A ‘Síndrome de Desaparecimento da Mulher Branca’ nas coberturas

Como a cobertura jornalística de casos de desaparecimento nos Estados Unidos falha em relação à pluralidade das vítimas

Andrezzaferrigno
singular&plural
3 min readOct 9, 2021

--

Por Andrezza Ferrigno, Camille Santos e Isabella Scala

Atualmente, a internet virou palco para discussão de casos criminais. Em setembro, redes sociais foram preenchidas de conteúdos sobre o caso de Gabby Petito, jovem estadunidense que desapareceu durante uma viagem com seu noivo por parques nacionais dos Estados Unidos. A hashtag #GabbyPetito atingiu mais de 1 bilhão de visualizações na plataforma do TikTok ao longo do mês.

Post feito no Instagram da Gabby Petito em julho (Reprodução/Instagram).

Ao mesmo tempo, a hashtag sobre o caso de desaparecimento do estudante Jelani Day teve somente 9,7 milhões de visualizações no mesmo período — Gabby e Jelani desapareceram na mesma semana. Qual é a diferença na cobertura midiática em cada caso? A resposta é simples. Jelani Day era um homem negro, enquanto Gabby era uma mulher branca.

A diferença na cobertura midiática nos casos de desaparecimento foi apelidada de “Síndrome de Desaparecimento da Mulher Branca” por Gwen Ifill, jornalista americana. O apelido se refere ao fascínio que a mídia tradicional tem por casos criminais e de desaparecimento que envolvem mulheres brancas — enquanto ignoram grande parte dos casos similares que envolvem pessoas não brancas.

Zach Sommers, sociólogo com ênfase em estudos de criminologia da Universidade Northwestern pesquisou sobre esse fenômeno. Em sua pesquisa, Sommers filtrou a cobertura de casos de desaparecimento por quatro veículos midiáticos — o Star Tribune de Minneapolis, o Chicago Tribune, o Atlanta Journal-Constitution e a CNN — em 2013.

O pesquisador descobriu que metade dos artigos feitos entre os veículos analisados foram sobre mulheres brancas. Ele compara esse número com a quantidade de mulheres brancas nos Estados Unidos na época — apenas um terço da população.

Familiares de pessoas desaparecidas usam a hashtag do caso da Gabby Petito para atrair atenção aos seus casos. (Reprodução/CNN).

Sommers também descobriu que a diferença na cobertura se baseava na intensidade, já que os veículos eram mais prováveis de repetir a cobertura de certos casos, levando ao aumento do número de artigos sobre o desaparecimento de mulheres brancas. “Ao escolher destacar desproporcionalmente as experiências de pessoas e mulheres brancas, esses quatro sites de notícias estão implicitamente — ou talvez explicitamente — sugerindo que os casos dessas pessoas são mais importantes”, conta o pesquisador.

O culpado talvez esteja dentro dos próprios veículos de comunicação. Sommers argumenta que as decisões de pauta são feitas por jornalistas — em sua maioria brancos — nas redações estadunidenses. Mas esse não é o único problema: a pesquisa descobriu que ao se dar enviesamento na cobertura de casos de desaparecimentos que envolvem mulheres brancas, os veículos acreditam que essa parcela é mais importante para as receitas de anúncios e cliques nos sites.

As redes sociais, sobretudo o TikTok, se transformaram em um grande jogo de “Detetive” — com internautas juntando as peças que jornais reportam em uma tentativa de solucionar os casos — e acabam funcionando de maneira semelhante à imprensa nesses casos. Postagens sobre pessoas brancas recebem muito mais curtidas, são mais compartilhadas e geralmente geram mais engajamento do que pessoas de outras raças.

A imprensa usa abordagem padrão no que diz respeito a casos de desaparecimento. As histórias em que mulheres brancas são vitimizadas acabam por ser mais veiculadas, enquanto vítimas não brancas recebem pouca ou nenhuma atenção. Tal realidade, expressa uma dura realidade da prática jornalística, que é a preocupação por veicular aquilo que é mais lucrativo e não o que é relevante.

Essa realidade acaba evidenciando a falta da pluralidade presente nos principais valores a serem seguidos em uma prática jornalística. A preocupação em veicular tal caso, apenas pelo interesse no retorno econômico, não gera apenas uma falta de credibilidade e dever para com o público; reforça ainda mais os preconceitos raciais, especialmente nas redes sociais.

--

--