Aqui jaz o respeito

Uma análise da perturbadora cobertura jornalística em momentos trágicos

Sabrina Damas
singular&plural
3 min readJun 6, 2021

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Por Amanda Grota e Sabrina Damas

Durante todo o período acadêmico, o jornalista aprende sobre os critérios de noticiabilidade. Estes guiam as escolhas sobre as pautas que devem ou não virar notícia, conforme a relevância do tema e o interesse público. Entre esses critérios, os tópicos “morte”, “notoriedade” e “atualidade” entram como um dos principais norteadores.

Você provavelmente ouviu falar que a morte dá notícia e dinheiro. Isso porque o ser humano tem uma curiosidade insana em descobrir mais sobre algo ainda tão misterioso. Por isso, é comum que alguém pergunte “morreu do quê?” antes de prestar condolências. Mas, isso não significa que a cobertura jornalística deve ser sensacionalista, antiética e desrespeitosa. Para aqueles que ficam, como amigos e familiares, a abordagem do repórter pode fazer muita diferença.

Recentemente, o ator e humorista Paulo Gustavo veio a óbito, após uma luta de quase dois meses contra as consequências da covid-19. O momento de luto da família do ator foi, porém, desrespeitado por parte da mídia, que anunciou o falecimento sem qualquer confirmação por parte da assessoria, família ou equipe médica de Paulo Gustavo.

A TV Record exibiu durante o programa “Balanço Geral” imagens dos familiares do ator enquanto choravam e se abraçavam no hospital. Nas redes sociais, os usuários criticaram a atitude da emissora, considerada invasiva. Além disso, as imagens pareceram ser o suficiente para que a própria Record e outros veículos, como o site Em Off e a revista Pais & Filhos, anunciassem a morte do humorista sete horas antes da confirmação de óbito.

Tal comportamento denota falta de responsabilidade e sensibilidade para com os familiares e amigos do ator, que foram obrigados a desmentir a imprensa. Infelizmente, não foi a primeira vez que a busca pela audiência e pela notícia em primeira mão superaram princípios jornalísticos básicos.

Com a pandemia da Covid-19, o número de mortes é manchete nos noticiários diariamente | Crédito: Mike (Pexels)

Em fevereiro de 2020, durante o programa “Cidade Alerta”, o apresentador Luiz Bacci informou a uma mãe sobre o assassinato de sua filha, enquanto a entrevistava ao vivo. Até então, a jovem de 21 anos estava desaparecida. A mãe da jovem chegou a desmaiar durante a entrevista.

Uma outra situação, no mesmo programa, a repórter abordava Amanda, a filha de um homem assassinado. A matéria sugeria que o pai da jovem era um agiota, sem nenhuma comprovação, e a repórter chegou a errar o nome da vítima na frente de sua filha. “Eu perdi meu pai hoje e eu não tô vendo um pingo de respeito aqui, com você falando que ele era agiota. Como assim? De onde tiraram isso?”, rebateu Amanda. A insensibilidade da situação foi muito criticada e o assunto chegou aos trending topics do Twitter.

Outro caso de irresponsabilidade na abordagem jornalística perante familiares foi visto na Band. Após o ataque a um colégio em Suzano, em 2019, Guilherme Tucci foi identificado como um dos assassinos. O repórter da Band persegue a mãe do rapaz pelas ruas, fazendo perguntas inapropriadas e que nada agregavam ao caso.

Analisando os exemplos apresentados, percebemos que ainda há falta de treinamento para lidar com fontes em situações de vulnerabilidade emocional e dificuldade de estabelecer limites para os repórteres. Além do tratamento perturbador de fontes em casos trágicos, ainda há o notável problema da verificação da verdade. Um dos princípios básicos do jornalismo não foi respeitado por algumas das maiores emissoras do país. Fica evidente a problemática em equilibrar o anseio por hard news e o comportamento ético esperado de um jornalista.

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