A imprensa e o racismo: como as mídias têm noticiado as minorias

Veículos de comunicação têm papel importante na luta antirracista, mas abordagem pode intensificar o problema

Fernanda Gasel
singular&plural
3 min readJun 13, 2021

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Por Bárbara Blanco, Fernanda Gasel e Luisa Scavone

Entre a população brasileira, 55,8% são negros. Destes, 64% estão desempregados e 47% executam trabalhos informais, segundo levantamento do site Vagas.com. No jornalismo, a situação se repete. De acordo com o Perfil do Jornalista Brasileiro (2013), o número é ainda menor: 23% dos jornalistas são negros ou pardos.

Gráfico autoral sobre a presença de pessoas negras no ramo jornalístico. Produzido por: Bárbara Blanco

Essa diferença é refletida na cobertura midiática sobre minorias, já que muitas vezes falta profundidade e propriedade para falar sobre o assunto, como no caso da morte do norteamericano George Floyd, assassinado por um policial no estado de Minnesota.

Após a repercussão da notícia, a Globo News preparou um debate somente com jornalistas brancos sobre o assunto. Isso gerou inconformismo na internet. Foi preciso uma movimentação dos telespectadores para que o debate fosse retomado, no dia seguinte, apenas com jornalistas negros.

Essa situação é comum em redações. Como muitos dos jornalistas são brancos, eles são escalados para tratar sobre assuntos que não remetem à sua realidade. Por isso o tema é, normalmente, abordado de maneira rasa e simplória. Um dos motivos é a necessidade do imediatismo, de querer publicar a matéria primeiro, o que traz prejuízos na execução do jornalismo.

Conhecimento leva tempo e o jornalista não pode se ausentar de sua responsabilidade, que envolve honestidade e preocupação com a construção da realidade. A mídia se tornou ainda mais importante nesse ponto, já que passa um discurso da realidade em que muita gente se baseia e que é modificada porque o jornalista seleciona partes do real, podendo incluir ou excluir fatos.

A importância dada às entrevistas com negros também deve ser analisada: quando um jornal possibilita que uma pessoa notória dentro do debate racial se pronuncie, essa frase não tem o mesmo peso, visibilidade e, às vezes, sequer será manchete.

A solução não está apenas em contratar pessoas negras, é necessário mudar a maneira como o jornalismo lida com o assunto. Conforme um estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, de 12.559 notícias relacionadas à segurança pública e violência, somente 0,4% são sobre racismo ou injúria racial, quando sabemos que, na realidade, esse número é bem maior: 75% das pessoas mortas por policiais são negras.

Um exemplo é o massacre na favela do Jacarezinho. Todos os jornais do país noticiaram a morte das 28 vítimas por policiais, no entanto, poucos abordaram o fato de todas — ou quase todas — serem negras. A matéria “Operação no Jacarezinho deixa 25 mortos, provoca intenso tiroteio e tem fuga de bandidos”, do G1, sequer traz moradores da comunidade como fontes, utiliza apenas um delegado e uma nota do Ministério Público.

Ao mascarar essa informação, o jornalismo passa um discurso da realidade modificada, contribuindo para uma imagem fantasiosa. Isso faz com que as pessoas não conheçam, e muitas vezes não prefiram, a realidade, já que esta é mais dura.

Forças Armadas, Polícia Federal e as polícias estaduais fazem operação conjunta na comunidade de Jacarezinho, no Rio de Janeiro (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O jornalismo é o reflexo de uma sociedade racista. Atualmente, a mídia foca no interesse do público (que pouco se interessa sobre o assunto), e não no interesse público, ou seja, no que é importante para a sociedade. Diversidade nas redações, estudo e debates sobre os assuntos, busca por fontes, são algumas coisas que precisam acontecer para que o jornalismo consiga ser equilibrado.

A comunicação tem um público que acompanha e enxerga a sociedade da forma como é exibida nesses veículos de grande poder de influência. Os jornalistas contribuem não só para o conhecimento, mas também para uma visão de mundo e leitura da realidade. Por isso, a mídia tem um papel fundamental nessa luta e deve garantir o fortalecimento da democracia e proteção dos direitos humanos.

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