maria Braga também fez um comentário parecido. “Ela fez tanto pra chegar nesse shape lindo, né? Ela emagreceu, criando um caminho pra ela, que fazia sentido, com esse vozeirão. E, de repente, ironia do destino, morreria dali a quatro, cinco dias”. Novamente, desta vez por uma consagrada e influente global, Marília foi reduzida ao seu corpo.

A mensagem que a morte de uma mulher brilhante como Marília deixa, após essa sucessão de péssimas abordagens, é que a redução de mulheres a padrões e estereótipos não precisa continuar. A revolta dos fãs e leitores de maneira geral aos comentários gordofóbicos mostra que esse tipo de comportamento não é mais aceito. A prova maior está no arrependimento do veículo e até mesmo de Alonso, que foi contrariado pela Folha com outros textos publicados depois do acontecido.

Ainda que nem a morte da cantora tenha sido poupada de comentários preconceituosos, esperamos que minimamente sirva de lição para qualquer comunicador, especialmente homens. Independente da pauta, o corpo, a aparência e as preferências de uma pessoa não dizem respeito a ninguém. Nos resta então celebrar Marília. Um grande nome, que jamais será reduzido à misoginia e à gordofobia.

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