A imparcialidade em momentos de instabilidade política
Nas entrelinhas, jornais brasileiros demonstram sua opinião frente ao governo Bolsonaro
Por Amanda Brogio, Geovana Sá e Mariana Rodrigues
O quadro político brasileiro atual se encontra em extrema tensão. Desde que a pandemia de coronavírus foi decretada, em março do ano passado, diversas ações do presidente Jair Bolsonaro culminaram na instabilidade do governo. O posicionamento polêmico frente a uma crise sanitária histórica e a assuntos delicados, como os direitos humanos, causaram indignação da população.
A fim de mensurar tais incertezas e especular ações do futuro, diversas pesquisas são realizadas para medir a aprovação do governo, e publicadas em grandes veículos da mídia, entre elas as do Datafolha. O que gera um questionamento de quem consome e faz a notícia: em um momento tão conturbado, é possível se manter isento e imparcial?
Segundo Umberto Eco, no livro “Número Zero”, a imparcialidade de forma plena é impossível de ser alcançada no jornalismo, uma vez que a escolha de fontes, construção do texto e até mesmo as palavras selecionadas são feitas a partir da escolha do comunicador. Dentro do contexto atual, por exemplo, a apresentação dos fatos pode acabar indicando um posicionamento, mesmo que de forma indireta.
O modo de construção das matérias com resultados de pesquisas do Datafolha, como a referente ao apoio ou oposição ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), apresenta fatos que podem se dar a entender como motivos e justificativas para defesa do processo, apesar de não agregar juízo de valor e se sustentar em fatos.
Na sequência dos dados referentes à aprovação do impeachment, são mostrados os números e o perfil dos grupos de apoiadores e opositores. De um lado estudantes, funcionários públicos, nordestinos e apoiadores do antigo governo, do outro, há empresários, evangélicos, moradores do Sul e pessoas economicamente favorecidas, que defendem a governança vigente, reforçando a imagem do perfil do eleitorado bolsonarista e sua oposição. Por meio de gráficos, reconstrução dos fatos e uma argumentação embasada em fatos, eles criam perfis e expõem a bipolaridade do cenário político.
Apesar dos dados que comprovam as afirmações, ainda é possível identificar o “posicionamento” do veículo contra a presidência de Bolsonaro, nas entrelinhas. No entanto, há também aquelas que indicam isso de forma mais clara por meio da linguagem, como é na notícia sobre a aprovação do presidente.
Nela, além de dados objetivos sobre o perfil dos eleitores e da oposição, o texto também compara o índice de rejeição de Bolsonaro com outros presidentes, ressaltando como ele só é inferior ao de Fernando Collor de Mello. Atualmente, a taxa de rejeição do presidente é de 45%, enquanto a de Collor na época era de 68%. Além disso, a matéria também fala sobre aumento da taxa de aprovação de Lula como candidato nas próximas eleições presidenciais.
O Correio Braziliense também utiliza dados do Datafolha para mostrar como Lula está na frente nas pesquisas, com 41% das intenções de voto, enquanto o atual presidente tem apenas 23%. A matéria sobre a preocupação de Bolsonaro com o possível adversário é baseada em números e falas do próprio, mas o uso recorrente de aspas do presidente é uma forma de legitimar o direcionamento e recorte do texto jornalístico.
Dessa forma, fica claro como dados não são sinônimos de imparcialidade e, apesar de representarem a realidade por meio de estatísticas e falas literais, o contexto no qual são inseridos também podem esconder posicionamentos dependendo da forma como se é apresentado. Cabe ao jornalista estar atento à sua escrita e estruturação de texto, prezando ao máximo por um jornalismo de qualidade e que valorize sempre a informação.