A impunidade do governo brasileiro com empresas que prejudicam nosso meio ambiente é real?

Gabriela Cesario
singular&plural
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5 min readMar 26, 2018

E a mídia, como lida com isso?

Por Gabriela Cesario e Julia Fagundes

Rio Doce após rompimento da barragem de Fundão — MG (Foto Pixabay)

dois anos nos chocamos com a notícia do rompimento da barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Gonçalves em Mariana (MG). O episódio ficou conhecido como Desastre de Mariana e dominou os noticiários e redes sociais. A mídia teve muito trabalho e pautas não faltaram: estragos ao meio-ambiente, mortes, desemprego, indenização às famílias e punição à Samarco. A cobertura jornalística estourou.

Na época os veículos de comunicação fizeram direitinho o trabalho informando a população sobre o ocorrido mas com o tempo a pauta foi esfriando, os estragos da tragédia desaparecendo da mídia mas não de Mariana. O distrito ainda sofre mas pouco se fala sobre. Há exceções, como a campanha #NãoEsqueçaMariana, produção da Filadélfia Comunicação que dominou as redes sociais e foi divulgada em sites de jornais, como o Correio Braziliense.

Ok, hard news é o foco dos principais veículos do país, mas será que matérias mais humanizadas sobre a tragédia também não cumpririam o papel do jornalismo de informar e conscientizar a população? Por que Mariana só voltou a ter destaque na mídia após o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília que divulgou o valor que a Samarco deveria pagar de indenização aos afetados pela tragédia (o valor total da indenização é de aproximadamente R$ 2 bilhões)?

A questão que queremos levantar é: Por que a mídia se esqueceu de Mariana, das pessoas que sofreram (e ainda sofrem) para reconstruir suas vidas? E o trabalho jornalístico em torno da tragédia em Barcarena, está sendo bem feito?

Não sabe sobre Barcarena, a gente te conta:

No dia 22 de fevereiro foi confirmada a contaminação de diversas áreas de Barcarena, nordeste do Pará, provocada pelo vazamento de rejeitos de bauxita e soda cáustica da mineradora norueguesa Hydro Alunorte. A denúncia foi feita dias antes pela própria população que se assustou com a coloração avermelhada nos igarapés da região.

Segundo o pesquisador em saúde pública do Instituto Evandro Chagas, que foi quem anunciou a confirmação do vazamento, Marcelo Lima, a empresa fez uma ligação clandestina para eliminar esses efluentes contaminados que estavam acumulados dentro da fábrica e isso atingiu as comunidades.

O vazamento afetou as áreas das comunidades de Bom Futuro, Vila Nova e Burajuba. E no material coletado do igarapé que fica na vila Bom Futuro, os índices de sódio, nitrato e alumínio estavam acima do permitido, além do PH estar no nível 10. Ou seja, o líquido estava extremamente nocivo aos seres humanos.

Além disso, o laudo do Instituto Evandro Chagas mostra que nas amostras existia um alto nível de chumbo, e o consumo contínuo deste líquido pode gerar câncer.

Mais dois pontos irregulares de lançamentos de rejeitos da empresa foram encontrados depois do dia 22 de fevereiro. Por determinação da justiça, a refinaria teve que diminuir sua produção pela metade. O Ibama aplicou uma multa de 20 milhões de reais à empresa e determinou o embargo do depósito de rejeitos.A Hydro Alunorte também terá de demonstrar sua capacidade operacional e de segurança, adequando-se inclusive ao padrão das chuvas no local. E o uso de uma das bacias utilizadas pela refinaria está proibido até que a licença final de operação seja emitida para a companhia.

Para o coordenador do Greenpeace, Marcio Astrini, os noticiários estão fazendo sua parte em informar a população dos danos irreparáveis deixados pela empresa norueguesa. Mas fica um sentimento de impunidade quanto ao funcionamento da companhia. Inclusive, ele alerta para as consequências que esta água contaminada pode ter na vida das comunidades ribeirinhas, e questiona como isso será tratado.

O que tem ajudado a alavancar ajuda na região é a cobertura jornalística que se tem presenciado. Além dos meios de comunicação mais locais, como o jornal “O Vale” e o “Diário do Amazonas”, outras grandes empresas de mídia abriram espaço para a cobertura sobre o vazamento impróprio em Barcarena.

