A interferência da internet no jornalismo audiovisual

Elen Cristiane
singular&plural
Published in
6 min readMar 24, 2018
Banco de imagens Pexels

Por Elen Cristiane

A evolução tecnológica mudou o modo no qual o homem tem se relacionado com o tempo, o espaço e as relações humanas, transformando, consequentemente, a maneira como os fatos diários são registrados e o fazer jornalístico. Nesse contexto, o jornalismo contemporâneo se separou da prática tradicional e se aliou a um composto de referências diretamente ligadas ao ciberespaço, tornando-se “um misto de linguagem, ideologia, estética, consumo, marketing e publicidade”, (MARSHALL, p.44, 2003).

Essa mudança na prática da profissão está atrelada também a mudança no perfil dos consumidores de notícias. Segundo um levantamento realizado em 2016, pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), a participação da TV aberta no setor audiovisual teve uma queda de mais de 20 pontos percentuais. Fato que afeta diretamente a produção jornalística nas emissoras brasileiras de TV.

Em contrapartida, a adesão ao ciberespaço tem crescido exponencialmente em todo o mundo. De acordo com o relatório “Digital in 2018”, elaborado pelas empresas Hootsuite e We Are Social, somos mais de 4 bilhões de usuários nas redes digitais, vivendo em um planeta onde os estudos recentes apontam uma população global com cerca de 7,6 bilhões de seres humanos.

Dados que refletem diretamente a necessidade do jornalismo, como um todo, se integrar à internet para produzir um conteúdo cada vez mais alinhado às novas necessidades do público consumidor. Tudo isso, é claro, sem abandonar os valores éticos inerentes à profissão.

[…] a noção de comunicação recobre uma multiplicidade de sentidos. Se isso vem sendo assim há muito, a proliferação das tecnologias e a profissionalização das práticas acrescentaram novas vozes a essa polifonia, num final de século que faz da comunicação uma figura emblemática das sociedades do terceiro milênio. (LIMA apud MATTELART; MATTELART, 2009)

Como explica Detoni (et al, p.80, v. 2, n. 7), “na busca frenética pela audiência, o telejornalismo tem apresentado a informação dentro de uma lógica de entretenimento, descontextualizando, despolitizando e neutralizando os fatos”. Situação que tem distanciado os paradigmas desejáveis do jornalismo do conteúdo transmitido pela grande mídia televisiva. Programas como Cidade Alerta e Balanço Geral, ambos da TV Record, têm misturado o entretenimento e as redes sociais ao jornalismo, como forma de conquistar o público de uma maneira sensacionalista, fazendo com que muitas vezes o humor se sobreponha à notícia.

Para Grijó e Souza (2014), mesmo assim, os telejornais são grandes produtos informativos para a sociedade, onde é possível dar visibilidade às experiências coletivas e cotidianas. Percepção que mostra o jornalismo audiovisual televisivo como um espaço plural e democrático a grande parte da população, visto que a internet ainda não está disponível em todas as regiões do Brasil e do mundo, e os telejornais são a única fonte noticiosa disponível em algumas localidades.

Tal conjuntura evidencia a importância de produzir um conteúdo que seja atrativo para as novas gerações conectadas à internet, sem abandonar o compromisso de noticiar os fatos de interesse público. Dado que “o jornalismo audiovisual não se apresenta mais como apenas uma das maneiras para disponibilizar e divulgar a notícia, pelo contrário, faz-se progressivamente essencial para a eficácia da comunicação com o público”, (ROBERTO JÚNIOR, 2014).

Outro ponto relevante, é que a internet tem interferido na velocidade com que as informações são transmitidas, colocando, na grande maioria das vezes, em segundo plano a apuração dos fatos. Posto que tanto o jornalismo audiovisual quanto à produção noticiosa impressa tinham mais tempo para trabalhar a apuração das informações recebidas. E agora os conteúdos seguem o princípio do mercado de notícias “primeiro se publica, depois se filtra”. Tal fato, faz com que o imediatismo do ciberespaço interfira na qualidade das informações transmitidas pela TV, corroborando para fortalecer uma produção noticiosa mais propensa a divulgar fatos duvidosos ao público consumidor.

Deste modo, o discurso jornalístico audiovisual precisa ser renovado. Assim, os telejornais atuam na produção de matérias mais elaboradas, evitando competir com a velocidade da Internet. Segundo Frazão e Brasil (2013), como exemplo disso, podemos citar a importância das emissoras de TV em integrar os telespectadores à produção de conteúdos jornalísticos de forma participativa — mediante o acompanhamento de profissionais — , com o intuito de resguardar o padrão adotado pelas empresas de comunicação e integrar a sociedade a notícia.

