Abaixe a guarda que é chuva (de balas!)

Larissa Lara
singular&plural
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2 min readSep 21, 2018

Por Larissa Lara

De acordo com o dicionário Aulete, favela é uma comunidade de habitações modestas, construída principalmente nas encostas dos morros das áreas urbanas e geralmente desprovida de infraestrutura de urbanização. Periferia seria semelhante, uma região afastada do centro urbano de uma cidade, geralmente habitada por população de baixa renda.

As descrições citadas não divergem tanto uma da outra no dicionário quanto se distinguem na mídia. Se, por um lado, você encontra facilmente informações positivas quando a busca no Google acontece por meio do verbete “periferia”, o mesmo não ocorre com “favela”. A possibilidade de se perder no emaranhado de tragédias e cair em notícias como “Garçom é morto por policiais que teriam confundido guarda-chuva com arma” é gigantesca.

Crédito: Larissa Lara

Especificamente, esse título é da matéria do Estadão, replicada pela Exame, no dia 18 de setembro. No dia anterior, Rodrigo Alexandre da Silva Serrano foi morto com três tiros, no Rio de Janeiro, quando aguardava sua mulher e seus filhos com um guarda-chuva na mão.

A matéria é informativa, objetiva e descreve bem o ocorrido, o que faz parecer que foi bem apurada. A função foi feita, o velho jornalismo foi cumprido. Prova disso, a preocupação com o equilíbrio, em ouvir os dois lados.

Contudo, não há espaço para um debate. Há falhas dialógicas. A forma apresentada é instrumental, transmitiva e, por isso, oposta ao pensamento de Freire, que acredita que ela deveria ser compartilhada. Esse leitor passivo esperado pelo autor não combina em nada com a relação de práxis entre o homem e o mundo esperado por Freire.

Para haver diálogo, o leitor ativo e crítico espera pluralidade entre as ideias presentes no texto. Como os envolvidos na história — a polícia, testemunhas oculares, amigos e família — não têm lugar de fala na matéria, e suas palavras são diluídas em citações indiretas, os Sujeitos tornam-se meros objetos.

Tudo se torna desumanizado e impessoal demais. Até a foto é meramente ilustrativa.

Assim, essa matéria assemelha-se a um comunicado e distancia-se mais do diálogo, uma vez que os Sujeitos não estão criando conhecimento juntos. Então, por que ela é construída dessa forma?

A corrente do diálogo questiona qual é a definição ideal de comunicação, uma crítica atípica no pensamento positivista da raiz do jornalismo. A construção desse texto foi pensada no modelo antigo e não nas possíveis ressignificações que poderiam vir do leitor.

Se a mídia fosse um meio para a promoção da pluralidade e a libertação humana, no lugar de ajudar na opressão em meio a sociedade de classes, ela comprometeria-se com o diálogo e veria que fora da caverna há mais que apenas sombras.

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