Desde o dia 22 de fevereiro até hoje, dia 25 de março, o jornalismo diário tem mostrado os desdobramentos do vazamento em Barcarena, e cada furo que surge conforme o assunto fica mais em evidência. Como por exemplo, segundo o portal de notícias do Pará, “Diário Online”, o “Dol”, o ex-secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Fernandes, foi alertado, há quase dois anos, dos riscos de vazamento, no município de Barcarena, de rejeitos químicos da Hydro. A afirmação é do advogado de moradores da cidade, Ismael Moraes.

Essa notícia não aparece em portais nacionais, mas a informação de que Luiz Fernandes saiu da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para assumir a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará foi dada por grupos de comunicação como a “Globo”.

Existe uma correlação entre estas duas notícias? Se sim, nenhum serviço jornalístico buscou apurar mais a fundo.

Aqui podemos deixar a reflexão de que, os fatores noticiosos óbvios da notícia foram entregues ao público, mas o jornalista não se deu conta de que poderia estar tratando de um problema ainda maior, que faz parte do histórico de impunidade a empresas altamente lucrativas que passam por cima da nossa legislação ambiental.

Existe uma flexibilidade jurídica maior sobre estas companhias, que supostamente ajudam no desenvolvimento de áreas como Barcarena e Mariana no país?

Um trabalho jornalístico de qualidade nos ajudaria a obter esta resposta e agir de acordo com ela.

Segundo um artigo publicado na revista “Carta Capital” em 2016, o rompimento da barragem do Fundão em Mariana é o terceiro conflito ambiental mais explosivo do mundo. Em um mapeamento global, o Brasil é considerado o país mais violento do mundo contra ambientalistas pelos levantamentos da organização Global Witness.

Fica mais claro entender a posição do Estado quando acrescentamos mais este dado: segundo o Tribunal de Contas da União, das multas aplicadas pelo IBAMA de 2009 a 2013, apenas 1,76% do valor foi pago.

As duas tragédias ambientais trazidas aqui não foram acidentes. Elas fazem parte de um modelo explorador do grande mercado das mineradoras, que vai continuar causando fortes impactos ambientais e sociais no nosso país. Este que fecha os olhos e dá as mãos pro dono do dinheiro.

Referências

CAPITAL, Carta. Os 10 conflitos ambientais mais explosivos do mundo. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/dez-conflitos-ambientais-que-explodem-no-mundo> . Acesso em: 25 mar.2018

BRAZILIENSE, Correio (Brasil). #NãoEsqueçaMariana: campanha ganha novo vídeo dois anos após tragédia. 2018. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/02/20/interna-brasil,661087/naoesquecamariana-campanha-ganha-novo-video-dois-anos-apos-tragedia.shtml>. Acesso em: 25 mar. 2018

ONLINE, Diário (Brasil). Para advogado, ex-secretário de Meio Ambiente sempre protegeu a Hydro. 2018. Disponível em: <http://m.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-493227-para-advogado-ex-secretario-de-meio-ambiente-sempre-protegeu-a-hydro.html>. Acesso em: 25 mar. 2018

G1. Secretário Luiz Fernandes fala da situação que o município de Barcerna passa. Disponível em <http://g1.globo.com/pa/para/videos/t/todos-os-videos/v/secretario-luiz-fernandes-fala-da-situacao-que-o-municipio-de-barcerna-passa/6532583/>. Acesso em: 25 mar.2018

G1. Titular da Secretaria de Segurança Pública assume nova pasta. Disponível em <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/titular-da-secretaria-de-seguranca-publica-assume-nova-pasta.ghtml>. Acesso em: 25 mar. 2018

HYDRO (Brasil). Hydro no Brasil. 2016. Disponível em: <https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/Sobre-a-Hydro/A-Hydro-no-Brasil/>. Acesso em: 25 mar. 2018.

MEDIUM. Nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A. Disponível em <https://medium.com/@pacsinstituto/mariana-n%C3%A3o-foi-acidente-525e772996bc>. Acesso em: 25 mar. 2018

#NÃOESQUEÇAMARIANA — 2018. Mariana: Filadélfia Comunicação, 2018. Son., color. Legendado. Série Não Esqueça Mariana. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tF7dIjnySLY>. Acesso em: 25 mar. 2018

SAMARCO (Brasil). Governança Corporativa. 2018. Disponível em: <http://www.samarco.com/diretoria-samarco-e-conselho-de-administracao/>. Acesso em: 25 mar. 2018

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