A responsabilidade do jornalismo no caso Mari Ferrer

O jornal “The Intercept Brasil” usou o termo “estupro culposo” para a conclusão do caso Mari Ferrer e gerou comoção e engajamento

Pietra Mesquita
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3 min readNov 25, 2020

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Por Brenda Vieira e Pietra Mesquita

André Aranha, acusado de estuprar Mari Ferrer Fonte: The Intercept Brasil

O jornal The Intercept Brasil publicou na quinta-feira, 3 de novembro, uma matéria sobre a conclusão do caso “Mariana Ferrer”. Na matéria, produzida pela repórter Schirlei Alves, ela fala sobre os desdobramentos de um processo judicial que já existe desde 2018, quando a jovem Mariana Ferrer acusou o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado.

A matéria teve grande repercussão na internet e está levando pessoas a se posicionarem, falarem sobre a ‘cultura do estupro’ e também organizarem atos em favor de Mariana, uma vez que a decisão do tribunal foi por tratar o suposto crime como “culposo”, quando não há a intenção de cometê-lo.

O documento judicial mostrado na matéria afirma que houve o ato sexual, contudo, não seria possível comprovar se o réu sabia ou não se a jovem estava sob efeito de entorpecentes, ou seja, vulnerável. É aqui, então, que entra a interpretação do jornal que fez as redes sociais serem tomadas por frases como “Estupro culposo não existe”.

Como manchete, o Intercept utilizou a seguinte oração: Julgamento de influencer Mariana Ferrer termina com sentença inédita de ‘estupro culposo’ e advogado humilhando jovem. O jornal é conhecido por ser feito de jornalismo investigativo. O estupro culposo não foi um termo colocado em nenhum momento no documento do processo, mas é a tese da defesa e interpretação. No entanto, a forma como o termo foi colocado no título da matéria fez com que as pessoas entendessem que o termo em si foi utilizado no processo.

A utilização das aspas trouxe credibilidade, ao mesmo tempo que, ao ler a matéria, oferece dualidade em seu significado. No jornalismo, as aspas são utilizadas para citar um trecho exatamente igual do texto ao qual se refere, e por isso ficou parecendo que o Intercept estava falando de um texto existente. Retornando à teoria do Gatekeeper e o que passa ou não para a matéria, é possível pensar que a palavra foi estrategicamente posicionada para gerar engajamento e comoção para o caso e a própria reportagem.

A escolha do conteúdo, por sua vez, se deu, pois, o Intercept é um veículo investigativo e trata de casos factuais com mais profundidade, transformando notícias em reportagens apuradas com documentos oficiais e informações conseguidas com fontes que muitas vezes não podem nem se identificar, pois são pessoas de “dentro” do objeto de investigação. Um exemplo disso é o caso das reportagens sobre o ex-ministro Sérgio Moro sobre irregularidades dentro da Operação da Lava Jato. O conjunto de reportagens ficou conhecido como “Vaza Jato”.

Além disso, o uso do termo usado pelo Intercept demonstra o posicionamento do veículo diante do caso. Ao dar o nome de “estupro culposo” na reportagem, é perceptível que a forma como é falado o termo e o uso dele é uma crítica do jornal ao caso.

Para exemplificar ainda mais essa crítica e essa comoção para o caso, o jornal usa recursos e mostra imagens da noite em que Mari foi estuprada e, além disso, exibe com exclusividade um interrogatório em que a vítima é humilhada pelo advogado do acusado, sem qualquer intervenção do juiz.

Vale lembrar também que, ao abordar esse assunto, o jornal está trazendo à tona um caso antigo e transformando-o em factual, colocando a responsabilidade do jornalismo em campo, que é de informar e cobrar as autoridades.

Reportagem sobre o caso Mari Ferrer Fonte: The Intercept Brasil

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Pietra Mesquita
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Meu nome é Pietra Mesquita, tenho 23 anos, estudo jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Atualmente, sou âncora na TV CARAS.