A piauí de Moreira Salles

Maria Catarina Mazzitello
singular&plural
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4 min readMar 27, 2018

A revista que trouxe vigor estético e conteúdo primoroso ao mercado editorial

Por Alexa Meirelles, Fernanda Campos e Maria Catarina Mazzitello

A revista piauí, criada em 2006 pelo documentarista João Moreira Salles, talvez seja o que há de mais singular dentro do universo editorial de revistas atualmente. De tiragem mensal, com média de 42 mil exemplares, é impressa pela Editora Abril e editada pela Editora Alvinegra. “piauí”, grafado em minúsculo, não possui um significado ontológico, mas estético: por ter muitas vogais, a sonoridade e a escrita são mais bonitas. Palavras com muitas consoantes normalmente são menos agradáveis, mais “duras”.

Salles queria uma revista inovadora, bem escrita e que fugisse dos exemplares que tratam os assuntos do Brasil com furor e raiva: “[…] uma revista que se preocupa um pouco mais com a forma, que me surpreenda, que não seja necessariamente pendurada no noticiário. Que possa ter a liberdade de ser mais anárquica, menos séria, que me divirta”. Com um formato que muito se assemelha ao da New Yorker, a piauí conquistou seu espaço e cativou o leitor por oferecer o que o restante das revistas não ofereciam. Grande e carregada de textos longuíssimos, não é o tipo de publicação que dê para carregar na mochila ou, eventualmente, ler no ônibus. Esperar a próxima edição e debruçar-se sobre as longas análises e perfis escritos tornou-se uma espécie de ritual para o leitor assíduo.

Os repórteres da revista são jornalistas e escritores já experientes que passaram por grandes veículos. A assinatura de seus nomes nos textos é um show a parte. O periódico também possui uma extensa lista de colaboradores (professores, jornalistas, políticos) e uma diagramação não-fixa — a revista muda muito de um exemplar para outro. Ainda assim, apesar dessa certa “flexibilidade”, possui sua sua lista de editorias mais frequentes — Chegada, Colaboradores, Esquina, Diário, Perfil, Quadrinhos, Ficção, Poesia, Despedida e The piauí Herald.

Os assuntos abordados pela revista são diversos. O próprio João Moreira Salles diz que a opção editorial da piauí é simples — “falar de tudo, de política a odontologia. Se um autor for capaz de tornar uma reportagem sobre cáries interessante, ela será publicada”.

A piauí explora bastante o papel do personagem na reportagem. Ao invés de falar sobre “educação no Brasil”, por exemplo, a revista escolheria um perfil de um jovem estudante para falar sobre o assunto. Aquele estudante e suas muitas particularidades seriam o gancho que justificaria a publicação daquele texto. Para o editor, questões gerais são abstratas. Histórias pessoais podem expor o mesmo assunto de forma mais singular e concreta.

A publicação escreve para um público específico. Suas grandes reportagens não se destinam a todos — ou, ao menos, não são lidas por todos. O seu leitor geralmente faz parte da elite brasileira, indivíduos engajados no mercado financeiro e cultural. Além dos próprios jornalistas que admiram a revista como um todo.

João Moreira Salles está na lista Forbes de 2016 das pessoas mais ricas do Brasil. A revista não faz parte de nenhum conglomerado ou grupo midiático porque nasceu de um projeto pessoal de Salles, apenas com financiamento de capital privado. Ela tem a liberdade de não estar atada às políticas editoriais de grandes empresas.

Ainda assim, não é feita para todos. Mas para quem a lê, a publicação consegue transmitir sua informação de forma eficaz — apesar de conter conteúdo majoritariamente político, não faz uso de jargões e termos técnicos. O público-alvo, letrado e de maioria ingressante de cursos superiores, não parece ter problemas para entender o seu conteúdo, o que se mostra evidente pela interatividade dos comentários nas redes sociais da piauí.

A piauí não tem posição política explicitamente determinada, todavia é perceptível a pendência para a esquerda e o progressismo. Seus depoimentos sobre política tem um forte tom de chalaça, mas não doutrina ou impõe ideologias. Ainda assim, os seus textos são extremamente autorais — o nome do jornalista que assina tem peso, o que deixa claro o posicionamento de cada repórter em relação ao tema que ele está abordando.

A política, inclusive, é um tema muito explorado — novamente, sob o perfil de personagens. É comum a piauí fazer longos perfis de figuras emblemáticas, do Judiciário, Legislativo e Executivo; acompanhando-as por dias. A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia; o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia; o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu — de todos os espectros e posicionamentos, a revista despe tais pessoas de seus rótulos e as humaniza.

As capas da piauí são conhecidas pelas ilustrações satíricas. / Foto de Alexa Meirelles

A factualidade também não é deixada de lado. O site da revista também tem publicações inéditas e sincronizadas com os acontecimentos. O portal, inclusive, é um bom cartão de visitas ao leitor que ainda não conhece o impresso da piauí, e pode servir como uma alternativa acessível a textos de qualidade.

Com exceção do “The piauí Herald” (editoria cômica dentro da revista que aborda notícias fictícias), o periódico possui linguagem inspirada no “Novo Jornalismo” (ou New Journalism, gênero jornalístico que nasceu nos Estados Unidos em torno de 1960). As notícias, factuais, são narradas de modo literário. Dessa forma, a revista preocupa-se em não apenas informar o público, mas fazê-lo de forma mais prazerosa, com textos esteticamente atraentes. Os textos distanciam-se completamente do hard news e sua linguagem quadrada e cortês.

Lançada por um cineasta e banqueiro, a Piauí não é dos veículos mais acessíveis. Mesmo assim, popularizou-se por trazer ao público brasileiro textos concisos em seu conteúdo, agradáveis e criativos em sua forma — algo que faltava no mercado editorial, textos autorais de muito competência estética e angulação diferenciada.

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Maria Catarina Mazzitello
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Atriz e jornalista. Fã de diálogos e subtextos. Membro do canal 16mm no youtube. Metida com arte em geral.