O ideal é que os telespectadores-usuários sejam capazes não apenas de compreendê-los, mas também de se expressar mediante eles para não serem condenados a ser simples receptores passivos e acríticos, intervindo de maneira ativa na percepção, através da seleção e da interpretação, interagindo com o que desperta seu interesse. (BECKER, p.98, v. 6, n. 2)

Pensando nisso, é preciso repensar o modo no qual a internet tem interferido no jornalismo audiovisual e criar uma forma em que os telespectadores atuem de forma ativa na produção e recepção dos conteúdos disponibilizados, como, por exemplo, a iniciativa da Band de inserir o Twitter durante os debates eleitorais, em 2016. Tipo de participação que se mostra cada vez mais fundamental para integrar a notícia ao público interessado na recepção da informação e mantê-los motivados a acompanhar os telejornais.

Por fim, é importante salientar que, segundo Roberto Júnior (2014), o profissional que terá destaque no jornalismo contemporâneo audiovisual é aquele que será capaz de sair da zona de conforto; olhando para as transformações que já ocorreram ao longo das décadas com a ousadia de quebrar os paradigmas impostos. Em uma sociedade hiperconectada, acaba sendo fundamental ter criatividade para superar a rotina do trabalho diário e atrair o público cada vez mais sedento por um conteúdo interativo e acessível a todos que estão (ou estarão) conectados ao ciberespaço.

Considerações finais

Partindo do objetivo de mostrar como a internet tem interferido nas produções jornalísticas audiovisuais, foi possível constatar como a evolução tecnológica atuou tanto de forma positiva quanto negativa na prática jornalística e, consequentemente, afetou o público consumidor de notícias.

O lado positivo está ligado à possibilidade de maior interatividade com a notícia, fato que antes do advento das redes sociais e as comunidades cibernéticas era muito difícil. Em contrapartida, o lado negativo surge na tentativa do jornalismo audiovisual competir com a velocidade da internet; situação que acaba fazendo com que a produção noticiosa televisiva perca qualidade nos conteúdos disponíveis aos telespectadores.

Além disso, foi possível averiguar também que o público consumidor de notícias está mudando. Deste modo, o grande desafio para as grandes emissoras de TV no século XXI é continuar transmitindo informações para aqueles que ainda não estão conectados à Internet, sem perder a atenção das gerações mais jovens que cada vez mais abandonam as mídias tradicionais e se informam pelo ciberespaço.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECKER, Beatriz. Jornalismo audiovisual de qualidade: um conceito em construção. Estudos em Jornalismo e Mídia, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 95–111, nov. 2009. ISSN 1984–6924. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/1984-6924.2009v6n2p95/11279>.Acesso em: 23 mar. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.5007/1984-6924.2009v6n2p95.

CIRIACO, Douglas. Mais de 4 bilhões de pessoas usam a internet ao redor do mundo. 2018. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/internet/126654-4-bilhoes-pessoas-usam-internet-no-mundo.htm>. Acesso em: 23 mar. 2018.

DETONI, Márcia et al. O audiovisual de não-ficção e a “Maldição do jornalístico”. Estudos em Comunicação, [s.l], v. 2, n. 7, p.02–211, 24 set. 2017. Semestral. Universidade da Beira Interior.

FRAZÃO, Sandra Moratti; BRASIL, Antonio. A PARTICIPAÇÃO DO TELESPECTADOR NA PRODUÇÃO DA NOTÍCIA EM TELEJORNAL: Transformação do processo noticioso e da rotina profissional. 2013. 9 v. Tese (Doutorado) — Curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2013. Disponível em: <file:///C:/Users/ElenC/Downloads/577–2332–1-PB.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2018.

GRIJÓ, Wesley Pereira; SOUZA, Kairo Vinicios Queiroz de. Jornalismo audiovisual em tempos de convergência midiática: A produção de Webvídeos no Brasil. 2014. 18 v. Tese (Doutorado) — Curso de Jornalismo, Universidade Federal do Pampa, São Borja, 2014.

IZEL, Adriana; OLIVEIRA, Rebeca. Estudo da Ancine demonstra queda brusca de audiência da TV aberta. 2016. Correio Braziliense. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2016/10/18/interna_diversao_arte,553603/estudo-da-ancine-demonstra-queda-brusca-de-audiencia-da-tv-aberta.shtml>. Acesso em: 23 mar. 2018.

LIMA, Venício de A. Mídia: teoria e política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009. 368 p.

MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da publicidade. [s. L.]: Summus Editorial, 2003. 172 p.

ROBERTO JUNIOR, Paulo. Como será o jornalismo audiovisual daqui a cinco anos? 2014. Observatório da Imprensa. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/tv-em-questao/_ed829_como_sera_o_jornalismo_audiovisual_daqui_a_cinco_anos/>. Acesso em: 23 mar. 2018.

--

--