A responsabilidade ética dos jornalistas perante a divulgação de informações falsas

Em ocasiões recentes, os jornalistas se mostraram intransigentes com discursos distorcidos da reprodução mais fiel possível da realidade

Francesca Bellelli
singular&plural
3 min readJun 13, 2021

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Por Francesca Bellelli, Pedro Henrique Oliveira e Tomaz Belluomini

No último dia 12, a CPI da Pandemia, responsável por investigar a atuação dos agentes públicos no controle do coronavírus, ouviu o ex-secretário de comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten.

O senador e relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), pediu a prisão do ex-secretário por mentir ao responder os questionamentos. Os depoimentos da comissão são dados sob a obrigação de dizer a verdade. Em diversas declarações, Wajngarten foi contraditório, inclusive quando falou sobre a competência do Ministério da Saúde.

Em entrevista concedida à revista Veja, o ex-secretário afirmou que “houve incompetência” na compra da vacina da Pfizer. No depoimento à CPI, Wajngarten negou que tivesse falado isso e a contradição foi amplamente divulgada pela mídia.

O ex-presidente norte-americano é acusado de disseminar notícias falsas ao longo de todo o seu governo — Foto: Isac Nóbrega/PR Agência Brasil

A partir desse evento, podemos conectar a um fato que aconteceu nos Estados Unidos. Durante a contagem de votos da eleição de 2020, o até então presidente Donald Trump começou um pronunciamento divulgando informações falsas e, em meio às falas, seis emissoras americanas, dentre elas, ABC e CBS News, interromperam a transmissão para retificar as informações.

Em outra ocasião, a Fox News também interrompeu um pronunciamento a respeito das eleições de 2020. A porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, fez, em uma coletiva de imprensa, afirmações sobre fraude eleitoral sem apresentar provas. Mesmo após a derrota, Trump continuou espalhando notícias falsas.

Ao divulgar o discurso de Trump ou as falas de Wajngarten, os jornalistas possibilitam que a versão dada pelos depoimentos seja, minimamente, uma versão possível da história. A problemática se dá justamente pelo fato das declarações serem falsas.

No caso de Trump, ele explicitamente disse que “dezenas de milhares de cédulas, sem verificação, foram contadas na eleição”, o que não há nenhum indício de ter acontecido. Portanto, a ética e a responsabilidade dos jornalistas perante a reprodução mais fiel possível da realidade não permitiu que o discurso fosse encarado como uma versão verossímil, porque, afinal de contas, não era.

No caso de Wajngarten, a mídia brasileira não foi tão enfática como a norte-americana ao corrigir o político, mas fez o seu papel na busca pela versão mais próxima à realidade. Para isso, a Veja liberou o áudio da entrevista com o ex-secretário onde ele afirma que houve incompetência do Ministério da Saúde no gerenciamento da pandemia.

Os processos de comunicação são responsáveis pela construção social da realidade. Sejam jornalistas ou grupos de WhatsApp, ambos têm sua responsabilidade na criação de uma versão da história que se aproxime da realidade. Jornalistas por formação têm, ou deveriam ter, um compromisso maior com as narrativas que publicam. A responsabilidade e a ética estão no código da profissão e precisam cada vez mais serem colocadas em prática quando a construção da realidade for deturpada por informações incorretas.

Porém, se combinarmos o compromisso ético jornalístico com a verdade e os critérios de noticiabilidade, há certamente um conflito e a discussão torna-se uma área cinzenta. Por mais que os discursos de Trump ou o depoimento de Wajngarten estejam repletos de inverdades, ignorar a relevância destes fatos iria totalmente contra o propósito jornalístico de expor ao cidadão temas de imenso interesse público pelas figuras envolvidas. Como já mencionado, o correto a fazer é apontar os equívocos, apresentando provas com o intuito de mostrar ao espectador o retrato mais próximo da realidade possível, atividade que se torna cada vez mais difícil em uma sociedade submersa na pós-verdade.

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